Um dia Comum

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Um dia comum

Pricila Elspeth

Dreide recebeu uma mensagem em seu citochip, na verdade, uma oferta de trabalho. Ela não conseguia uma entrega há semanas e seus créditos estavam se esvaindo rapidamente. O contratante possuía uma identidade oculta, algo comum no ramo de atividade dela, mas o local de encontro era demasiadamente incomum; um renomado hospital.

A cidade era escura e populosa, era impossível caminhar pelas ruas sem esbarrar em alguém, tática muito usada por ela quando queria surrupiar os créditos de alguém através do contato dos aparatos citodermicos. O cheiro de fritura e o odor de produtos químicos invadiam suas narinas a faziam enjoar; desde que viera da colônia, nunca acostumou-se à capital; trocar o bucolismo colonial pelo frenesi da metrópole, realmente era estarrecedor.

Ela estacionou a aeromoto e entrou no fabuloso hospital com letreiros holográficos em vermelho neon. Caminhou até a cantina pisando macio com suas botas de couro enfeitadas de rebites e aguardou a chegada de seu contratante. Enquanto esperava digitou na mesa seu pedido; um café puro e sem adoçantes. O androide trouxe seu pedido poucos segundos depois dela tê-lo feito e estendeu a mão com uma tela biométrica. Dreide bebericou o café e achou um tanto comum para o valor cobrado, mas pagou assim mesmo. Nas colônias, os pagamentos eram feitos através de transações mais complexas, mas na cidade bastava colocar o dedo sobre uma tela.

Uma pessoa de casaco pardo, chapéu de feltro e óculos escuros sentou-se à sua frente colocando sobre a mesa um pequeno invólucro térmico de plástico. Dreide engoliu em seco, pois, pela sua cabeça pensou que o conteúdo do pequeno contêiner poderia ser um órgão que seria contrabandeado e instantaneamente sentiu as pernas tremerem e as mãos suarem, visto que muitos conhecidos seus haviam caído nas mãos da lei enquanto transportavam órgãos; isso porque depois do patenteamento sobre o genoma humano, as leis deram ao dono da patente controle total sobre os corpos dos recém-nascidos e da vida de muitas pessoas, principalmente aquelas que sempre viveram na cidade, todos os novos órgãos eram marcados e podiam ser rastreados; era isso que a assustava.

"Quero que entregue essa carga no edifício Palace Brasilis, ao Senador até às seis da tarde. É imprescindível que não se atrase."

A voz era áspera, nitidamente modificada por um embaralhador de frequências. Ela olhou em volta e não percebeu nenhuma movimentação incomum, julgou que não poderia ser uma armadilha, consultou as horas através do implante de comunicação e percebeu que tinha apenas duas horas de prazo.

"É pouco tempo, a distância é longa e a área é perigosa..."

"Não quer o trabalho?"

"Estou apresentando os custos extras. Vou querer quatrocentos créditos, adiantados."

A figura misteriosa recostou-se na cadeira ponderou por alguns segundos. Inclinou-se para frente e concordou com o valor. Retirou do bolso interno do casaco um disco vítreo verde, pressionou o polegar sobre ele durante um tempo e empurrou na direção da entregadora.

"Não pagaria se não fosse você."

Dreide pegou o cubo plástico e sentiu a baixa temperatura a qual estava submetido. Levantou-se calmamente e deixou o local com uma crescente desconfiança. Montou na aeromoto e partiu para seu destino.

Entregadores são mercenários sem opções melhores de empregos, atuam na ilegalidade, na escuridão, arriscando suas vidas e competindo vorazmente com outros da categoria por uns míseros créditos. Nessa sociedade eles são vistos como subumanos, descartáveis e praticamente invisíveis. Talvez tenham sido essas condições de trabalho e características sociais que tenham feito de Dreide uma das melhores entregadoras do setor.

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