Capitulo 1

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— Eu acho que esta tudo aqui — falo, olhando para as inúmeras caixas no chão, todas com minhas coisas. Tenho toda certeza que colocar tudo que esta dentro delas no lugar irá me custar horas de dedicação.
Com a mão na cintura e exausta, volto minha atenção à locatária do único apartamento vazio que consegui alugar na região próxima ao meu trabalho.
Onde é meu trabalho?
Simplesmente em uma das avenidas mais movimentadas da BIG APPLE.
Ainda dei muita sorte, afinal ele estava em um preço razoável e todo mobiliado e, pra fechar, a alguns quarteirões do prédio que tenho que estar todos os dias às sete da manhã.
—Não, ainda falta a senhora preencher a ficha de entrega das chaves.
Sugo o máximo de ar que preciso para me manter viva nesse momento, eu queira, mais que tudo no mundo, ficar sozinha o mais rápido possível, não sei até quando irei manter a pose de garota segura na frente dessa senhora de meia idade com um papel na mão e não deixar que as lágrimas fujonas escorram pelo meu rosto.
Estendo a mão e pego a folha que ela me oferece.
Seguro meu choro, olho para a mesa de canto e, depois, para a mulher esperando uma atitude minha.
—A mesa — digo sem saber por onde começar.
Estou quebrada e sem esperança de juntar meus cacos.
Estou só.
Meu pensamento consciente-amigo fala: Preencha logo essa porra, mas meus pés estão travados no chão e eu estou com medo de começar tudo e sozinha.
—É só ir até a mesa e assinar, querida. — Clarie, a locatária, dá a dica do que eu tenho que fazer, eu sei que tenho que ir até a mesa, entretanto meu corpo não me obedece, ele quer correr para o meu antigo apartamento.
— Eu vou até a mesa. — Mordo meu lábio e olho para o papel que está escrito em letras garrafais: CONTRATO DE LOCAÇÃO, meu corpo treme, minhas pernas tremem, minhas mãos soam.
— Então, vamos colocar as penas para mexer — diz ela, apontando para a maldita mesa, sem entender o meu momento estátua.
— É isso que pretendo fazer... agora. — Pressiono meus lábios em linha reta, me sentindo a estátua mais ridícula do mundo.
Vamos lá, Becca, é só um contrato de aluguel, não uma hipoteca da Neverland.
Firmo meu olhar na mesa e movo minhas pernas em sua direção, devo estar parecendo o Robocop devido a forma dura que ando agora. Então, depois de muita luta comigo e minhas pernas, enfim chego até a mesa e me sento, coloco o contrato sobre ela e o observo. 
Começa o segundo round: eu versus minha mão.
Sem perceber, estou praticando a respiração cachorrinho, aquela que a minha terapeuta me passou na última sessão de autocontrole.
É só um contrato — repito. — Vamos, Becca, assine-o já — ordeno a mim mesma.
Me ajeito na cadeira e olho para a mulher que deve estar me achando uma louca de pedra.
— Querida, eu sei que é difícil, toda mudança é assim mesmo, ainda mais da forma — ela para de falar, sabendo que não pode ir além. —Enfim, mas eu tenho que ir, preciso pegar meu voo daqui a algumas horas.
Me concentro no contrato, me concentro na caneta, seguro firme e me concentro ainda mais quando preencho a primeira lacuna em branco no topo da folha.
Nome— esta é fácil: Becca Miller.
Idade— também está mole: 28.
Olho as outras perguntas restantes e as evito, digo a mim mesma: um passo de cada vez.
Profissão: jornalista.
Local de trabalho: Jornal The Times News.
O melhor de New York, sou muito orgulhosa por estar nesse jornal, acho que é o único orgulho que tenho na vida.
Referência...
A sirene começa a tocar na minha cabeça. Referência?
Eu não tenho referência alguma.
Essa pergunta não é fácil e, sim, eu percebo que não tenho ninguém neste momento, estou sozinha.
Eu não tenho mais amigos, família, eu não tenho mais ninguém.
Minha mãe morreu aos 43 anos de um câncer que a definhou em um mês, foi uma das piores perdas, eu era uma adolescente de dezoito anos que estava entrando na Columbia. Era um sonho entrar naquela universidade, mas ele se tornou um pesadelo em alguns meses.
Eu era filha única, só restavam eu e meu pai, o sonho de ser uma jornalista e trabalhar no jornal que estou hoje estava por um triz.
Não podia largar minha faculdade, então meu pai entendeu a minha vontade e deixou que eu a fizesse.
Acabei me mudando de Greenville, na Pensilvânia, e fui fazer uma das coisas que mais me arrependi na vida.
Deixei meu pai sozinho em uma cidade em que tudo lembrava a minha mãe a ele, sua família era pequena, só dois irmãos distantes que moravam na mesma cidade, não vi a gravidade que era abandoná-lo naquela fase. Assim, logo ele morreu, vítima de uma cirrose causada pela morte de minha mãe.
Acho que a solidão e o álcool foram a combinação perfeita para a sua morte, dois anos depois da minha mãe. Neste momento, eu estou sozinha, só tenho uma tia e uma amiga vizinha, a qual mantenho um pequeno contato em datas comemorativas, aniversários, etc.
Camile ou Cami Babydoo, esse era o seu apelido de colégio devido as suas roupas curtas e geralmente transparentes, ela era a típica garota que procurava um namorado para se casar e viver feliz em Greenville. Eu não era como ela.
Eu queria muito mais.
A última vez que a vi foi em meu casamento, há quatro anos.
É, eu disse que queria mais, não disse que não queria casar, eu me casei e, Meu Deus, já se foram quatro anos, quatro curtos ou longos anos jogados fora.
— A referência tem que morar em New York?— pergunto.
Ela caminha na minha direção inquieta, já percebi que ela está com pressa.
— Bom, seria o certo, mas sei que você não tem ninguém aqui, então vamos acabar logo com isso, coloque alguém de qualquer lugar do mundo.
Com a caneta na boca, avalio o que é pior, deixar minha tia fofoqueira saber da minha mudança ou a amiga distante com uma vida perfeita? Decido pela amiga distante, não estou disposta a receber ligações de minha tia, julgando essa nova faze da minha vida.
Então, continuo a minha escalada.
Referência: Camile Jackson – Greenville – Pensilvânia.
Estado civil...
Leio o ultimo tópico que brilha mais que um outdoor de Las Vegas, me firmo nele, só falta o último tópico. Mas garanto que esse é o pior de ser respondido, era desse tópico que eu estava com tanto medo, até dois meses atrás, eu era a mulher mais feliz do mundo, eu era amada, – ou achava que era – eu tinha uma casa linda no Brooklyn  e um marido perfeito, – eu achava que tinha – carinhoso, atencioso e muito trabalhador.
Ele trabalhava demais, trabalhava todos os dias até tarde da noite, trabalhava aos fins de semana, feriados. Eu fui me acostumando com tanto trabalho que comecei a trabalhar sem parar, como ele não estava em casa, eu também não precisava estar, então trabalhava incessantemente, até que um dia cheguei em casa mais cedo e o peguei trabalhando na minha cama com sua assistente.
Naquele dia eu descobri o porquê de tanto trabalho, eu e Mike nos conhecemos na universidade e, como eu estava sozinha, sem pai e mãe, me apeguei a ele, dando a ele o presente de cuidar de uma mocinha órfã.
Ele o fez de bom grado, mas fez também com que eu não percebesse o que acontecia a minha volta, ele me protegeu tanto que eu só trabalhei e cuidei dele, me tornei chata e metódica, entretanto isso fez com que Mike achasse interessante pessoas mais divertidas e dispostas a dar sexo a ele, coisa que, para mim, já não tinha tanta importância. Eu estava fissurada com minha carreira como redatora de um dos maiores jornais do mundo, eu consegui esse lugar, – claro que em uma coluna pequena – mas também consegui um belo de um chifre para ostentar.
Depois que o peguei na minha cama com o pau que achava que era de uso exclusivamente meu, dentro da boca de uma assistente que era de uso exclusivamente dele, o meu mundo acabou.
E foi só por esse motivo que eu estou aqui agora, assinando essa porra de contrato.
Aperto a caneta e escrevo dolorida.
DIVORCIADA.
E, por último, assino que recebo as chaves na data de hoje.
Estava  com medo de escrever aquela palavra do cão, a maldita que fez eu arrumar minhas malas e pegar minhas coisas, atravessando a ponte do Brooklyn e me mudar para esse minúsculo apartamento.
Engulo o nó que se forma em minha garganta. No fundo, me sinto orgulhosa, eu consegui dar um grande passo, eu me livrei da doença que sofria desde que conheci Mike — dependencimike,  ou seja, dependência de estar ao lado de Mike.
Me libertei e não estava triste por isso, de fato, nunca houve amor no meu casamento, houve dependência, eu apenas troquei a dependência que tinha por meus pais por ele.
— Eu acho que acabei. — Me levanto e entrego o papel nas mãos da mulher.
Orgulhosa por eu ter conseguido, passo minhas mãos suadas na minha calça jeans, ela estende a outra mão a mim para um aperto, assim, fechamos um contrato, como nas velhas tradições. Eu aperto sua mão.
— Muito obrigada, Becca, você tem direito a uma vaga no estacionamento do lado do prédio.
— Muito obrigado por essa gentileza. — Olho para a sala com janelas panorâmicas que dão uma vista bonita das ruas todas enfeitadas com luzes piscantes. — Vou cuidar muito bem do seu apartamento, a vista é muito linda daqui.
Ela caminha apressada para a porta, segurando o contrato de libertação em sua mão.
— Que bom que gostou, eu renovo o contrato de dois em dois anos... Ah, estava me esquecendo, ligue a torneira da banheira devagar, a água sai muito quente, ok. — Concordo. — Acho que estamos acertadas, estou com os cheques e você com as chaves.
Caminho até a porta para levá-la educadamente ate a saída.
Não que ela não soubesse onde ficava, era apenas para que eu me certificasse de trancá-la  depois que ela se fosse. Faz muito tempo que não durmo sozinha.
— Muito obrigado, irei me lembrar da torneira.
A mulher de cabelos pretos coloca sua touca e o seu cachecol, já sabendo o frio que irá enfrentar logo que descer o elevador.
— Vou me proteger, é o pior inverno que estou vendo em Manhattan. Ainda bem que estou indo embora desse lugar. — Ela sorri, e eu percebo o alívio em seu sorriso. Ela esta voltando a sua cidade natal, só de pensar nesse fato, me revira o estômago, acho que nunca mais voltaria à Greenville.
— É isso, Becca, você tem meus contatos, seja feliz aqui e boas festas.
— ÃH? — Fico muda, volto a ser estátua; atordoada, assisto a velha saindo, me sinto perdida, estou em estado de choque, não sou capaz de terminar minha frase assim me dou conta de que ela disse BOAS FESTAS.
Nem lembrava que era fim de ano, não me dei conta de que faltava duas semanas para o natal e eu estaria
completamente...
Absolutamente, solitária.
Tranquei a porta e caminhei até as grandes janelas de vidro que me davam uma vista linda dos grandes prédios e ruas a minha frente, ruas essas que eu via enfeitadas para o natal, mas, pela correria e mudança de vida, nem me dei conta que era o natal chegando.
— Boas festas? — sussurrei, cruzei meus braços em meu peito, como se eu mesma quisesse me confortar, me abraçar, me tirar a dor que estava em meu coração agora.
Percebi que era o primeiro natal em minha vida que passaria totalmente sozinha, por um lado, era maravilhoso saber que não aturaria os pais chatos e irmãos intrometidos de Mike e aquele peru cru que sua mãe fazia, mas, por outro lado, isso me assustava e muito.
Me apavorava saber que ficaria sem ninguém para dividir a ceia da meia noite comigo ou o dia de natal.
Seria uma nova experiência, um natal solitário, mas, no fundo, era isso que eu era, até mesmo com toda a família de Mike em minha volta. Desde que meus pais morreram, eu não tinha, de fato, mais ninguém.
Dei-me conta, neste momento em que observava tantos carros passando em baixo de uma fina nevoa que caía, que eu estava só no mundo e teria um natal solitário.
Mesmo como todo esse movimento em baixo dos meus pés, eu estava só, como a neve que caía.


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⏰ Last updated: Sep 01, 2017 ⏰

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