O Preço da Salvação

O Testemunho

O bispo começou seu discurso dando boas-vindas a um "domingo de testemunho". Seja o que fosse, Erick não poderia perguntar o que era, pois Rafael estava num banco mais afastado, próximo a uma mesa de lençol branco.
O amigo dissera antes que como sacerdote, teria que se sentar ali para servir o sacramento. Erick também não sabia o que era o sacramento, mas seu amigo aconselhou-o a tomar o pão e a água.
Um pão cairia bem ㅡ pensou ㅡ mas com água? Isso não vai me alimentar.
Erick estava sozinho no banco, exceto pela companhia de uma velha. As pessoas que conheceu há pouco, lá fora, estavam sentadas juntas. Ele já viu logo que se tratava de uma grande panelinha. Odeio panelinhasㅡ concluiu ㅡ por que se fechar para novas amizades? Tem tanta gente incrível por aí que poderia fazer parte do grupo de amigos, tipo eu.
Mas Erick não estava nem aí para a panelinha. Ele só queria se aproximar mais de Júlia, que ainda o olhava desfarçadamente de tempos em tempos.
De repente, o bispo parou de falar. Na verdade, todo mundo parou de falar. Finalmente a hora do lanche ㅡ Erick pensou, feliz. Mas,então, todos puseram-se a cantar.
Observavam a letra da canção em um livro verde, e seguiam as instruções da regente. A música tinha uma melodia agradável, e ainda havia um pianista no salão, que deixava o som ainda melhor. Erick acompanhou a letra no livro verde, mas não cantou, embora estivesse sentindo vontade de fazê-lo. Sua voz não seria nada agradável no canto.
Além dos jovens, haviam muitos adultos. Na verdade, havia muito mais adultos do que jovens.
Ao lado de Erick, a velha estava contente a cantar, até que notou a vestimenta do rapaz e se afastou o máximo que podia no banco. Erick fez o mesmo na direção oposta.
Enfim acabou a música, e todos retornaram ao silêncio absoluto de antes. Erick podia até mesmo ouvir o som do ar, tocando suavemente sua pele. Percebeu que as pessoas não só estavam em silêncio, como também estavam de olhos fechados.
Leonardo, o garoto musculoso do jardim, começou a proferir uma oração, ajoelhado atrás da mesa com o lençol branco.
Enquanto ele orava, todos permaneciam de olhos fechados, menos Erick. O rapaz observou Júlia. Ela parecia concentrada e sua boca mexia. Deve estar orandoㅡ pensou ㅡ para conseguir ficar comigo. Erick tinha uma boa auto-estima e gostava de pensar que as meninas brigariam por ele, mas isso parecia longe da verdade. Além de Júlia, as outras meninas só o olharam com nojo. Talvez eu devesse ter aceitado trocar de roupa com o Rafael ㅡ admitiu.
Toda aquela roupa deixava o amigo bem elegante.
Leonardo terminou de orar e Rafael e outras três crianças se levantaram do banco. Rafael pegou uma bandeija, com pedaços de pão dentro. Agora sim, o lanche. Mas para a sua decepção, o pão era somente aqueles pequenos pedaços, um pedacinho para cada membro. Isso deixou Erick faminto e desapontado.
Quando Rafael passou para lhe entregar seu pedaço de pão, Erick reparou em como aquele terno e blusa social de fato o deixavam mais bonito. Esse pensamento o deixara estranho novamente; seu amigo realmente captava toda sua atenção. Não conseguia parar de pensar nele.
Depois, outro rapaz realizou uma outra oração, e Rafael foi servir uma bandeja com água.
Dessa vez, Erick sorriu ao amigo, envergonhado, e bebeu sua água.
Em seguida, os membros da igreja subiram ao púlpito e começaram a declarar sua felicidade em estar na igreja e como ela transformou para sempre suas vidas. Naquele momento, Erick estava muito feliz de estar na igreja. Também, sentia-se diferente, estranhamente diferente. Ainda não entendia porquê pensar em Rafael passara a lhe deixar tão feliz, tão animado, de uma hora para a outra, mas sentia-se bem assim.
De repente, Júlia se levantou e quando passou perto de Erick, lançou-lhe um olhar rápido, uma piscada de olhos. Subiu no púlpito e declarou que naquela igreja, conheceu as melhores pessoas do mundo, que vão mudar sua vida para sempre. Dissera olhando para os amigos, olhou porém, mais demoradamente para Erick. Seu olhar fixo parecia devorá-lo. A menina encerrou sua fala e sentou-se ao lado dele. Cutucava-lhe com os joelhos, desfarçando o máximo possível, um mero esbarrão, um tremor de frio. No entanto, eram evidentes suas intenções românticas. Ela estava a fim do garoto e esperava uma resposta dele , um sinal de que sentia o mesmo. No entanto, Erick já não sentia tão intensamente o desejo que sentia por Júlia. Sua atenção era agora tão direcionada a Rafael, que ignorou os toques de joelho incessantes da menina. Rafael  prestava agora o seu discurso. Falou que estava feliz na igreja, e feliz por ter trazido um amigo para conhecê-la, que ela é verdadeira, e os mandamentos são bençãos do Senhor em nossas vidas.
O Rafael fala bemㅡ pensou Erick. Em seguida, alimentou uma série de elogios pelo menino, concluindo ㅡ Ele é muito bonito.