Kabuhi-1 (Parte 2 do Conto)

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    O timer dispara. Kabuki, frio, se levanta. Ele não tinha glamourosas asas metálicas, mas o sonar dele funcionava bem, captando o som por um par de pequenas antenas, ultra-sensíveis ao som, presas em duas caixas de sonar, uma em cada lado de sua cabeça cúbica, estas seriam as "orelhas" de Kabuki. Os olhos de Kabuki acendiam em tom lilás, enquanto ele finamente, falou uma frase:
    - Não detecto nenhum ser humano nessa grande sala. Estranho. Quem me ligou? - Pelo menos, a voz eletrônica de Kabuki soava em um tom mais sóbrio do que a voz bizarra e estridente de Fumisato. Mas Katsuo sabia que o tom da voz era apenas um capricho dos engenheiros.
    Katsuo entra na oficina, temeroso e cauteloso, com sua mãos enroladas em sua camisa de uma banda de rock japonesa, uns caras de cabelo colorido. Olhando para o gigante, Katsuo agora aponta o dedo para cima, confessando o ato.
    - Os dados que possuo sobre o comportamento humano indicam que esse gesto significa: "Eu." Estou certo em concluir que você me ligou?
    - É.. éhé! - Responde Katsuo, completamente sem jeito.
    - Você é aquele humano que eu apertei a mão no meu primeiro dia de vid... funcionamento.
    Um "ato falho" em um robô, que só poderia ser explicado por Freud, era algo incrível. Katsuo se perguntou se era um tipo de falha proposital da programação, para torná-lo mais humano, ou se foi, de alguma forma, a primeira falha humana genuína em uma inteligência artificial. Mas havia ainda outra coisa incrível na declaração de Kabuki, ele se lembrou do aperto de mão, de quando Katsuo ainda não tinha instalado o software.
    - Se seu hardware é novo, como reconheceu de memória minha aparência?
    - Ora, eu tenho ainda um disco rígido comum instalado, estou funcionando integrado ao hardware antigo. Mas com que rapidez posso processar informações! Instalaram algum hardware mais potente em mim?
    - É, eu... entupi seu compartimento de gel, deve ter mais nano-processadores na sua cabeça do que o recomendado.
    - Pelo visto é novo em robótica, você não é engenheiro. Quem é você e onde estão os engenheiros?
    - Eu sou o office-boy da empresa, me chamo Katsuo. Agora os engenheiros é... complicado.
    - Complicado! O que é office-boy? Não possuo dados dessa palavra.
   - Office-boy quer dizer... mestre. - Claro que Katsuo não iria deixar essa passar.
   - Mestre? Porque mestre? Não preciso de mestre, tenho processadores potentes o bastante para seguir as rotinas de programação que eu achar apropriadas... por conta própria.
Pelo visto, a sub-rotina de submissão estava dentro das rotinas apagadas por Katsuo.
    - Concordo! Você é um autômato, afinal.
    - Definição muito precisa, mestre Katsuo. Mas e os engenheiros?
Katsuo toma fôlego:
    - Fizeram uma versão melhorada de você, que saiu com defeito e matou os engenheiros. Eu liguei você, depois de fazer mudanças no software, para me ajudar a detê-lo.
    - Então, eu sirvo para isso. Porque não há nada na minha programação sobre o objetivo da minha existência.
    - Agora, sua existência tem objetivo, que é pegar o robô doido.
    - Definição espirituosa, "robô doido". É uma expressão de sucesso social, vou usá-la daqui pra frente.
    Ao levar o robô para fora da empresa Oni, Katsuo se deparou com um grande problema: Kabuki não cabia em seu carro e somente um caminhão suportaria o peso de robô. Katsuo não sabia dirigir caminhão, então Kabuki deixou Katsuo montar em suas costas, enquanto o robô corria pelas ruas; eles se dirigiam a personalidades da empresa que poderiam se juntar a eles para ajudá-los.
    O primeiro que Katsuo pensou em procurar foi Akira: o rapaz que foi demitido dois meses antes. Ao chegarem no apartamento de Akira, com o síndico pregando os dois olhos, sem piscar, no gigante metálico, a porta estava trancada.
    - Não se preocupe mestre Katsuo, a tranca foi feita apenas para deter humanos. - Kabuki arranca a porta.
    - Vocês vão pagar isso. - disse o síndico, distante.
    O apartamento de Akira estava um verdadeiro rebu.
    - A ausência de itens pessoais e de malas deve nos fazer entender que o indivíduo se mudou.
    - "Fugiu" parece-me mais apropriado.
    - Interessante, vou passar a usar essa expressão.
    O quarto do rapaz, bagunçado com objetos supérfluos como games de mão, travesseiros e CDs, abrigava na parede um pôster horrível: de uma criatura magricela com um machado na cintura e facas nas mãos.
    - O rapaz parece-me transtornado, mestre Katsuo.
Atrás de um aquário infestado de lodo, um disco rígido.
    - Eu posso analisar esses dados mais rapidamente, Katsuo.
    - Mas pode ser vírus, vou baixar em você um firewall melhor; deve impedir que um software nocivo invada e reescreva seu programa principal.
Katsuo tira seu pendrive, cheio de aplicativos utilitários, do bolso. Uma arca de tesouros, na situação em que estavam.
    Após receber um upgrade em seu sistema de segurança, Kabuki, em seu leitor USB, embutido na palma de sua mão, analisa os dados do disco rígido.
    - Senha alfanumérica de 8 dígitos... quebrando a senha com o método da força bruta... sucesso. Analisando os dados... Trata-se, não de um programa mas de fragmentos de um programa, sub rotinas. Parece-me de um programa para atuação em cinema, mas que orienta o computador que um filme está sempre sendo gravado; que sempre deve buscar fama. ... Estranho ... As linhas de programação orientam que todo o indivíduo encontrado pelo radar do computador é animatrônico e pode ser usado.
    - Então, Fumisato acha que todo o ser humano é animatrônico.
    - Aguarde, tenho ainda mais cem gigabytes de linhas de programação para analisar.
    - Não precisamos de mais análise. Já descobrimos que foi o Akira que sabotou o programa e temos as linhas que foram mudadas; isso vai facilitar que o software seja consertado. Vamos Kabuki.
    - Análise completada. Tinha razão Katsuo, a parte importante dos dados foram as que eu citei anteriormente. Deixar as linhas de programação modificadas no quarto demonstra que era importante para Akira que soubessem que foi ele que sabotou o software. Uma indicação do comportamento humano conhecido como vingança.
    - É, Kabuki, foi vingança. Eu acho que tem mais uma pessoa que pode ajudar. Vamos.
    - Não vamos salvar aquelas criaturas aquáticas, conhecidas como peixes?
    - Elas vão viver no aquário mesmo, por hora. Lembra eu de vir buscar elas depois.

Kabuki-1Where stories live. Discover now