Há cento e vinte e sete anos e trezentos e cinquenta e quatro dias, uma pessoa de sexo feminino, cuja entidade parental havia falecido, coexistia numa habitação com a madrasta e suas filhas. A vida naquele T2, com vista para a Comarca, era confusa e apetrechada de imprevistos constantes. Cinderela, nome oficial da protagonista, considerava que as 24 horas caraterísticas do dia se revelavam escassas, dados os seus afazeres rotineiros.
A intenção de procurar um novo lar aumentava dia após dia, chatice após chatice, desacato após desacato. João Capaz, agente da Remax, já lhe havia oferecido a oportunidade de visitar um T0 ideal para as suas necessidades. No entanto, Cinderela não possuía poder económico suficiente para tal aquisição. Após várias conversas com o gestor de conta, as tentativas de obter um empréstimo foram negadas, dada a falta de fiador. Apenas lhe restava a continuidade em tal ambiente, não obstante o desagrado.
Refugiada em alucinógenos, Cinderela procurava um escape fácil às dificuldades proporcionadas pelo agregado familiar. Numa dessas "viagens", o devaneio intensificou-se de tal modo que acabou por observar uma fada disposta a concretizar todos os seus desejos. Apenas requisitou a possibilidade de se trajar com os mais elevados padrões da moda contemporânea, o que lhe foi possibilitado. A autoestima escalou a uma intensidade brutal e, ao se restabelecer de forma sóbria, acreditava na sua capacidade visual em toda a plenitude. E, ao virar do dia, repleta de confiança, a Cinderela decidiu desafiar as leis impostas pela sua tutora e dirigiu-se num veículo alugado para a festa mais próxima.
Ao chegar, a sua energia podia ser sentida de forma profunda.
