Capítulo 2

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Eu não sei quanto tempo fiquei ali parada no meio do sangue no lençol. Não sei se dormi ou se fiquei acordada. Só sei que em algum momento pude ouvir a voz de Emma bem longe, como se estivesse me chamando de algum lugar bem distante. Era quase inaudível. Tentei responder. Chama-la para perto de mim, mas eu simplesmente não conseguia. Era como se eu tivesse sido transformada em pedra pela medusa. Eu não conseguia me mexer ou falar, e, sinceramente eu não sabia como ainda estava respirando. Ouvi outras vozes também, mas não consegui identificar de primeira.

- Vem Anna. Vamos cuidar de você. Independentemente do que tiver acontecido aqui eu prometo que vai ficar tudo bem. - Era Brendon. Atencioso como sempre.

De repente me vi flutuando. Um calor encostou na lateral do meu corpo e então me dei conta que Brendon havia me pegado no colo. Ele estava me tirando dali. Contudo, mais do que sair dali eu queria que ele me soltasse, que tirasse suas mãos de mim e que nunca mais olhasse na minha cara. Eu me sentia suja e impura, indigna de qualquer ajuda dele naquele momento. Eu estava com vergonha por ter me permitido passar por isso, por ter sido fraca e por estar mais vulnerável do que tudo naquele momento. Eu queria muito gritar para que ele me soltasse, que me deixasse só na minha dor e na minha vergonha, mas o torpor que dominava meu corpo naquele momento simplesmente não deixava, assim como não deixou com que eu ficasse ciente do caminho que eles faziam ou para onde estavam me levando. Todas as vozes que me rodeavam eram abafadas pelo torpor de forma que era muito fácil ignora-las e ficar na minha solidão, mesmo que eu não estivesse realmente sozinha. E aquilo me deixava satisfeita. Me dava uma sensação de conforto e proteção.

- Você precisa reagir. - ouvi a voz de Carmen no fundo. - Eu vou te ajudar querida, assim como ajudei sua mãe. Mas eu preciso que você reaja, confie em mim e me conte quem fez aquilo com você.

E mais uma vez eu não conseguia. A batalha que se passava em mim não deixava. Quando ela viu que eu realmente não iria me mexer ela se levantou e saiu me deixando só novamente na minha dor, na minha vergonha e na minha vontade de ficar só, de sumir, desaparecer. Fiquei ali sentada por um tempo que eu não soube definir até que uma água gelada começou a cair na minha cabeça fazendo com que o torpor me abandonasse, me trazendo de volta a realidade. Eu estava embaixo de um chuveiro, nua e com Carmen esfregando o meu corpo. Como eu tinha parado ali? Não sei. A única reação ao me dar conta do que estava acontecendo foi chorar. Chorei durante todo o banho e dei um ataque quando Carmen chegou perto com uma bucha na mão. Eu mesma queria tomar banho, me esfregar e tirar toda a imundice que aquele homem havia deixado impregnado em mim. Esfreguei até minha pele ficar vermelha e ainda assim me sentia suja, o que me fez questionar se um dia essa sensação iria passar.

- Eu sei que você não quer conversar comigo e nem com ninguém. - Carmen disse depois de me ajudar a secar e vestir roupas limpas que Emma havia separado para me emprestar. - Mas eu quero te ajudar e para te ajudar eu preciso que você confie em mim tudo bem?

Assenti e olhei para os lados tentando me localizar. Era o trailer de Carmen. Reconheci. Eu estivera ali algumas vezes com minha mãe e também depois de sua morte. Carmen havia sido minha professora e me ajudou muito quando minha mãe morreu. Vi Emma, Brendon e Nathan sentados em cadeiras em um canto com olhares preocupados. O que Nathan e Brendon estavam fazendo ali? Me senti constrangida. Já era difícil saber que eles sabiam que algo grave tinha acontecido comigo. Eles não precisavam saber de mais nada. Sem jeito de falar qualquer coisa, dei a Carmen um olhar desesperado, suplicando para que me ajudasse. Graças a Deus ela entendeu e os tirou dali. Ela realmente era o meu anjo da guarda. Eles saíram protestando, mas quando vi a porta se fechando foi como se tivessem tirado algumas gramas do peso que se encontrava sobre as minhas costas.

- Foi ele. - eu disse quando Carmen se sentou na minha frente.

- Ele quem Jô? - Emma perguntou.

- O cara que matou a minha mãe. - eu disse enquanto uma lágrima escorria por meu rosto. - Ele estava de máscara, mas eu o reconheci. Aquela voz. Não dá para esquecer.

- Eu sei que é difícil, mas eu preciso que me conte tudo o que ele fez com você. - Carmen disse.

- Eu não quero. - disse desesperada.

- Joanna, olhe para mim. - Carmen disse com um tom sério. - Quando sua mãe apareceu no circo pedindo para Brent a levar junto ela estava grávida de você. Eu não sei o que tinha acontecido com ela. Ninguém sabia. Ele simplesmente se recusava a falar qualquer coisa a respeito disso. Mas ela estava tão desesperada que Brent a acolheu na família e eu a ensinei para que pudesse trabalhar e ficar conosco. Foi difícil para ela, mas ela fez tudo o que podia para ficar e manter você segura. Quando chegou aqui ela era uma garotinha assustada, grávida e perdida. Ela tinha 17 anos quando você nasceu.

'Quando o aniversário de 18 anos dela chegou nós fizemos um bolo para ela e cantamos parabéns após o jantar. No dia seguinte sua mãe, assim como você, não apareceu nem para o café da manhã e nem para cumprir seus deveres. Fui atrás dela e a encontrei do mesmo jeito que encontrei você, machucada, sangrando, em choque e você ao lado dela chorando. Ela se recusou a falar sobre o assunto.

'No ano seguinte no aniversário de 19 anos dela a mesma coisa aconteceu. A encontrei no dia seguinte e a única coisa que ela me disse é que era a mesma pessoa do ano anterior. Perguntei mais, mas ela se recusou. Disse apenas que não queria falar sobre aquilo nunca mais.

'No aniversário de 20 anos ela pediu para que eu ficasse com você pois tinha medo de que algo fosse acontecer. Chamei ela para dormir comigo também para que não ficasse sozinha e evitasse que algo como o que já havia acontecido acontecesse novamente. Ela se recusou e novamente pediu para que eu não falasse nada mais sobre o assunto. No dia seguinte quando fui até o trailer dela eu a encontrei ainda mais machucada do que nos anos anteriores. Ele havia batido nela. Ela nunca falava nada. Nem para mim e nem para ninguém.

'No aniversário de 21 anos o episódio do ano anterior se repetiu. E no de 22. Bem, você sabe. Não quero que aconteça com você tudo o que aconteceu com ela. Me recuso. Vou te ajudar mesmo que você não queira. Você vai se mudar daquele trailer e vai ficar comigo, assim você não fica sozinha e eu também não. E desse jeito a gente pode impedir que isso aconteça de novo.

Fiquei um tanto chocada com o que Carmen havia me contado. Eu não sabia porque minha mãe passou por isso, só sei que eu não queria passar por aquilo nunca mais.

- Jô conta para a gente. - Emma disse.

- Ele... me estuprou. - eu disse enquanto ouvi minha voz morrer.


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O Passado de Joanna (Quando a Tristeza se Esconde Atrás de um Sorriso)Where stories live. Discover now