Capítulo 1

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Sempre odiei trovões. Não que eu temesse os barulhos, mas odiava-o porque ele era sempre o predecessor de uma enorme tempestade e eu odiava grandes tempestades. Essas sim eram barulhentas demais e desoladoras demais.

E por mais que eu quisesse que fosse diferente, as tempestades também pareciam me odiar. Caia uma tempestade no dia em que meus pais se foram, caia outra no dia em que nos reencontramos, e caia no dia em que eu vi seu corpo cair no chão. E mesmo lançada sob sua ferida e mesmo que a chuva caísse com voracidade, ela não era o suficiente para limpar o sangue de minhas mim e nem para tirar de minhas mãos a arma que teria causado tudo aquilo.


***

Cecile.

O grito de minha amiga através do celular ecoou em meu ateliê já um tanto vazio e me fez sorrir genuinamente.

– Quando eu vi o anúncio da exposição eu mal pude me conter. Quase gritei no escritório!

Ela falava rápido e embora seu português fosse bom, nos momentos em que ela se agitava, quase se esquecia dele e seu castelhano nativo assumia seu lugar.

– Não faça tanto alarde. Demorei para aceitar o convite da curadoria e acabei me tornando só parte da exposição. Não será nenhum vernissage. – Tentei explicar a ela. Mesmo que nem eu mesmo acreditasse que aquele não era um grande feito.

– Ainda assim! Você está voltando Ceci! Está voltando!

– Eu sei!

Falei animada, tentando inibir minha própria ansiedade. Estaria voltando a Valencia depois de exatos dez anos longe. Aquela seria minha 12º segunda grande exposição, mas aquela seria a primeira em solo espanhol e principalmente, a primeira em solo da cidade de Valencia. Tremi só de pensar.

– Quando você vem? – Mia questionou.

– Em duas semanas.

– E quando voltará para o Brasil?

A esta altura, eu já havia voltado a me sentar na bancada próxima a janela que meu pai havia feito tantos anos antes e era uma das poucas coisas que eu não conseguiria embalar. Do restante das coisas espalhadas em meu ateliê, poucas estavam fora de caixas e outras já estavam despachadas. E era com verdadeiro lamento que contaria a novidade para minha amiga.

– Eu não pretendo voltar. – engoli em seco. – Nada mais me prende aqui.

– Oh Ceci... Se você quiser, pode ficar em meu apartamento enquanto não se aloja.

– Não. Não precisa. Quero meu canto. – Eu entendo. 

– Mia ficou em silêncio por alguns segundos, maquiando algo.

– E além do mais, já aluguei um lugar. Um loft na Cidade Velha. – Falei tentando dissolve-la de qualquer má ideia que passasse por sua cabeça. Mesmo que aquelas ideias fossem para me retirar do luto no qual ainda estava enfiada.

– Ciutat vella? Jura? Pertinho de mim!

– Sim! É claro. Apenas a algumas quadras da rainha.

– Dios Santo! Dios Santo! Parece que estaremos realizando um sonho de adolescente depois de velhas! Precisaremos de uma festa! – Gritou ela.

– Quem está chamando de velha? – Indaguei. – E não, Mia, nada de festas!

– Talvez devêssemos comemorar seu retorno ao menos.

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⏰ Last updated: Nov 26, 2023 ⏰

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