Eu não conseguia pensar. Estava confuso. Instintivamente fui virando minha cabeça para trás e maior foi minha surpresa e desespero ao me deparar com um clone gigante meu me olhando através de uma abertura, um rasgo no vácuo. E atrás dele um Fábio maior ainda e assim sucessivamente.

Quantos milhões de Fábios estariam presos dentro de um armário? Um armário metafórico, porém escuro, agonizante e claustrofóbico. Sem pensar duas vezes fechei a porta do armário e me tranquei juntos com os infinitos Fábios na escuridão de dúvidas e temores.

Na escuridão surgiram estrelas. E era para elas que eu estava olhando puto da vida depois de ter tido uma séria discussão com Daniel. Discussão que me fez jogar no chão toda a comida que ele havia preparado com tanto esmero. Como se isso fosse pouco, além de minha cabeça estar latejando de dor, teria que encarar o Paulo que tinha me mandado um torpedo dizendo que estava a caminho de casa. E como se isso tudo não bastasse, minha mãe apareceu em casa de surpresa e disse:

—  Oi fióti. A mamãe sentiu você tão triste no telefone hoje de manhã. Eu vim fazer uma surpresa. Vou ficar aqui com você já que está sozinho. Minhas pernas estão me matando...

Me deu um beijo no rosto e entrou em casa. Eu fiquei olhando o céu e pensando que brincadeira de mau gosto alguém lá em cima estava aplicando em mim. Da minha boca saíram apenas três palavras:

—  Puta que pariu!

Minha cabeça doeu ainda mais. Achei que ia ter um treco, ia rolar as escadas e parar no portão com o pescoço quebrado. Qual seria a reação do Paulo se chegasse e me encontrasse daquela maneira? Certamente nenhuma. Iria provavelmente para a casa da namorada e pediria uma pizza. Parei de pensar merda, entrei em casa e fechei a porta.

—  Mas o que aconteceu aqui, meu filho?! — Minha mãe disse entrando na cozinha.

—  Oi Dna. Neusa. — Ouvi Daniel dizer — Esbarrei na mesa.

—  Esbarrou como, meu Deus? — Minha mãe disse, colocando a bolsa e as sacolas sobre o sofá e entrando na cozinha.

Quando cheguei perto do batente da porta, ela já estava ajudando o Daniel a pegar os cacos.

—  E você, vai ficar aí parado? — Ela disse — Vem ajudar, meu filho.

Olhei para o Daniel e ele olhou para mim. Olhei para minha mãe e disse:

—  Por que ce não avisou que vinha, mãe? — Perguntei.

Ela estava de quatro com o rabo pra cima segurando a bolsa e ajudando o Daniel. Parou, arrumou os cabelos e disse:

—  Estava preocupada, né Fábio. Você fica dias sem dar notícias.

—  Notícia ruim chega rápido, mãe. — Eu disse.

—  Olha do jeito que ele fala, Daniel. — Ela disse olhando para o Daniel — Ele é estúpido com você assim também?

Ele não respondeu, ela continuou:

—  Não foi essa a educação que eu dei não viu.

Daniel colocou todas as coisas quebradas sobre a toalha e levou a toalha pra fora, pra jogar no lixo. O chão estava uma sujeira da porra.

Ela sentiu um clima estranho na casa.

—  Vocês brigaram, meu filho?

—  Se liga, mãe. — Eu disse — Quer que eu ponha as suas coisas no meu quarto?

Levei a bolsa, as sacolas e uma blusa que ela tinha trazido e coloquei dentro do meu guarda-roupas, junto com minha mochila.

Daniel passou a vassoura pela cozinha e em seguida um pano úmido. Depois de limpar a sujeira toda, passou por mim sem olhar na minha cara e foi para o banheiro, tirou a roupa suja, vestiu uma berma e uma camiseta velha e foi para a varanda.

2 HÉTEROS NUMA BALADA GLS (2016)Dove le storie prendono vita. Scoprilo ora