Sob a Pele de Érica | ✓

rachelffernandes

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Após meses planejando um final de semana romântico com o namorado, Adriana Souza, investigadora de polícia do... Еще

[sobre]
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epílogo.
[agradecimentos]

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rachelffernandes

Luís fechou a porta da geladeira e grunhiu quando não encontrou nenhuma cerveja sobrando. Tudo o que ele queria naquela noite era uma cerveja gelada e dormir como uma pedra, mas nem isso o maldito Universo permitia. Os sons da televisão — que deveria estar desligada há muito — tornaram-se violentos, e Luís suspirou, arrastando os pés até a sala.

Bárbara estava enfiada em seu pijama curto, jogada no sofá com o controle remoto na mão e prestando mais atenção do que deveria na televisão. Seus pés balançavam no ar, e ela ria a exata risada de Camila, sua mãe. Luís se escorou no marco da porta da cozinha e sorriu. Numa tentativa falha de repreendê-la, perguntou:

— Ei, tu não deveria tá dormindo?

Bárbara levantou um pouquinho o rosto, franzindo o nariz arrebitado.

— É meia-noite, pai. — Ele a encarou de volta. A garota deu ombros. — Meio cedo pra ter sono, né?

— Chega pra lá, pestinha.

Luís contornou a pilha de livros do chão e se sentou no sofá. Bárbara ergueu as pernas para que ele se acomodasse melhor, e os dois ficaram em silêncio, assistindo televisão. Luís não demorou a fazer uma careta para o programa.

— O que tu tá vendo?

— Um documentário sobre torturas medievais. — A careta dele se aprofundou, e Bárbara riu. — Pois é, a Idade Média na Europa não foi muito delicada, mas não se pode negar a criatividade dos caras.

Luís riu, apesar de achar esquisito aquela fixação da filha por documentários macabros do canal de História. Sem falar naquele sonho nada convencional de tocar violino na orquestra de Berlim. Essa menina só podia ser minha filha e da Camila.

— Mas o que rolou? — Quando ele não entendeu, Bárbara olhou em sua direção. — Tu voltou da cozinha meio triste...

— Acabou a cerveja — reclamou Luís. — E eu me esqueci de comprar mais.

— Tu anda meio esquecido ultimamente.

Ele semicerrou os olhos quando Bárbara sorriu com o canto dos lábios. Apesar de a filha ter a atenção presa na televisão, Luís sabia que ela esperava por uma resposta. Ele suspirou.

— Tu nunca vai me perdoar por ter perdido a tua apresentação, né?

— Já perdoei. É que eu sou adolescente, pai — disse ela. Luís franziu o cenho outra vez. Num tom de confidência divertido, Bárbara arrematou: — Se eu não fizer da tua vida e da vida da mãe um inferno, qual é a graça?

Ele riu.

— É, tu tem um bom ponto aí. — Após um breve silêncio, Luís sentiu a necessidade de dizer: — Ah, e desculpa por não ter preparado nada pra hoje. Fiquei até tarde na DP, e a tua mãe ligou em cima da...

— Relaxa. — Bárbara mirou-o com o canto dos olhos antes de sorrir para a televisão. — O importante não é o que a gente faz, mas o tempo que a gente passa junto, pai.

Luís ficou em silêncio. Camila havia ligado em cima da hora, perguntando se ele poderia ficar com Bárbara para ela ter uma noite romântica com Beto. Luís só teve tempo de pegar a filha no ensaio da banda de punk rock onde ela tocava violino e pedir uma pizza. Agora, sentado com ela no sofá, ele sorriu.

— É, acho que sim.

— Aliás, tu recebeu mensagem. — Bárbara alcançou o celular a ele.

Afoito, Luís abriu a mensagem pensando ser dela, mas era apenas um aviso da companhia telefônica avisando do vencimento da conta. Com um suspiro, ele relaxou no sofá e trincou a mandíbula, ato que não passou em branco para sua filha. Aparentemente, nada escapava à garota.

— Não era dela?

— Dela...? — dissimulou Luís, recebendo um olhar óbvio de Bárbara. Corado, ele trocou de assunto: — Dá pra gente ver outra coisa? Essas simulações de gente sendo torturada tão me dando nos nervos.

— Não era dela. Saquei — disse Bárbara, mudando o canal. — Se tu quer tanto uma mensagem dela, deveria mandar uma. Aposto que a Adri tá na mesma que tu. Vocês dois se merecem.

— Dá pra gente não falar sobre isso?

— Como tu quiser.

Como uma criança chorona, Luís fechou a cara e cruzou os braços. Por que diabos ele não conseguia esquecer Adriana por um maldito minuto que fosse? Na DP, tudo lembrava ela; a mesa bem organizada, o café preferido dela na máquina, os lápis bem apontados e os olhares de Silveira — e ocasionais suspiros por não poder contar com sua melhor investigadora — eram demais para Luís suportar. Ele sentia falta dela, de seu cheiro de café-com-leite, da voz dela e até daquela mania irritante que Adriana tinha de cravar os calcanhares nos bancos de couro do seu carro.

Luís tentava esquecê-la, e quando achava que conseguia, um desses fatos vinha para provar que ele era um fraco. E se não era cada aspecto dela que voltava, eram as notícias sobre o indiciamento de Felipa e Pedro na televisão. Se eu te conheço, tu deve tá querendo torcer o pescoço de Bernardino. Às vezes — quase sempre — Luís pensava se teria tomado a atitude certa quando escolhera voltar a Porto Alegre. Foi certo, sim. Para com isso.

— Desenhos? — perguntou Bárbara.

— É, pode ser.

Ela zapeou sem pensar, o rosto escorado no braço do sofá. Luís ainda pensava em Adriana quando Bárbara passou por um dos canais, e ele ouviu a palavra esfola beijar seus ouvidos. Ele enrijeceu no sofá.

— Volta ali — Luís pediu à filha, que mirou-o sem entender. — No canal de História.

Como pedido, Bárbara voltou ao canal de História. Um professor de Harvard, desses com suéteres de gola rolê e paletós de tweed com ombreiras, falava. A dublagem era tosca, com uma voz jovem e aveludada que não combinava com o perfil magricela e curioso do professor. Ele dizia:

"A esfola foi um dos métodos de tortura mais utilizados na Europa Medieval pela simplicidade do ato em si. Você literalmente podia fazer qualquer um confessar qualquer coisa usando apenas uma faca e um pouco paciência. Era comum o carrasco fazer pequenas incisões na pele, começando pelos dedos, e puxando as partes soltas como... como um adesivo. A mutilação gradual deixava a vítima em carne viva, e era extremamente efetiva, levando o torturado a confessar crimes que, às vezes, nem havia cometido."

Na tela, a simulação tosca de um homem com capuz de carrasco, afiando uma faca, embrulhou o estômago de Luís. Aquela porcaria era tão malfeita que ele se perguntava como diabos Bárbara aturava o canal de História.

Uma professora rechonchuda, de cabelos curtos, óculos de armação vermelha e brincos da mesma cor apareceu na tela. Na legenda, seu nome e cargo: Susan James, Ph.D. em História Francesa do Século XVII. A dublagem dela, pelo menos, era um pouquinho melhor que a do pobre professor.

"É importante entender que os impérios da época, principalmente o da França, começaram a estabelecer colônias em diversos locais, e que a tortura era uma forma de coagir os colonos desobedientes e criminosos da região. Mas a verdade é que a esfola também se refinou com o passar do tempo."

Os pés de um homem morto apareceram na tela, e um ator fantasiado de doutor medieval virava páginas de um livro grosso e amarelado. A câmera voltou para a doutora, que sorriu como se soubesse de algo extraordinário.

"Médicos utilizavam o método para estudar os músculos de cadáveres, e acabavam sem uma utilidade para a pele que sobrava. Para tanto, uma prática comum na França do século XVII foi a de... encadernação antropodérmica em livros de anatomia." A doutora fez uma pausa para o suspense antes de adicionar: "Encadernação com pele humana."

O estômago de Luís se retorceu, e os pontos foram lentamente se ligando em sua cabeça. Uma mão de mulher correu por lombadas de livros antigos numa estante maciça, acariciando a encadernação charmosa. A doutora continuou sua explicação:

"Foi uma prática muito comum, mas que cresceu na França de maneira assombrosa. Livros encadernados em couro humano se tornaram artigos de luxo e, mesmo após a Revolução Francesa, alguns livreiros esfolavam cadáveres em porões para encadernar certas obras e cobrar preços exorbitantes à nova elite que se formava."

Luís estava pregado ao sofá, a realização o atingindo no rosto como um soco bem dado. A doutora continuou sua explicação, mas ele não ouvia mais. O velho. Foi a porra do velho o tempo todo. Com a boca seca, ele se ergueu do sofá num salto.

— Qual foi, pai?

Ele suava, o celular preso à orelha. O telefone de Adriana chamava, chamava, chamava e nada. Nenhuma resposta. Luís engoliu em seco e tentou de novo. E outra vez. Mais outra. Um pressentimento ruim cresceu em seu íntimo. Pelo amor de Deus, atende essa porra.

— Pai, o que é que tá pegando...?

Bárbara olhava para ele como se fosse louco, e Luís olhou para a filha como se talvez estivesse. Sem pensar nas palavras, disse:

— Eu preciso sair.

— Pai, o quê...? — perguntou a garota, mas ele se enfiou no quarto, jogou a primeira roupa que pôde em cima do corpo e voltou para a sala. Suas mãos tremiam de ansiedade quando ela o segurou. — Pai. O. Que. Tá. Rolando?

— Eu preciso sair, Bárbara. — Ele enfiou a arma no cós da calça, pegou as chaves do carro e olhou para ela. — Eu... a Adri precisa de mim. Preciso ir pra Lisiantos. Agora.

Bárbara ficou em silêncio. Ela sabia que ele estava no caso de Érica, e sabia o que aquilo queria dizer. Luís tremia, tentando afastar o pensamento ruim que voltava a cada segundo que passava sem ouvir a voz de Adriana. Por fim, Bárbara engoliu em seco.

— Tu acha que ela tá... correndo perigo?

— Não sei, mas eu preciso ir.

— A mãe vai ficar puta se descobrir que tu me deixou sozinha — ela disse.

— Eu sei, mas me quebra essa. — Ele beijou a cabeça de Bárbara. — Se isso ficar entre nós, te compro um violino novo quando voltar. Te amo.

Luís não teve tempo de ouvir os agradecimentos da filha. Saiu do apartamento como um raio, descendo as escadas sem notar os degraus e com o pensamento preso em Adriana. Antes que pudesse se dar conta, estava com o celular no ouvido outra vez e os pés cravados no acelerador.

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