Capítulo 03 - Luiza

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Capítulo 03

Luiza

As palmas das minhas mãos começam a suar. Rebeca me encara com aqueles olhos semicerrados — prontos para o julgamento. Eu ajeito minhas tranças, jogando-as para as costas, e encaro o chão, incerta de como começar a contar para ela o que aconteceu. Já sei que Rebeca não vai entender, nunca entende, mas é minha melhor amiga. E sabe tudo sobre mim.

— Precisamos dos tapetes de Yoga — eu digo, tentando ganhar tempo.

— Ah não, Lu, os tapetes de Yoga não! — Rebeca protesta, mas já estou correndo até a varanda para pegar os tapetes cor-de-rosa.

Rebeca faz biquinho e eu reviro os olhos para ela. Estendemos os tapetes no chão da sala, que não é grande o suficiente para os dois — acabamos sempre espremidas uma de frente para outra.

— Sabe, eu gostava mais de você antes do Yoga — Rebeca reclama.

— Você vai se mudar, amiga. Não vai ter mais isso — rebato.

E sou tomada por uma onda de tristeza. Ultimamente, tenho sido vítima da solidão. Mesmo estando rodeada de gente o tempo todo, mesmo dividindo o apartamento com duas meninas incríveis, eu tenho a impressão de que ninguém me entende.

Porque é verdade. Ninguém entende o que eu estou passando.

Uma vez ou outra, choro em silêncio, desesperada para encontrar alguém cujo coração esteja tão dolorido quanto o meu. Rebeca não é essa pessoa. Para ela, é muito fácil resolver os meus problemas: basta terminar com o Rômulo. Como se fosse simples. Nunca é simples.

Quem nunca namorou por muitos anos, não entende que, quando somos jovens (e ingênuos), acabamos nos fundindo tanto com a outra pessoa que nos esquecemos em que ponto um começa e outro termina.

Pensar em uma vida sem Rômulo é quase inconcebível. Não sei mais como é minha vida sem ele. E toda vez que tento imaginar, chego à conclusão de que eu sofreria muito mais sem ele. A situação acaba se tornando uma escolha pelo tipo de dor mais branda.

Então, não é simples.

Vou até o meu quarto, em silêncio, e escolho um incenso de lavanda. Quando volto, Rebeca já está na posição de lótus e com os olhos fechados. Aqui em casa, fazemos assim: quando temos algo importante para desabafar, a gente senta nos tapetinhos de Yoga e fechamos os olhos — o fundamental é saber ouvir, mesmo quando é difícil entender.

— Pronto. — Acendo o incenso e deixo ele queimando no suporte em formato de chaminé, que fica em cima da mesa da TV. — Me promete que vai deixar eu falar tudo antes de começar a julgar?

— Prometo. — Ela sorri.

— Bom, vamos lá. — Limpo a garganta. — Ontem, eu e o Rômulo estávamos indo para o show daquela banda que eu gosto. Conversa vai, conversa vem, e eu acabei deixando escapar que estava conversando com o Paulo.

— Quem é Paulo?

— Aquele comediante que ele gosta, que fomos no stand-up dele. Lembra que eu acabei seguindo o tal do Paulo no Instagram e nós começamos a conversar? Então, eu deixei isso escapar. Não que eu estivesse guardando segredo, não era nada demais. — Percebo minhas narinas dilatadas de raiva.

— Certo.

— O Rômulo me pediu para ver a conversa. Na verdade, exigiu.

— Você tá brincando com a minha cara. — O tom de voz dela sobe. Estou de olhos fechados, mas aposto que Rebeca está vermelha como o tapete do Oscar.

Os Mecanismos de Defesa do Coração [DEGUSTAÇÃO]Where stories live. Discover now