Convocação

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 — APROXIMEM-SE! APROXIMEM-SE TODOS!

Os brados preenchiam toda a barulhenta praça, era o centro do mercado daquela cidade portuária, um pouco afastado do cais de fato, mas onde todos se amontoavam em diversas barracas de cores diferentes, montadas ao longo daquele largo entre os contornos do grande casarão, pertencente ao nobre que ali governava.

Havia uma fonte redonda que praticamente separava o casarão da via pública onde a feira permanecia, lugar onde era comum a diversos civis pararem para descansar ou comerciantes apreciarem o movimento em seus intervalos. A voz que exclamava tinha sua origem em um peculiar sujeito que estava de pé na beirada da fonte, com calças na cor verde intercalada com listras marrons, além de um blusa bufante na cor amarela que não parecia condizer com o calor atual.

Algumas pessoas se aproximaram curiosas para saber o que queria dizer o estranho sujeito cujos cabelos eram de um roxo vibrante, mesmo possuindo orelhas humanas. Sua pele era morena, como quem passava muito tempo navegando debaixo do sol, seus cabelos compridos abaixo dos ombros tinham o topo oculto por uma grande boina amarela, como se tudo isso já não bastasse para fazê-lo se destacar, seus olhos verdes brilhavam em desafio como se estivessem em chamas e sua boca possuía um sorriso vitorioso. Ele sabia que havia chamado a atenção de seu público.

— VOCÊS QUE ESTÃO AQUI! DIRIJO-ME A TODOS QUE ESTÃO CANSADOS DESSA VIDA DE FORMIGA! — proclamava enquanto apontava para várias direções ali onde ele percebia curiosos, muitos jovens e alguns adultos de diversos tipos — ESTOU AQUI JUSTAMENTE PARA FALAR COM VOCÊS QUE SE QUESTIONAM! COM AQUELES QUE ACORDARAM DESSA VIDA INCESSANTE!

Então, apontando para uma senhora de cabelos já grisalhos amarrados num coque, que tinha uma expressão desconfiada olhando para ele:

— SENHORA! PARECE-ME QUE ÉS ALGUÉM DE GRANDE VIVÊNCIA E EXPERIÊNCIA, PODERIA ME CONTAR O NOME DESSA TERRA CRIADA PELA TRÍADE? — perguntou com animação para ela.

— Érr... Lunnescale — informou ela meio na defensiva, era visível que estava apenas descansando nesse final de manhã de compras, parecia não ser acostumada a ser o centro das atenções em sua vida.

— LUNNESCALE! — bradou para sua platéia enquanto apontava sua mão espalmada para a senhora — UMA VASTA TERRA, COM UMA HISTÓRIA FORJADA COM SANGUE E MAGIA! — começou a andar pelo meio de seu público — UMA TERRA ONDE VIVEM HUMANOS, TROLLS, ELFOS E TANTAS OUTRAS RAÇAS... — pausa dramática — ASSIM COMO DRAGÕES!

Alguns fecharam o rosto, outros prenderam a respiração e diversos ali demonstraram claro incômodo com a palavra mencionada. O orador apesar de se manter na mesma postura com os olhos fechados não tirou o sorriso do rosto, já esperava tais reações, abriu então os olhos para realizar seu próximo movimento.

— ESSES SERES PODEROSOS E TEMÍVEIS ACREDITAM-SE SUPERIORES ÀS DEMAIS RAÇAS! — todos olhavam para ele com atenção, muitos perguntando-se aonde ele queria chegar.

Parando então em uma parte da praça onde várias pessoas estavam sentadas no chão em semicírculo para escutá-lo, ele olhou para cada um dos rostos ali presentes e prosseguiu com sua performance exagerada.

— AS NAÇÕES VIVEM COM MEDO DOS DRACÔNICOS! O QUE OCORRERÁ COM O DECORRER DESSA RELAÇÃO?! MUITAS INCERTEZAS! PORÉM! — ele ergue a mão direita com o indicador apontando para cima, suas unhas eram de um violeta vibrante — APESAR DE TODO O MEDO, DESESPERANÇA, PÂNICO E TERROR QUE VOCÊS POSSAM ESTAR SENTINDO, NUNCA SE ESQUEÇAM DAQUELES QUE CAÍRAM!

A voz dele reverberava por toda a praça, conseguia até mesmo sobrepujar o intenso barulho vindo da feira, inclusive chamando a atenção de alguns que lá estavam. Todos que estavam na praça o assistindo pareceram assentir, muitos ali tinham perdido familiares e amigos em meio a essa guerra e grande parte tinha ouvido diversas histórias de herois que caíram lutando bravamente.

— GRANDES PESSOAS DERAM SUAS VIDAS EM PROL DESSA LUTA! OS SERES HUMANÓIDES EM SUA MAIORIA PODEM SER PEQUENOS, MAS SUA BRAVURA É CAPAZ DE FAZER FRENTE A UM DRAGÃO COLOSSAL! — continuou andando por entre a multidão falando ferino.

— NÃO DEVEMOS NOS ESQUECER JAMAIS! PESSOAS CORAJOSAS, TAIS COMO, GALLHAR! VISEFH! SILVE'IRINA! ORLHA-RA! — finalmente o orador parou ao lado da fonte, subiu novamente em sua borda — ELES FORAM GRANDES! ELES NÃO DESISTIRAM DIANTE DO PERIGO! GRAÇAS A ELES SEUS POVOS TIVERAM A OPORTUNIDADE DE PROSPERAR!

Ele olhou para cada um dos que estavam ali presentes, mas agora seus olhos não possuíam mais o brilho feroz, estavam desanimados e sem vida.

— E os deuses... o que fizeram? Desviaram o olhar da própria criação que não foram capazes de proteger? — uma lágrima escorreu de seu olho direito, ele agora tinha a voz baixa e em puro desânimo, todo o cenário ao redor parecia cinza agora.

— O que estou fazendo? — suspirou falando consigo — Vocês nem ao menos existem...

O bardo então estalou os dedos e todas as pessoas que ali estavam evaporaram instantaneamente, o próprio cenário ao redor se dissipou deixando para trás apenas a fonte onde ele estava pisando na borda, todo o resto virou apenas um infinito totalmente preto.

— Fracassamos... acho que talvez Shard tivesse razão... — disse se sentando naquela borda.

O silêncio imperou ali naquele infinito, o único movimento visível era o de lágrimas caindo em abundância no vazio, talvez o som de um singelo soluço amargurado, após algum tempo então o bardo pareceu perceber algo.

— Você ainda está lendo? Peço desculpas, não queria parecer miserável dessa forma. — ele então se levantou limpando os olhos na manga de sua blusa — Olha, realmente não conseguimos fazer tudo como gostaríamos, entretanto, apesar de toda a guerra e tristeza, esse mundo não é só isso sabe?

E ao seu redor começou a surgir um vasto campo verdejante repleto de rosas e margaridas, além de um único lírio branco. Ele se abaixou e acariciou o lírio sorrindo com amor.

— Nunca consigo evitar de adicionar coisas que Lunessa gosta em minhas criações... — ele dá uma risada divertida — Eu amo ela profundamente.

Então se levantando, com um sorriso que parecia o de uma criança animada, ou talvez o de um artista orgulhoso de sua obra, ou ambos?

— Esse mundo possui beleza e graciosidade, basta saber para onde olhar... — atrás de si surgiram rios e montanhas nevadas — Meus filhos estão em um grande conflito e sofro com toda a dor que estão sentindo. É justamente por isso que estou aqui falando com você caro leitor, para salvar esse mundo precisamos manter as memórias daqueles que lutaram e também os que ainda lutam. A lembrança é o que dá forças a humanidade, que possuem menor longevidade que seus irmãos elfos ou até mesmo os trolls.

O bardo então olhou para todo aquele cenário ao seu redor, suspirou com toda aquela beleza, havia um sorriso melancólico em seu rosto, porém seus olhos eram determinados, ele se vira e diz:

—Então, você estará conosco?

ConvocaçãoWhere stories live. Discover now