Taperás, quatro horas de uma tarde de maio

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** festejo

substantivo masculino

ato ou efeito de festejar.

reunião, festa.

gesto carinhoso; afago, carícia.

fala, dito carinhoso; galanteio.

verbo

festejar; primeira pessoa do presente


As crianças eram só vida correndo pela praia, levantando a areia com os pés, rumo ao mar. No encontro, rasgavam nele uma fenda espumosa, de turbilhão branco. Na carreira, abocanhavam a maresia vaporosa do ar.

Ana participou da brincadeira espirrando água em Carolina, filha de Penha. Afundou os pés na areia molhada da beira e, presa pela raiz fincada, brincava tentando se desvencilhar. Correu para pegar um, depois fugiu do pegador, deu voltas em rodopio, caiu, levantou, continuou a fuga. Fez cócegas em um que tombou à sua frente, e acabou enchendo os cabelos de alga. Um, dois, três e já!

Procurou concha, pedra, caramujo. As crianças pediam mais, "fica mais". Ana ameaçou ir, mas ficou, foi ficando. Fazia tempo que não ria tanto, a barriga remexida de tanto agito. Só aquele momento importava.

Então era possível viver um minuto por vez. Logo ela que sempre engoliu pedaços inteiros de horas sem mastigar. Se antes o banho era uma tarefa a mais a ser cumprida, agora demorava ali, debaixo da água que saía em jato do chuveiro, oferecia a nuca, os ombros, os pés cheios de areia.

Ana, refletida no espelho do quarto, era só complacência. Os cabelos anelados escorriam frouxos pelos braços; nas costas, um acolchoado macio, finas lombadas se armavam ao lado da alça do sutiã. Assumia aqueles braços cheios, as ondulações que tremiam um pouco a cada gesto, pequenos gomos dispersos com graça entre o cotovelo e o ombro. A cabeça ligeiramente inclinada mirava a cintura estreita que se abria em curva sinuosa no quadril. Deslizou a mão pelas costelas e encheu a mão com a carne das ancas.

Empunhou firme a escova de cabelo entre os dedos e começou: do topo da cabeça até as pontas puxando de um lado para o outro, alguns fios se desprendiam e caíam dançando devagar até o chão, espalhando o cheiro de xampu pela casa. Entre uma investida e outra, ela se admirava no vidro, analisando seu reflexo.

Batidas na porta a expulsaram, de supetão, da contemplação. Era Deusmar. Ana escolheu a primeira roupa: "Já vai!" Levou um minuto para conseguir entrar nas peças que enroscavam na pele molhada. "Entra", ela pediu. De cabelo pintado de sal, parado na soleira, ele segurava uma lagosta brilhante pela cauda. "Ó o que peguei hoje. Lembrei que você pediu aquela vez", disse ele. "Ah, que beleza", foi o que ela conseguiu formular.

Enquanto agachava para colocar a lagosta na pia, reparou que ele tinha os olhos cravados em seu corpo. Flagrado, ele desviou para o chão. "Quanto eu te devo?", Ana perguntou. "Nada não. Está tudo certo. vai na festa da cidade hoje?", ele quis saber. "Vou sim", Ana disse. "Então a gente se vê por lá", disse o pescador.

*

O aniversário da cidade seria comemorado na praça da igreja. Ana, já posta de vestido de flor e sandália de tira, aguardava Dona Frederica em frente à porta da vizinha, que tinha a imagem de Santo Antônio preso a prego na madeira. A pele queimada pelo sol doía justo onde a alça do vestido insistia.

Na praça, repentista, teatro de fantoche, dança de forró, barraca de sorteio, desfile de fantasia, bebidas e mesas de comida. O povo, na maior animação movia-se em blocos. Dona Frederica, depois de uma fila secular, atracou-se num pastel viscoso. Ana, comendo pipoca doce, identificou, na plateia do teatro de fantoches, duas crianças com quem brincara na praia mais cedo e se juntou a elas. Por trás da estrutura do teatro improvisado, dois fantoches balançavam-se imitando uma briga. As crianças riam sem reserva exibindo os dentes de leite cheios de serrinhas.

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⏰ Last updated: Dec 30, 2018 ⏰

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Ana não sabe nadarWhere stories live. Discover now