Capítulo 2 Faca cega

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    Naquela noite, sua disposição para apreciar o que quer fosse estava nula.

    Sorel repetiu a pergunta enfática:

– O que aconteceu?

– Teria que ser mais específica – falou Elawan. O que em tese era bem verdade, desde o reaparecimento de Kervan, a doença do grão-duque, a teia política estava um verdadeiro caos. Era exatamente por isso que Sorel não permitiria distrações, atrasos ou falhas, eles não perderiam.

    Ele recebeu o silêncio como inquérito, suspirando antes de responder:

– Essa fêmea, atacaram a cria dela – iniciou, sua voz baixa mal era capaz de quebrar o silêncio da escuridão. – Ela tentou protegê-la, mas foi mordida pelos outros cães e a ferida infeccionou. Sempre infecciona.

      Mesmo com pouca luz, Sorel pode ver que ele passava a mão pela espessa pelagem negra do animal num afago caridoso.

– Porque está hesitando? – perguntou a feérica, cortante.

– Não estou – respondeu o lorde. Sua voz estava distante, um eco do verdadeiro nobre feérico. Sua mente estava noutro lugar que não na própria feérica e isso a irritava. Sorel tentou se esgueirar para seus pensamentos, mas era Elawan. Foi expulsa antes que tentasse. Não perdeu nada aqui, ele pareceu dizer no limiar de seus domínios. – Por que tanto interesse?

– Não acabou com o sofrimento dela, está hesitando. E você não faz isso.

      Elawan soltou um longo suspiro, colocando o animal gentilmente no chão. A cadela não se movia, sua respiração estava pesada e Sorel pôde ouvir um gemido triste do animal, os olhos brilharam suplicantes.

     A feérica manteve a expressão apática, dando um passo à frente.

     O lorde ergueu a mão.

– Saia! – exclamou numa voz profunda que fez a feérica prender a respiração no meio da garganta.

      Ela se virou, mas não saiu. Um meio sorriso em seus lábios. Encarando a noite sem estrelas, apurou os ouvidos. Elawan se debruçou, a cadela lambeu sua face num pedido silencioso.

– Me perdoe – sussurrou o homem ao ouvido dela.

        Então Sorel ouviu um gemido agudo do canino, quando o fio da lâmina encontrou em seu peito uma bainha, ela não teve chance de lutar. É a vida, pensou Sorel, raramente tinha-se a chance de lutar e quando surgia, era moralmente desperdiçada. Não há porquê fingir tal moralidade. Os outros cães grunhiram por todos os lados, mas logo um silêncio fúnebre se ergueu. 

     Elawan endireitou os ombros e caminhou pela escuridão em direção a fêmea na porta, passos calmos e soturnos de um predador. O que primeiro Sorel notou foram suas roupas desalinhadas, se contrapondo a suas botas de couro impecáveis. Vestia uma calça preta sem adornos e sobre a camisa de linho um gibão de couro marrom estava aberto.

    Ele parou ao seu lado.

     Seu cabelo cor de mel estava desarrumado, o que dizia a Sorel que embora ele tivesse tentado, não conseguiu dormir.  Contudo, foi a escuridão que engolia o luar naqueles olhos azuis que a deixaram preocupada.

– O que vai fazer agora? – ela perguntou.

    Seus traços fortes se contraíram até enfim, um sorriso fantasma pairar em seu rosto.

– Um favor a um inimigo – falou o lorde.

    Sorel trincou a mandíbula, traços delicados quase assustadores.

Entre Damas e EspadasWhere stories live. Discover now