Capítulo 17

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"O Criador tem um senso de humor um tanto quanto duvidoso", eu pensava enquanto estava sentada no trono para ouvir um agricultor se queixar de alguma praga nas plantações. Às vezes, a vida deles parecia mais fácil: não sabiam nada sobre a guerra, sobre a morte da floresta que nos cercava ou sobre a possibilidade de sermos extintos. Seus maiores problemas eram parasitas nas plantas. 

Embora todos no castelo falassem que era tolice, eu inveja os argians. Sim, eles viviam trabalhando e não tinham muitos dos meus confortos, mas também não tinham aquelas obrigações.

A questão era que eu estava tão mergulhada em quem deveria ser, que não sabia quem realmente era.

— Minha noiva, Nair, contou que você está grávida. É verdade? — Malkiur perguntou.

Balancei a cabeça para concordar e encarei o chão para evitar demonstrar o quanto estava triste. Eu queria esperar até que sua memória estivesse recuperada para contar, mas não sabia quando ou mesmo se aconteceria.

— Meus parabéns! — Ele comemorou animado. — Espero também ser pai um dia.

— Você será — torci meus lábios entristecida.

Meu pai notou minha tristeza e esboçou uma fala, mas desistiu, então sentou à mesa para começarmos o jogo e fez um comentário.

— Nair ficou surpresa por não saber que você estava fazendo o tratamento. Um pouco magoada, eu diria.

— Na verdade, não estávamos fazendo qualquer tratamento. Isso é o mais surpreendente. O alquimista Henner disse que o que quer que meu filho seja, será incrível — meus olhos encheram de lágrimas, porque estava finalmente compartilhando minha felicidade com meu pai... Mas ele não sabia quem eu era.

Os olhos de Malkiur também lacrimejaram quando ele observou minha tristeza e, como um amigo leal, isso o desanimou.

— Isso não é uma boa notícia, Helene? — Ele perguntou.

Não consegui conter as lágrimas em meus olhos, e elas começaram a escorrer em minhas bochechas, deixando o rastro úmido por onde percorriam.

— Eu queria contar ao meu pai, porque ele certamente ficaria muito feliz — falei entre as lágrimas e fiz uma pausa para tentar respirar em vão. — Mas ele está muito distante, onde cartas não chegam, e não sei quando volta... Eu queria tanto... 

Malkiur, que sempre foi muito empático e sentimental, adiantou-se para se aproximar e tocar meu ombro enquanto chorava também. 

— Eu lamento... Sei que a saudade é um grande vazio que nunca pode ser preenchido, mas, se serve como consolo, a vida torna a crescer em volta dele e isso o faz parecer menor. E a sua vida está crescendo, jovem Helene — ele tentou me consolar.

— Mas eu não quero que esse vazio pareça menor. Eu quero o meu pai — continuei, como se fosse uma criança assustada, e ele me abraçou.

Naquele momento, a dor pareceu ainda maior. Meu pai estava me abraçando, e por alguns segundos pude esquecer de tudo o que lhe havia acontecido. Mergulhei meu rosto em seu ombro como fazia quando era uma criança e desejei que aquele curto tempo se estendesse, mas logo nos afastamos.

— Seu pai sempre vai estar com você, Helene. Todos somos passageiros nas vidas uns dos outros. Acredito que essa é a delicadeza da humanidade. Entretanto, o que mantém duas pessoas eternamente entrelaçadas são as boas memórias que carregamos conosco. Disso, você deve cuidar até seu último dia — ele disse, então estendeu o lenço com suas iniciais em minha direção. 

Torci meus lábios entristecida e peguei o pano para secar meu rosto das lágrimas. Aquele era um conselho um tanto quanto irônico quando vindo do homem que esqueceu a própria filha.

— Tem razão. Perdoe meu sentimentalismo, sei que não é adequado...

— Inadequado, Helene, é não sentir. Além disso, a gravidez torna seus sentimentos mais aflorados. É um período fascinante, não acha? — ele voltou a sentar em sua cadeira, agora também mais calmo.

— Sim... 

— Diga, o pai do seu bebê... É aquele itzan? — meu pai questionou enquanto posicionava as peças do jogo no tabuleiro.

Ah, Kardama... Eu estava evitando pensar sobre aquele traidor desde nossa última conversa, no dia anterior. Sequer conseguia encará-lo. 

— É claro que sim! Ele é meu marido. 

— Ele é peculiar, às vezes assustador. Todos os dias vem até aqui e passa vinte minutos sentado naquela cadeira no canto, sem falar nada. Depois, apenas vai embora. Aqueles olhos azuis dos magos das sombras me perturbam.

— Ele vem? — arqueei minhas sobrancelhas sem esconder minha surpresa, o que deixou meu pai confuso. 

— Sim, assim como você. 

O que aquele Abraço de Amiar queria com meu pai? Fiquei irritada pela possibilidade de ele fazer algo.

Mas não demonstraria para Malkiur que estava receosa, afinal deveria parecer plenamente apaixonada e não levantar qualquer suspeita sobre meu marido... Além disso, não queria que ele ficasse agitado. 

— Ele é realmente muito atencioso, embora seja um homem de poucas palavras — falei.

"E de poucas verdades", pensei. 

Malkiur pareceu mais calmo e sorriu ao ouvir, então voltou a encarar o tabuleiro com tranquilidade. Aquela costumava ser sempre sua expressão: serena, como se nada o pudesse abalar. Era como eu o via.

Mais tarde, quando voltei aos meus aposentos e encontrei Kardama, lembrei do que meu pai disse e não contive minha irritação.

— Escute, rei sombrio, eu sei que está fazendo visitas ao rei Malkiur. Se ousar tocar nele, eu... 

Kardama levantou a mão, fazendo sinal para que eu esperasse antes de continuar.

— Se eu quisesse seu pai morto, ele estaria morto, princesa. Tenho total acesso para visitá-lo, como rei de Aruna, e posso me camuflar onde argians não são capazes de me encontrar: as sombras — o rei sombrio desapareceu, escondido em alguma sombra pelo quarto. Olhei em volta, estreitando os olhos.

— Então o que quer com meu pai? — questionei, mantendo minha postura confiante.

— Gosto de encará-lo enquanto penso sobre o traidor de Aruna e crio teorias — ele explicou atrás de mim, aproximando seu rosto.

Virei meu corpo para encará-lo, mas tinha sumido novamente. Eu não podia usar minha energia vital para acabar com as sombras no quarto naquele momento, mas sentia essa vontade.

— Com licença — pedi antes de sair do quarto para tomar ar e afastar minha vontade de usar minha energia vital. Eu precisava priorizar meu filho.

— Não quer ouvir minha teoria? — o rei sombrio questionou enquanto observava meu afastamento.

— Eu quero o responsável pelo ataque ao castelo, não suas teorias.

Apesar de eu ter sido muito rude, o rei sombrio sorriu genuinamente satisfeito ao ouvir minha resposta.

— Não fique tão chateada por descobrir que vou destruir Aruna, princesa — ele sugeriu, então seu sorriso se desfez. — Lembre que suas emoções negativas afetam o meu herdeiro meio-sangue.

— Talvez você devesse tê-lo esperado nascer antes de revelar suas intenções, itzan — reclamei ao tocar a maçaneta. — E você não vai destruir Aruna, a não ser que queira que eu termine o que comecei naquele campo de batalha.

— Não conseguiria mesmo que tentasse, princesa.

Soltei a maçaneta e o encarei antes de sair.

— É a única pessoa que encara ameaças como flertes — observei. Ele abriu outro sorriso.

— Eu a estimo, Helene.

— Isso não o torna mais sincero — reclamei antes de virar novamente para sair, a tempo de esconder minha tentativa de conter um sorriso.

A Coroa de Luz [COMPLETO]जहाँ कहानियाँ रहती हैं। अभी खोजें