Para Elena, com amor.

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Existe algo perigoso entre os adolescentes próximos da vida adulta: A falsa sensação de liberdade, os hormônios cantando a flor da pele, a urgência do prazer exagerado, escorrendo por suas mãos, embebedando seus corpos, brilhando seus olhos. Quando somos jovem, a vida é eterna.

Naquele Halloween, Elena era a noiva mais linda que ele já vira. Uma faca rechaçava seu pobre coração, uma linda coroa de rosas vermelhas na cabeça, os olhos pintados de preto, dançando um compasso selvagem: Seria uma madrugada sem limites.

Pedro não a acompanhou na fantasia aquela noite, uma escolha dela.

- Se você for de noivo, então seremos um casal e ninguém vai reparar em como eu estou linda. – Ela riu, passando os dedos pelos cachos. – Tanto trabalho merece uma boa recompensa.

Elena gostava de plateia. Mas se ele fosse ela, talvez também gostasse: Só se é exuberante aos 17 anos uma vez e nunca mais.

Eles eram um grupo grande de adolescentes desvairados, mas enquanto corria com Elena na rua, roubando doces, bebendo cerveja, beijando-a no escuro, entre uma pegadinha e outra, Pedro sentia que não havia mais ninguém no mundo. Se ele tivesse vivido o suficiente para aprender que o primeiro amor raramente dura, sua história teria um final diferente.

Mas quem podia culpa-lo? Tudo que o preenchia eram as risadas dos amigos, as aulas cabuladas no banheiro da escola, o cigarro roubado dos pais, a cerveja forte demais nos fins de semana, o corpo de Elena juntando-se ao seu, coroando seus prazeres. Eles eram apenas crianças, sentindo a grandiosidade do mundo.

Quando aconteceu, foi assim que Pedro se sentia: Grande. Ninguém podia derrubá-los, nenhum amor era maior que o dele por sua Elena e nenhuma garota era tão linda quanto ela. Se isso não era a maior sorte do mundo, o que seria?

E então, fim.

Ele viu o corpo dela ricochetear quando eles bateram na árvore, o pescoço quebrando, um filete de sangue descendo pela lateral de sua boca de coração. Na melhor noite do ano, Elena se fora. E ele estava perdido.

Perdido em sua dor, Pedro viu a Morte chegar e, gentil, carregar Elena em seus braços. Ela não o tocou, mas estava próxima o suficiente para ele acompanhá-las até a entrada do Mundo dos Mortos. Se estivesse acordada, Elena gostaria de saber que era a única morta em Beodisvill aquela noite e que os portões da eternidade se abriam apenas para ela, uma estrela até no fim.

O Céu do submundo não era noite nem dia quando a Morte pousou Elena na entrada da Segunda Porta e lhe deu as chaves. Assim que a menina acordou, parecia saber de coisas que Pedro sequer imaginara e sorriu para ele, ao encontrá-lo.

- Não está feliz, meu amor, por ter vindo comigo?

Pedro ouvia os gritos de dor vindos da Terceira Porta, mas os ignorou. Quando Elena entrou no seu Além Particular, uma sala de palácio decorada, ele a acompanhou. Era como uma visão distorcida do mundo real, embaçada, obscura. Elena não pareceu notar: Estava maravilhada.

Em pé em frente a sua nova vida, coroada e morta, ela era como uma rainha da eterna, magnífica em todos os sentidos.

- Ah, o banquete que eu desejei. – Ela parecia satisfeita com a mesa posta. – Eu pedi que nos dessem as boas vindas.

- Pediu a quem, Elena?

- Você não viu, não poderia. Enquanto a Morte me carregava nos braços, eu estava no Tribunal das Almas, para ser julgada. Acho que eu ganharia uma passagem para a Primeira Porta, por conta da minha morte prematura e violenta, mas alguma coisa não me deixava passar. Você.

- Eu?

- Você implorou para que eu não lhe deixasse. Alguns desejos são atendidos, meu amor. Ganhei meu Além na Segunda Porta, o limbo. Uma eternidade com você.

Pedro e Elena festejaram, banquetearam, valsaram por três dias e três noite. Os olhos de Elena não brilhavam mais, nem ele podia ouvir seu coração batendo, ou sentir o calor do seu corpo quando eles se amavam constantemente.

- Sua linha está ficando mais forte, Pedro, meu amor. – Elena sussurrou em seu peito, assim que eles terminaram de fazer amor. – A qualquer momento, você vai acordar. E eu não o verei mais.

- Eu morro, Elena. E volto para você.

- Não pode. Ou tudo que vai ganhar é uma chave para Terceira Porta. Veja, há uma maneira de continuarmos. Você já entrou pelos portões uma vez, pode entrar de novo. – Ela lhe entregou sua chave. – Você pode vê-los agora, os que partem. Traga uma alma com você, uma por mês e acompanhe a procissão dos mortos. Ficaremos assim até que a sua hora chegue e você seja meu para sempre.

No mundo dos vivos, Elena foi enterrada sob choros e flores, o vestido rosa de seda perfeito, a faixa de Miss colocada. Toda cidade chorou sua partida, todos os adolescentes tiveram sua imortalidade posta à prova.

Acordado do coma, Pedro não chorou com o outros. Sabia que ia encontrá-la de novo. Novo voluntário na ala de terminais do hospital, era ele que segurava a mão dos pacientes quando partiam, contando uma história, tocando seu violão ou apertando gentilmente o travesseiro em seus rostos quando demoravam demais a morrer. Tudo para tê-la de novo.

Todo último dia do mês, uma procissão de almas caminhava para o seu destino. Ninguém podia vê-los, com exceção de Pedro, o humano que carregava a chave do mundo dos mortos. Ele sorria de canto enquanto pensava na saudade que sentia de ver sua Elena e na sorte que possuía: Mais uma noite de amor.

Como sempre, ela o recebia, linda, a coroa de rosas vermelhas na cabeça, o vestido branco manchado de sangue, os belos olhos pintados de preto, as mãos entrelaçando nas suas. A morte soprando de seus lábios, sugava a vida do que lhe presenteava com almas, cada vez mais morto do que vivo, suas mãos o entrelaçando, lhe trazendo cada vez mais para perto da morte, beijando em seus ouvidos:

- Boa noite, meu amor.

Para Elena, com amor. (CONTO)Where stories live. Discover now