Como que a gente consegue enganar nós mesmos tão bem? Se convencer de uma mentira? Eu me convenci por tanto tempo que era aquilo que eu queria, independente do que eu devesse fazer, deixar de lado quem eu amava por algo tão fútil, tão banal, tão passageiro e tão imbecil.

Mas eu tinha só 13 anos, eu nem sabia que amava ele de verdade, eu não tinha esperteza pra saber disso. Eu tinha 13 anos, e a garota mais bonita da escola do meu lado. Eu tinha 13 anos e perdi 5. Eu tinha 13 anos, pessoas que queriam ser como eu, pessoas que só falavam de mim, eu era amigo de metade da escola, amigo de outras pessoas que as pessoas gostavam, eu saia pra várias festas, eu jogava futebol com os guris, os professores me adoravam e eu tinha o mundo na minha mão. Eu tinha 13 anos, tudo, e então eu tinha quase 18, só dois amigos que ninguém sabia quem eram, fama de ser um soca fofo, drogado, nojento e manipulador, além de estar tirando notas baixas e dormindo quase a aula inteira. Ninguém gostava mais de mim, eu não saia mais com ninguém, não ia pra festas e não jogava mais futebol. Eu passa o dia inteiro em casa, jogando, dormindo, bebendo e fumando. Eu não comia mais direito, minha mãe não me reconhecia mais e eu tinha mais olheira que rosto. De manhã, eu acordava e tomava banho, roubei umas maquiagens da minha mãe pra melhorar minha cara, meu armário era o do quarto de hóspedes para que não ficasse o cheiro do cigarro nas roupas e eu ia para escola minimamente decente. Eu sempre fui bagunçado, desgrenhado e etc. As pessoas gostavam disso, eu era um desarrumado atraente e bonito, mas eu não queria que meus amigos me vissem como o zumbi que eu tinha virado. Eu não queria preocupar ninguém, digo, Marta e Boo. Eles eram os únicos que nunca me viram pelo que eu aparentava ser, eles gostavam de mim de verdade, como Nezumi fez, tirando a parte do romance. Eles não se importavam da onde eu vinha, se eu tinha dinheiro, ou coisas do tipo, eles gostavam da minha companhia porque sim, e isso era bom. Era inocente, genuíno e nada artificial. Eu não queria espantar as únicas pessoas que ainda estavam do meu lado, eu não queria que eles vissem como eu estava e ficassem assustados, preocupados. Por isso nunca levei nenhum dos dois lá pra casa, por isso nunca falei nada sobre mim, nunca tinha falado de Nezumi, nunca tinha falado de tudo que passei com Marina, as traições e os abusos. Nunca falei da bebida do cigarro. Eu ia pra escola, disfarçando minha podridão o máximo que eu conseguia e ficava lá, e tudo corria bem. Até a merda daquele trabalho.

Pra ser sincero, eu nunca tinha deixado de observar Nezumi de longe. Obviamente. Ele cresceu pouco em questão de tamanho, mas passava ano vinha ano e ele ficava mais bonito. Eu sempre gostei muito dos olhos dele, e do sorriso, sempre comparei ele com um gatinho frajola, ele sempre gostou. Ele tinha aquela pele dourada e o cabelo perfeito, ele era perfeito. As pessoas envolta de mim sempre falaram muito mal dele, dos dentinhos dele, do tamanho dele, da forma como ele sorria, como ele falava. Quando a gente entrou juntos na escola ele sofria muito bullying ser asiático, mas Nezumi foi criado pra ser forte, a mãe dele, tia Nezuko, era uma mulher de grande personalidade, os dois fugiam daquela ideia de que japonês é passivo e abaixa a cabeça para tudo, ele não era assim. Nezumi mordia as pessoas que faziam piada com ele, de verdade, mais tarde ele começou a arranjar muita briga por causa disso, e durante esses anos eu ouvia tudo que ele já tinha feito, as pessoas que ele já tinha mordido arranhado. Ele pulava igual um animal selvagem e arisco em qualquer pessoa que queria bater nele, ele não arregava. Ele era forte, ele era imprevisível, e ágil, e incrível. Por conta disso, não falavam só da aparência dele, que ele era esquisito, duvidavam da sanidade mental dele. Ele era violento, verdade, ele não tinha limites, é verdade, ele era louco, talvez, mas é porque essas pessoas não conheciam ele de verdade. Pra quem tratava Nezumi bem, e deixava de lado qualquer preconceito antes de interagir com ele, ele era muito amoroso. Quando a gente era amigo, e mais do que isso, ele sempre foi muito querido comigo. Um doce, ele gostava de se esfregar em mim, me abraçava e não queria soltar, ele enfiava a cara no meu pescoço, fazia cócegas, ele gostava de cafuné, ele gostava de várias coisas e ele era divertido, inteligente. Acho que nunca conheci alguém tão inteligente quanto Nezumi, mesmo Marta, ele sabia tudo sobre tudo, eu podia ficar horas ouvindo ele falar, ele falava tão bem, a voz dele era tão boa de ouvir. Ele sabia cantar, ele sabia tocar flauta, ele gostava de desenhar e fazia tricô. Mas as pessoas não sabiam disso, as pessoas não sabiam que Nezumi era gentil e surpreendentemente amável. Nezumi quase sempre recebia de cara piadinhas e xingamentos, suposições, as pessoas eram prepotentes com ele. As pessoas recebiam ele mal e ele não levava o desaforo pra casa.

O Nezumi violento, sádico e insano era resultado de uma exclusão natural. Mas nem todos tinham que lidar com esse Nezumi. Ele se envolveu com pessoas boas pra ele, Lana, Lauren e o Derick que tá com ele quase desde sempre. Existia dois tipos de popularidade na escola, a nossa, minha de Marina e mais alguns, que era baseada na nossa aparência, e na quantidade de festas e pessoas que a gente fazia e pegava, e a deles. Nezumi, Lana, Lauren e Derick representavam todo mundo que não era como nós, as pessoas que eram excluídas, não eram bonitas segundo os padrões de beleza, ou que não saíam, ou que eram alternativas, diferentes, minorias. Pessoas como Marta e Boo. E o que mais irritava meu antigo pessoal era que Lauren e Lana, que Marina já tinha tentado levar pro lado dela, não queriam andar com a gente, elas protegiam todos aqueles que Marina e meu antigo ciclo social atacava, e Nezumi era uma afronta a Marina por andar com elas. Como pessoas como Lauren e Lana se dignaram a andar com alguém como Nezumi? Era assim que ela pensava, e ela achava que era superior a ele porque ela sabia de nós dois.

Toda essa teia dentro da escola era cansativa. Quem é popular ou não, quem é padrão ou não, quem luta contra os padrões ou não. Tudo isso devia ser irrelevante, a gente tava lá pra estudar não pra ver quem era melhor. Mas pensar assim me transformava em um hipócrita, porque eu fiz parte disso, e virei vítima disso, e alimentei isso por bastante tempo. Mas cansei, cansei e a única coisa que eu queria era ter Nezumi de volta e fingir que nada daquilo era real. Mas eu não podia, porque eu não merecia, e porque eu machuquei ele, e isso ficou mais claro do que nunca quando Lana nos levou até ele, aquele dia.

Um grupo com Nezumi. A ideia já me causou arrepios, e então quando eu vi ele, olhei de perto pra ele, e percebi que eu simplesmente não podia, porque eu ia desmoronar eu fiquei completamente puto da cara com a escola. Eu queria sei lá me deitar no chão e chorar, eu queria me jogar nele e chorar, eu era um idiota, eu fui burro, burro e eu doía tanto. Eu queria pedir desculpas, eu fiquei triste porque eu vi que ele estava triste, eu queria poder fazer ele feliz de novo, eu queria poder nunca ter feito o que eu fiz e voltar pra ele, fazer cafuné nele, carinho na orelha dele e ter tudo aquilo de novo comigo. Eu não podia, mas eu queria. Eu sentia tanta falta disso, e ele também. Esse é o pior, ele também sentia falta do que a gente tinha, ele ainda gostava de mim, mesmo depois do que eu fiz, com quem eu me envolvi, com a vida que eu levei até então ele ainda queria, ou ele quisesse o antigo Gabriel, que nunca mais voltaria. E ele sabia que não voltaria, e ele estava bravo, furioso, comigo, com ele, ele com certeza se sentia traído de todas as formas possíveis porque ele nunca gostou de Marina mesmo antes de eu namorar com ela, ela andava com as pessoas que tratavam ele mal, e eu troquei ele por ela. Ele me odiava, ele me odiava até o último fio de cabelo dele, mas ele se odiava também porque mesmo me odiando e ainda queria ficar comigo.

O problema é, Lana me odiava também, ela não teria feito aquilo por pura e espontânea vontade. Marta apontou pra mim o negócio com Maria Clara, de eu estar flertando com ela na frente de todo mundo pra ele ver. Ele viu, eu sei que ele viu, eu vi que ele viu, e ele ficou... Ele é possessivo. Eu não sou dele, ele não é meu, mas ele não gostou de ver eu com Maria Clara, assim como com Marina. E se ele ainda sentir algo por ti, ele sentia, algo como posse, deixei de ser dele por tempo o suficiente. Ele me queria de volta, ele não gostava de me querer de volta, mas ele não me deixaria ser de mais ninguém. O problema é que Marina tinha o mesmo sentimento, e Maria Clara parecia bem inclinada a se esforçar.

Quando cheguei em casa achei tudo aquilo hilário, alguém como eu... O que tinha em mim, qualquer qualidade já tinha sido devorada pelo vício, pela ganância e pelo arrependimento. Eu era quase um cadáver já. Eu não fazia por onde, o que tinha de tão especial em mim? Eu não era mais especial, nem único, nem importante. A vida de todo mundo seria melhor se eu não existisse. 

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