Capítulo único

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Toboe desde de criança passava tardes e mais tardes amontoando suas folhas de papel desenhadas, organizando seus lápis de cores e nomeando seus potes de tintas e pincéis. Sendo filho de sapateiros, mas criado por sua avó, largou mão de seguir os ofícios da família, sua paixão sempre fora pintar e de alguma forma ele se conectava mais as suas peças do que as pessoas que passavam por sua vida. Agora em Londres e com 25 anos, esse se tornara seu verdadeiro sustento, mesmo amando o que fazia, não lhe rendia dinheiro algum. Seu melhor amigo Hige dividia um apartamento consigo e não cansava de pagar os aluguéis e contas inteiramente sozinho, ele sabia que ser um artista não era fácil e para não desmotivar o amigo, fingia que não estavam em uma situação tão precária assim.

Tudo teria ido por água abaixo se não fosse por um sonho, lobos correndo com seus pelos ao vento e suas patas nas terras geladas. Eram quatro, cada qual de uma espécie diferente, mas pareciam tão familiares para Toboe, mais do que ele gostaria que fossem. Por um momento, ele se confundia, sentia como se o menor e mais fraco dos lobos fosse ele. Acordou suando, não sabia se aquilo servisse de aviso ou se não passava de uma abstração que sua mente havia feito do dia anterior. Não importava para Toboe, ele precisava pintar. Hige o encontrou durante a madrugada, pincéis mexendo sobre a tela, sem qualquer desenho pré-determinado, ele pintava totalmente na escuridão. No entanto, a imagem se formava, não dois, nem três, mas sim, quatro lobos magníficos. Seu melhor amigo questionou e Toboe não sabia respondê-lo, falava apenas coisas sem sentido, sobre uma flor, uma tal de Blue e o paraíso. Hige cogitou seriamente na possibilidade de levá-lo a um médico, mas Toboe não parecia doente, só nostálgico. Deixou que ele extravasasse sua sede de pintura e voltou a dormir, artistas tinham dessas peculiaridades de explosão criativa.

O resto do mês se seguiu assim, cada noite um novo sonho e com isso, um novo capítulo daquela história que nenhum dos dois sabia de onde surgia. Ambos sentiam como se ela fosse real, a cada pincelada, a cada cor escolhida, eles sentiam a dor da perda e do esquecimento, mesmo não sabendo o motivo. Hige não entendia como compartilhava tais sentimentos com Toboe, mas sempre tiveram a impressão que também havia visto cenas como essas, não em sonhos como ele, mas em uma outra vida quem sabe. Toboe não comia mais direito, dedicava-se totalmente a esse pequeno trabalho, se parasse, sabia que iria perde-lo, ele queria chegar ao paraíso com aqueles lobos, queria pintar o quadro final para todos eles.

Junto de seu objetivo, veio o reconhecimento. Alguns de seus poucos clientes se entusiasmaram com suas novas peças e insistiram que ele apresentasse a algum crítico. O medo tomou conta do seu ser, nunca se incomodou em ser julgado, mas com algo que lhe parecia tão familiar, tão particular, sentia seu sangue em fúria se recebesse alguma crítica negativa. Felizmente, não foi o que aconteceu. Eles amaram, assim como Hige fez, mas de uma forma diferente, era apenas extremamente técnica, diziam que parecia estar viva. Com um sorriso e aperto de mão amigável, prometeram uma exposição no museu de Londres, algo que resolveu batizar de "Stray". Apenas uma condição, terminar a história, sentiam como se faltasse um último quadro e Toboe também tivera essa sensação por muito tempo. Tentou encontrar a resposta, mas seus sonhos sumiram, se tornaram apenas um branco que sempre tivera até acordar. Os dias passavam, o dia da exposição chegava e cada vez mais ele sentia que não havia uma resposta para aquilo, era uma fase que ele não tinha permissão de entrar. O desespero tomou conta de si, ele precisava de uma resposta, mas não era ele o dono dela. Pediu ajuda a Hige que questionou como seria esse paraíso e se quem sabe, não fosse a missão de Toboe imaginar e criar. Dito e feito, em uma tarde, Toboe finalizou sua obra, ignorando as pontadas em seu coração e o nó que se formava em sua garganta, indicando que algo estivesse errado. Os quatro lobos corriam por um belo campo cheio de flores, água e comida fartas e todos eles pareciam muito felizes e satisfeitos. Blue também estava lá, assim como Cheza. Toboe se sentia feliz com o resultado, mesmo sabendo que não era a resposta correta.

Na noite de sua exposição, ele e Hige vestiam seu melhor terno, cabelo penteado para trás e sua pulseira preferida no seu pulso. Milhares de pessoas apreciavam suas obras, conversavam sobre elas e pediam o contato para encomendas futuras. Uma figura lhe chamou a atenção, um homem de cabelo preto preso em um rabo de cavalo, óculos escuros, calças pretas com uma bota e um colete de couro cobre sua pele bronzeada, um típico bad boy que Toboe não gostaria de se meter. Ele observava as obras como se as entendessem, no entanto, travará em uma específica, a penúltima peça. O menor dos lobos deitado no chão com machucados por todo corpo, supostamente morto e um lobo negro deitado ao seu lado, lamentando a perda do amigo. Ele se aproximou devagar, questionava-se porque ele não seguia para a próxima peça. O homem lhe encarou, uma presença que impunha respeito, encarava-o totalmente por trás dos óculos, algo que Toboe treme pela intensidade.

"A última obra está errada." O bronzeado argumentou, apontando para ela.

"Porque?" Toboe ergueu uma sobrancelha, o que ele poderia saber sobre ela?

"Todos morrem, não há paraíso."

Toboe arregala os olhos, como ele sabia de coisas como essa? Não havia colocado nenhuma descrição nas obras e o único que sabia da história era Hige. Voltou sua visão para encarar a última obra, ele tinha razão, não era aquilo que aconteceria. Quanto voltou para perguntar ao maior o que ele propunha, ele não estava mais ao seu lado. Procurou pelo resto do salão, mas da mesma forma como apareceu, ele deixou o local, sem qualquer rastro. Voltou para o lado de Hige, precisava perguntar se ele havia visto o tal sujeito, o amigo afirmou que em nenhum momento o sujeito que ele descrevera havia entrado, se tivesse feito, a segurança teria o barrado por não estar apropriadamente vestido. O coração de Toboe se apertou, algo nele o atraía, mas ainda sentia como se estivesse perdendo alguma coisa.

Um mês se passou desde a exposição, sua agenda fora totalmente ocupada por novas encomendas de novos clientes, nunca estivera em uma maré tão positiva quanto esta. Resolveu deixar de lado o enigma do último quadro e focar totalmente em seu trabalho.

Fora o fim de mais um dia cheio, Hige tomava café enquanto assistia a televisão e Toboe resolveu ter um pouco de chá, bebidas fortes não o agradavam. Sentou ao lado do outro e passaram a assistir o jornal, notícias comuns, coisas que Toboe poderia ignorar. Mas a programação é interrompida por uma notícia de última hora, ela registrava um grande acidente que havia ocorrido na ciclovia principal, mais de vinte mortos confirmados. Pelo que parecia, havia sido um choque de um ônibus com um carro, sendo que este estava bêbado. Mas o acidente não atingiu apenas os dois, mas também um motoqueiro que passava por aquela região. Toboe sentiu um frio na barriga ao ouvir sobre o motoqueiro, por algum motivo seu coração sentia conhecê-lo. A jornalista começou a citar o nome dos mortos, até chegar a um tal de Tsume que não teve seu sobrenome verificado. A respiração de Toboe falhou, suas mãos tremulavam e sentia o suor frio escorrer pelo seu rosto. Hige o encarou assustado, tentava chamar sua atenção, mas seus olhos permaneciam vidrados na televisão. Sem saber o que fazer, chacoalhou Toboe como se ele estivesse perdendo a consciência.

"Toboe, o que houve? O que aconteceu?"

"É ele Hige." Falava entre lágrimas.

"O homem da exposição?" Perguntou confuso.

"O lobo negro."

Toboe estava sem chão, havia o perdido pela segunda vez.

O último quadroWhere stories live. Discover now