MALDIÇÃO DE AMOR: degustação

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Eu tinha dez anos quando ouvi sobre a maldição da minha família pela primeira vez.

Lembro que minha avó me colocou sentada numa cadeira, ocupou sua velha poltrona de leitura e disse que precisávamos conversar sobre o meu futuro inevitável. Foram essas as palavras exatas que ela usou: futuro e inevitável. Eu mal havia aprendido a ler e a escrever, então fiquei confusa sobre o significado daquilo. Vovó começou a trançar meus longos cabelos cacheados enquanto falava calmamente, perto de meu ouvido, como se contasse uma história antiga. E de início pareceu mesmo uma simples história, apenas outro conto de fadas popular conhecido por todos na aldeia. Mas esse conto em especial terminava como um conto de horror.

– Era uma vez uma bela jovem que capturou o coração de um príncipe mágico das Florestas Profundas. Adorável em todos os sentidos, ela o encantou e fez com que ele enlouquecesse de amor. Embora amar uma mortal fosse contra os costumes dos seres mágicos, o príncipe foi ousado em sua paixão e decidiu que conquistaria o coração da jovem por bem ou por mal. Ela, no entanto, amava outro príncipe mágico.

– Quantos príncipes mágicos existem? – perguntei.

– Muitos, minha manteiguinha. O suficiente para atordoar os pensamentos de boas moças. Mas, voltemos à história. Havia dois príncipes mágicos cujos destinos acabaram entrelaçados ao destino da jovem mortal. Ela escolheu um deles e encontrou nele um companheiro com quem viveu um grande amor. Tomado pela vergonha da rejeição e pela loucura do ciúme, o outro príncipe mágico lançou uma maldição sobre os dois.

– Por que ele faria algo assim?

– Ele foi rejeitado e teve o orgulho ferido, então precisava reaver sua honra. Amaldiçoou a jovem mortal e o amado a terem seu amor perpetuado, eterno, por infindáveis gerações, enquanto a linhagem dela existisse. Tal amor, contudo, estaria fadado a sempre terminar em tragédia.

Eu não entendi da primeira vez que ela me contou. Minha avó apenas resumiu uma história que era muito mais complicada e assustadora do que meu eu de dez anos era capaz de compreender. No aniversário seguinte, ela adicionou novos elementos à mesma história, e eu descobri o que eram os dois príncipes mágicos da história: feéricos. Vovó contou que feéricos são seres encantados nascidos da força antiga natural das florestas mágicas e que, embora eu ainda não tivesse visto nenhum, vez ou outra eles perambulavam entre os humanos, complicando as nossas vidas.

Na manhã do meu décimo segundo aniversário, vovó acrescentou ainda mais detalhes quando recontou a história que eu já achava que conhecia bem:

– Aquele que lançou a maldição era um príncipe feérico, o príncipe dos domínios do Verão. Ele condenou o príncipe feérico do Outono e sua amada mortal a uma vida sem felicidade. Todas as jovens descendentes da mortal estavam fadadas a se apaixonarem e terem seus corações partidos pelo príncipe do Outono. A maldição duraria pelo tempo que a linhagem da jovem perdurasse. O príncipe e a mortal sempre se amariam, mas jamais ficariam juntos.

– E eles realmente não ficaram juntos no final? A mortal e o príncipe do Outono?

Vovó sacudiu a cabeça sabiamente, amassando o pão na mesa de madeira da cozinha.

– Não, eles não ficaram. Acabaram partindo o coração um do outro de modo irreparável.

– É uma história tão triste, vovó – reclamei. – Por que me conta ela todo ano? E só no meu aniversário...

O sorriso que ganhei foi a coisa mais triste que vi em toda a minha curta vida.

Foi apenas no meu décimo sexto aniversário que vovó contou toda a verdade, sem amenidades, sem esconder mais detalhes ou nomes. Ela me contou também a razão pela qual a história era especial e precisava ser contada aos poucos, para que eu não ficasse assustada.

MALDIÇÃO DE AMOR [Degustação]Where stories live. Discover now