Capítulo 5

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Ricardo

Mais um dia para encarar.

Levantei mais cedo do que o Miguel, como sempre. Aquele bastardo dormiria o dia inteiro se deixasse. Talvez até mais do que isso. Já eu, não conseguia ficar na cama por muito tempo. Meu sono durava de três a quatro horas, até que era substituído pelos pesadelos. Eles sempre vinham. E era neste momento que eu levantava para tomar café e ver mais um nascer do sol.

Nosso pequeno apartamento estava pior a cada dia, mas não tinha vontade nenhuma de arrumar. Ainda era quinta-feira, o dia de visitas era no sábado, então poderia deixar tudo para amanhã. Hoje, concentrar no trabalho. Apenas isto como sempre.

Fiz o café e deixei uma xícara para Miguel, que reclamaria se não deixasse. Não, na verdade ele não reclamaria, mas me encararia com aquele olhar decepcionado que dizia "você não fez a sua obrigação de irmão mais velho". Não precisava de mais nenhum olhar decepcionado em minha direção.

Peguei o celular para checar as mensagens, e tinham quatro não lidas no WhatsApp. Li uma por uma, apagando todas logo em seguida. Não eram importantes. Algumas garotas de sempre, outras novas... Destas, recebia o olhar decepcionado sempre e nem ligava. Elas que crescessem e percebessem que a vida não é feita de amor. Não é um conto de fadas. A vida é feita de uma noite satisfatória, e pronto. Depois bola pra frente.

Duas horas depois fui até o quarto do garoto e acendi a luz, puxando suas cobertas. Graças a Deus ele dormia vestido. Caso contrário, já teria visto muitas vezes algo que não sairia da minha mente. Cacete, é meu irmão. Ninguém quer ver as coisas do irmão, quer?

– Cara, não faz isso! – Esbravejou, colocando o braço em cima dos olhos.

Não sei como ainda não havia se acostumado. Todo dia era a mesma coisa. Apenas uma vez resolvi inovar e joguei uma jarra de água gelada na sua cabeça. Ele ficou doente por uma semana, sem poder ir trabalhar, dormindo o dia inteiro. Nunca mais fiz isso, pois quem saia ganhando era o bastardo.

– Está na hora. – Disse, e saí. Sabia que ainda enrolaria na cama por mais quinze minutos, mas logo estaria na sala, pronto para o dia na praia.

Este era Miguel. Sempre atento, disposto a ajudar qualquer um. Tão diferente de mim. Não sei o que o tornou assim, porque a minha educação não foi. Não sabia educar um garoto de doze anos, que foi quando tudo mudou na nossa vida. Quando estraguei tudo.

Ele era a única pessoa que não me culpava. Ou, ao menos, não me olhava com aquele olhar de "você destruiu a minha vida" como muitos já olharam. Sim, todos estes olhares já foram direcionados a mim, tudo por causa de uma noite trágica. Uma noite que mudou os cinco anos seguintes a ela e provavelmente o resto das nossas vidas.

Mas, mais uma vez, este era Miguel. Dono do maior coração que já conheci. Talvez tenha pegado o meu emprestado, pois não o uso mais. Não quero. Ou talvez tenha ficado com o da nossa mãe. Ele é tão parecido com ela...

– Estou pronto, vamos. – Disse mais acordado, tomando a xícara de café em apenas um gole.

– Demorou. – Respondi, bagunçando seu cabelo.

Miguel era alguns centímetros mais baixo do que eu, mas provavelmente cresceria mais do que isso. Talvez daqui a uns três anos eu não conseguisse mais fazer isso com seu cabelo, então aproveitava para fazer sempre que podia.

Ele apenas me olhou, sorrindo. Não ficava bravo comigo por nada, por mais que tenha lhe dado mil motivos para isso, e ainda dê a cada dia que passa.

– Ricardo, Miguel! – Cumprimentou meu tio Evandro, o único da nossa família que havia ficado. E, claro, o responsável por estarmos aqui neste momento. Ele é o dono do quiosque que trabalhamos na praia. Ou seja, se também tivesse desistido, não teríamos um emprego. Não teríamos o pequeno apartamento. Provavelmente não teríamos o que comer.

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