Gabriela Cravo e Canela

Af Johnyinthebike

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A presente obra do autor Jorge Amado é disponibilizada por mim, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso... Mere

Nota sobre o autor
*****PRIMEIRA PARTE *****
DO SOL E DA CHUVA COM PEQUENO MILAGRE
DO PASSADO E DO FUTURO MISTURADOS NAS RUAS DE ILHÉUS
DOS NOTÁVEIS NA BANCA DE PEIXE
DE COMO O DOUTOR QUASE POSSUIA SANGUE IMPERIAL
DE COMO NACIB DESPERTOU SEM COZINHEIRA
DE ELOGIO À LEI E À JUSTIÇA OU SOBRE NASCIMENTO E NACIONALIDADE
ONDE APARECE MUNDINHO FALCÃO, SUJEITO IMPORTANTE, OLHANDO ILHÉUS POR UM BINÓCULO
DA CHEGADA DO NAVIO
DAS IRMÃS DOS REIS E DO SEU PRESÉPIO
DA DESESPERADA BUSCA
DO DONO DA TERRA ENQUANTO SOL
DA CONSPIRAÇÃO POLÍTICA
DA ARTE DE FALAR DA VIDA ALHEIA
GABRIELA NO CAMINHO
**CAPÍTULO SEGUNDO**
A TENTAÇÃO NA JANELA
DA LEI CRUEL
DAS MEIAS PRETAS
DA LEI PARA AS RAPARIGAS
DO SIMPÁTICO VILÃO
DA HORA TRISTE DO CREPÚSCULO
DE COMO NACIB CONTRATOU UMA COZINHEIRA OU DOS COMPLICADOS CAMINHOS DO AMOR
DA CANOA NA SELVA
GABRIELA ADORMECIDA
DE ENTERROS E BANQUETES COM PARÊNTESIS PARA CONTAR UMA HISTÓRIA EXEMPLAR
NOITE DE GABRIELA
SEGUNDA PARTE
GABRIELA COM FLOR
DO INESPERADO HÓSPEDE INDESEJÁVEL
DE COMO SE INICIOU A CONFUSÃO DE SENTIMENTOS DO ÁRABE NACIB
DE CONVERSAS E ACONTECIMENTOS COM AUTO DE FÉ
DO FOGO & DA ÁGUA EM JORNAIS E CORAÇÕES
GABRIELA NA BERLINDA
DA LUZ DO FIFÓ
DO BAILE COM HISTÓRIA INGLESA
DOS VELHOS MÉTODOS
DO PÁSSARO SOFRÉ
GABRIELA COM PÁSSARO PRESO
DAS CADEIRAS DE ALTO ESPALDAR
DO DEMÔNIO SOLTO NAS RUAS
DA VIRGEM NO ROCHEDO
DO AMOR ETERNO OU DE JOSUÉ TRANSPONDO MURALHAS
CANÇÃO DE GABRIELA
DAS FLORES & DOS JARROS
DAS DRAGAS COM NOIVA
CAPÍTULO QUARTO
DO INSPIRADO VATE ÀS VOLTAS COM MÍSERAS PREOCUPAÇÕES MONETÁRIAS
DOS EQUÍVOCOS DA SENHORA SAAD
DAS CANDIDATURAS COM ESCAFANDRISTAS
DA GRANDE CAÇADA
DE COMO A SENHORA SAAD ENVOLVEU-SE EM POLÍTICA...
DOS SABORES & DISSABORES DO MATRIMÔNIO
SUSPIROS DE GABRIELA
DAS FESTAS DE FIM DE ANO
DA NOBRE OFENÍSIA À PLEBEIA GABRIELA...
DE COMO O ÁRABE NACIB ROMPEU A LEI ANTIGA...
AMOR DE GABRIELA
DA VIDA SURPREENDENTE
DA COBRA DE VIDRO
DOS SINOS A DOBRAR FINADOS
DO FIM (OFICIAL) DA SOLIDÃO
DAS PEDRAS & LUCROS COM CHEFE DE CUISINE
DO CAMARADA DO CAMPO DE BATALHA
DO BENEMÉRITO CIDADÃO
CHÃO DE GABRIELA
DO NAVIO SUECO COM SEREIA DE AMOR
DO "POST-SCRIPTUM"

A PASTORA GABRIELA OU DA SENHORA SAAD NO RÉVEILLON

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Af Johnyinthebike

        O QUE VAI DIZER minha irmã, a besta do meu cunhado? Não, Gabriela, como poderiaNacib consentir? Jamais poderia. E com aquilo da irmã, ele tinha razão.

        Que diria o povo de Ilhéus, seus amigos do bar, as senhoras da alta roda, o coronelRamiro que tanto a distinguia? Impossível, Gabriela, impossível pensar em tal coisa, nuncavira absurdo maior. Bié precisa se convencer que não é mais uma pobre empregada, semfamília, sem nome, sem data de nascimento, sem situação social. Como imaginar asenhora Saad na frente do terno, a trazer na cabeça coroa dourada de papelão, rebolando ocorpo na dança de passos miúdos, vestida de cetim azul e vermelho, empunhandoestandarte, entre vinte e duas pastoras conduzindo lanternas, a pastora Gabriela, aprimeira de todas, a mais notada de todas? Impossível, Bié, que ideia mais doida...

         É claro, ele gostava de ver, aplaudia no bar, mandava servir rodada de cerveja. Quemnão gostava? Que era bonito, quem ia negar? Mas ela já vira alguma senhora, casada,distinta, saindo a dançar em terno de reis? Não viesse com o exemplo de Dora, por coisasassim o marido a largara, a deixara na máquina a costurar para os outros. E ainda porcima com sua irmã na cidade, um saco de empáfia, e aquele cunhado, todo cheio de ventocom seu anel de doutor. Impossível, Gabriela, nem valia a pena falar.

       Gabriela baixou a cabeça, concordando. Ele tinha razão, não podia ofendê-lo empresença da irmã, não podia magoá-lo na vista do cunhado doutor. Ele a tomou e sentou-ano colo.

  - Não fique triste, Bié. Ria pra mim. 

       Riu, por dentro chorava. Chorou naquela tarde sobre o vestido de cetim, tão belo, azule vermelho, combinação mais vistosa de cores! Sobre a coroa dourada, com uma estrela.Sobre o estandarte com as cores do terno e, pregado no meio, o menino Jesus e o seucordeiro. Não a consolou o presente que ele lhe trouxe, de noite, ao voltar para casa: umaécharpe cara, bordada, com franjas. 

- Pra você usar no baile de Ano-bom - disse ele. - No tal de réveillon. Quero que Biéseja a mais bonita da festa.  

         Não se falava noutra coisa em Ilhéus senão nesse réveillon do Clube Progresso,organizado pelas moças e rapazes estudantes. As costureiras não davam conta de tantaencomenda. Vestidos chegavam da Bahia; nos alfaiates as roupas de homem, de brimbranco HJ, sendo provadas; as mesas todas tomadas com antecedência. Iria até o Mister,com sua esposa que viera passar o Natal com o marido, como fazia todos os anos. Emlugar das costumeiras danças em casas particulares, a sociedade de Ilhéus se reuniria nossalões do Progresso, no baile sem precedentes.

         Naquela mesma noite sairia o terno com suas lanternas, suas canções e seuestandarte. Gabriela estaria de mantilha rendada, vestida de seda, com apertados sapatos.No baile sentada, de olhos baixos, calada, sem saber como se comportar. Quem levaria oestandarte? Dora ficara desapontada. Seu Nilo, o moço com cheiro de mar, não esconderasua decepção. Somente Miquelina se mostrara contente, talvez a ela coubesse levar oestandarte.

         Só veio um pouco a esquecer, a deixar de chorar, quando o parque chegou nodescampado do Unhão. O Parque da China, com roda gigante, cavalinhos, chicote e casa deloucos. Brilhante de metais, um desperdício de iluminação. Causando tanto falatório que onegrinho Tuísca, tão longe dela ultimamente, não resistiu e apareceu para comentar. 

        Nacib lhe disse:

  - Na véspera de Natal não vou ao bar. Só passo por lá. Vamos de tarde no parque, denoite nas quermesses. 

          Aquilo, sim, valia a pena. Andou em tudo com seu Nacib. Na roda gigante foi duasvezes. O chicote era gostoso demais, dava um frio embaixo do umbigo. 

         Saiu tonta da casa de loucos. O negrinho Tuísca calçando botinas - ele também! - deroupa nova, andava de graça por ter ajudado a colar os cartazes nas ruas da cidade. 

          Foram à noite às quermesses em frente à igreja de São Sebastião. Por ali passeavaTonico com dona Olga, Nacib a deixou com eles, deu um pulo no bar para ver comomarchava o movimento. Vendiam presentes nas barracas, moças estudantes tomavamconta. Rapazes compravam. Havia leilões de prendas em benefício da igreja. 

       Ari Santos, suando a valer, era o leiloeiro. Anunciava: 

- Um prato de doces, oferta da gentil senhorita Iracema. Doces feitos com suaspróprias mãos. Quanto me dão? 

- Cinco mil-réis - oferecia um acadêmico de medicina. 

- Oito - aumentava um empregado no comércio. 

- Dez - lançava um estudante de direito.  

        Iracema tinha muitos apaixonados, disputado era o seu portão de namoros e, por issomesmo, o seu prato de doces. Na hora do leilão veio gente do bar para assistir eparticipar. As famílias enchiam a praça, namorados trocavam sinais, noivos sorriam debraço dado. 

- Um jogo de chá, prenda da jovem Jerusa Bastos. Seis xícaras, seis pires, seis pratospara doces, e outras peças. Quanto me dão? 

       Ari Santos exibia uma xícara pequena. 

       As moças entreolhavam-se numa rivalidade de preços. Cada qual desejava que seupresente a São Sebastião fosse vendido mais caro. Os namorados e noivos gastavamdinheiro, levantando as ofertas para vê-las sorrir. Por vezes, dois coronéis candidatavam-se à mesma lembrança. Crescia a animação, subiam os lances, chegando a cem e aduzentos mil-réis. Naquela noite, numa disputa com Ribeirinho, Amâncio Leal deraquinhentos mil-réis por seis guardanapos. Isso já era desperdiçar, jogar dinheiro fora. Tãofarto ele andava nas ruas de Ilhéus. As moças casadoiras animavam, com os olhos,namorados e pretendentes: a ver que figura fariam quando o leiloeiro anunciasse a suaprenda. A de Iracema batera um recorde: o prato de doces fora levado por oitenta mil réis. Lance de Epaminondas, sócio mais jovem de uma loja de fazendas, Soares & Irmãos.Pobre Jerusa, sem namorado! Metida a emproada, não se passava para os moços de Ihéus.Murmurava-se de um amor na Bahia, um quintanista de medicina. Se sua família nãoentrasse nos lances - seu tio Tonico e dona Olga, ou algum amigo de seu avô -, seu jogode xícaras não ia dar nada. Iracema sorria, vitoriosa.  

- Quanto me dão pelo jogo de chá? 

- Dez mil-réis - deu Tonico. 

         Deu quinze Gabriela, com Nacib novamente a seu lado. O coronel Amâncio, capaz deaumentar o lance, já não estava, fora-se embora para o cabaré. Ari Santos suava, nopalanque a gritar: 

- Quinze mil-réis... Quem dá mais? 

- Um conto de réis. 

- Quanto me disse? Quem foi que falou? É favor não brincar.

- Um conto de réis - repetiu Mundinho Falcão.

- Ah! seu Mundinho... Pois não. Senhorita Jerusa, quer ter a bondade de entregar aprenda ao cavalheiro? Um conto de réis, meus senhores, um conto de réis! São Sebastiãoserá eternamente grato a seu Mundinho. Como sabem, esse dinheiro é para a construçãoda futura igreja, nesse mesmo local, uma igreja enorme que substituirá a atual. SeuMundinho, o dinheiro é mesmo comigo... Muito obrigado. 

          Jerusa ia buscar a caixa com as xícaras, entregava ao exportador. As moças vencidascomentavam aquela loucura. Que significava? Esse Mundinho, podre de rico, rapaz elegantedo Rio, combatia num combate mortal a família dos Bastos. Uma luta com jornaisqueimados, homens surrados, atentados de morte. Fazia frente ao velho Ramiro,disputava-lhe os cargos, levava-o a ataques de coração. E, ao mesmo tempo, dava umconto de réis, duas reluzentes notas de quinhentos, por meia-dúzia de xícaras de louçabarata, prenda da neta do seu inimigo. Era mesmo maluco, como iriam entender? Todaselas, de Iracema a Diva, suspiravam por ele, rico e solteiro, elegante e viajado, indoconstantemente à Bahia, tendo casa no Rio... As moças sabiam de suas histórias comraparigas. Com Anabela, com outras mandadas buscar na Bahia, no Sul. Por vezes as viampassar, elegantes e livres, na avenida da praia. Mas namoro com moça solteira ele nuncativera. Com nenhuma delas, mal as olhava. Tampouco Jerusa. Esse seu Mundinho Falcão,tão rico e elegante! 

- Não valia tanto - disse Jerusa.

- Sou um pecador. Assim, por suas mãos, fico bem com os santos. Ganho um lugar nocéu.       

       Ela sorriu, não pôde resistir, perguntou: 

- Vai ao réveillon? 

- Ainda não sei. Prometi ir passar o Ano-bom em Itabuna. 

- Parece que lá vai ser animado. Mas aqui também. 

- Desejo-lhe que se divirta e tenha um feliz Ano-novo. 

- Para o senhor também. Se não nos encontrarmos até lá.  

          Tonico Bastos espiava a conversa. Não entendia esse tipo. Sonhava ainda com acordode última hora, a salvar o prestígio dos Bastos. Cumprimentou Mundinho com um sorriso.O exportador respondeu, retirava-se, ia para casa.

          Na véspera de ano, Mundinho esteve em Itabuna, almoçou com Aristóteles, assistiu àinauguração da feira de gado, importante melhoramento a trazer para o município ocomércio de bovinos de toda região. Fez discurso, foi aplaudido, meteu-se no carro, voltoupara Ilhéus. Não que houvesse recordado Jerusa, mas porque queria passar a noite de anocom seus amigos, no Progresso. Valeu a pena: a festa foi uma beleza, o povo dizia que sómesmo no Rio era possível ver-se baile daqueles.

        O luxo, a explodir nos crepes da China, nos tafetás, nos veludos, nas jóias, encobriacerta falta de requinte e o ar de roceira de algumas senhoras, como as notas dequinhentos mil-réis, em maços nos bolsos, ocultavam o jeito atabalhoado dos coronéis, seufalar tabaréu. Mas os donos da festa eram os jovens. Alguns dos rapazes usavamsmoking, apesar do calor. As moças riam nas salas, abanado-se com leques, namorando,tomando refrescos. Corria champanha, as bebidas mais caras. As salas caprichosamenteenfeitadas com serpentinas e flores artificiais. Festa tão grande e falada, até JoãoFulgêncio, inimigo de bailes, compareceu. Ele e o Doutor.

        Jerusa sorriu quando enxergou Mundinho Falcão a conversar com o árabe Nacib e a boaGabriela que mal podia manter-se de pé. Sapato infeliz apertava-lhe a ponta do dedo. Nãonasceram seus pés para andar calçados. Mas estava tão bonita que até as senhorasmais presunçosas - mesmo a do dr. Demósthenes, feia e pernóstica - não podiam negarser aquela mulata a mais formosa mulher da festa.

  - Gentinha do povo, mais bonita - confessavam. 

         Uma filha do povo perdida nesse rumor de conversas que não entendia, de luxo quenão a atraía, de invejas, vaidades e disse-que-disse que não a tentavam. Daqui a pouquinhoo terno de reis, com as pastoras alegres, o estandarte bordado, estaria nas ruas. Parandodiante das casas, dos bares, cantando, dançando, pedindo licença para entrar. As portas seabriam, nas salas dançavam e cantavam, bebiam licor, comiam doces. Nessa noite deAno-novo e nas duas de Reis, mais de dez ternos e bumbas-meu-boi saíram do Unhão, daConquista, da ilha das Cobras, do Pontal, do outro lado do rio, para brincar nas ruas deIlhéus.  

           Gabriela dançou com Nacib, com Tonico, com Ari, com o Capitão. Volteava com graçamas essas danças não amava dançar. Rodando nos braços de um cavalheiro. Dança paraela era outra coisa, um coco mexido, um samba de roda, um maxixe embolado. Ou bemuma polca puxada a harmônica. Tango argentino, valsa, foxtrote, gostava não. Ainda maiscom aquele sapato mordendo seu dedo espalhado. 

         Festa animada. Desanimado só Josué. Encostado à janela, olhando para fora, um copona mão. No sereno repleto, ocupando a calçada e a rua, Glória espiava. A seu lado, comose fosse por acaso, Coriolano, cansado, querendo ir para a cama. Seu baile, ele mesmodizia, era a cama de Glória. Mas Glória tardava, toda no luxo, espiando a janela, o rostomagro de Josué. Explodiam nas mesas as rolhas das garrafas de champanha. MundinhoFalcão, disputado pelas moças, dançava com Jerusa, Diva, Iracema, tirou Gabriela. 

          Nacib metia-se nas rodas dos homens, a conversar. Dançar não apreciava, duas, trêsvezes na noite arrastara o pé com Gabriela. Deixava-a depois na mesa com a boa esposade João Fulgêncio. Por baixo da toalha, Gabriela arrancava o sapato, passava a mão no pédolorido. Fazia esforço para não bocejar. Vinham senhoras, sentavam à mesa, tocavam aconversar animadas, a rir com a mulher de João Fulgêncio. Por muito favor lhe davam boanoite, perguntavam como ia a saúde. Ficava calada, olhando para o chão. Tonico, como umsacerdote num rito difícil, rodava dona Olga no tango argentino. Rapazes e moças riam ebrincavam, dançando sobretudo na sala de trás, onde haviam proibido a entrada dos velhos.  A irmã de Nacib e seu marido dançavam também, empertigados. Aparentavam não vê-la. 

        Por volta das onze horas, quando já o sereno se reduzira a umas poucas pessoas - hámuito Glória se retirara e com ela o coronel Coriolano -, ouviu-se, vindo da rua, música decavaquinhos e violões, de flautas e pandeiros. E vozes a cantar cantigas de reisado.Gabriela elevou a cabeça. Enganar-se não podia. Era o terno de Dora. 

      Parou em frente ao Clube Progresso, silenciou a orquestra no baile, todos correrampara as janelas e portas. Gabriela enfiou o sapato, foi das primeiras a chegar ao passeio.Nacib a ela se reuniu, a irmã e o cunhado estavam bem perto, simulavam não vê-la. 

      As pastorinhas com as lanternas, Miquelina com o estandarte. Nilo, o ex-marinheiro,com um apito na boca, comandava o cantar e o dançar. Da praça Seabra, na mesma hora,vinham o boi, o vaqueiro, a caapora, o bumba-meu-boi. Dançando na rua. As pastorinhascantavam:   

"Sou linda pastorinha 

venho Jesus adorar. 

No presépio de Belém

 os reis magos saudar. 

         Ali não pediam entrada, não se atreviam a perturbar a festa dos ricos. Mas PlínioAraçá, à frente de garçons, trouxera garrafas de cerveja, distribuía. O boi descansava umminuto, a beber. A caapora também.   

        Voltavam a dançar, a cantar. Miquelina, no meio, levantava o estandarte, rebolando asancas magras, seu Nilo apitando. A rua se enchera com a gente do baile. Rapazes e moçasriam, aplaudiam. 

"Sou linda pastorinha

 de prata, ouro e luz.

 Com meu canto adormeço 

o Menino Jesus."  

            Gabriela não enxergava mais nada além do terno de reis, das pastoras com suaslanternas, Nilo com seu apito, Miquelina com o estandarte. Não via Nacib, não via Tonico,não via ninguém. Nem mesmo a cunhada de nariz insolente. Seu Nilo apitava, as pastorasformavam, o bumba-meu-boi já ia adiante. Outra vez apitava, as pastoras dançavam,Miquelina volteava o estandarte na noite.

         Iam noutra parte cantar, pelas ruas dançar. Gabriela descalçou os sapatos, correu paraa frente, arrancou o estandarte das mãos de Miquelina. Seu corpo rodou, suas ancaspartiram, seus pés libertados a dança criaram. O terno marchava, a cunhada exclamou: -Oh!

         Jerusa olhou e viu Nacib quase a chorar, a cara parada de vergonha e tristeza. E entãotambém ela avançou, tomou a lanterna de uma pastora, se pôs a dançar. Avançou umrapaz, um outro também, Iracema tomou a lanterna de Dora. Mundinho Falcão tirou o apitoda boca de Nilo. O Mister e a mulher caíram na dança. A senhora de João Fulgêncio, alegremãe de seis filhos, a bondade em pessoa, entrava no terno. Outras senhoras também, oCapitão, Josué. O baile inteiro na rua a brincar. No rabo do terno a irmã de Nacib e seumarido doutor. Na frente Gabriela, o estandarte na mão.

Fortsæt med at læse

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