Capítulo 9

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Chegamos ao palácio do imperador Jakin a tempo para o jantar. As refeições dos elfos eram muito luxuosas e repletas de especiarias saborosas das quais nunca ouvi falar.

Na residência do imperador, tudo era feito de ouro apenas para ressaltar a prosperidade da floresta onde viviam. Ainda assim, os elfos não eram sequer um pouco soberbos. Tudo o que tinham em riquezas, também possuiam em intelecto, longevidade e em generosidade.

Durante o jantar, Jakin quis entender o motivo da nossa visita. Embora fôssemos bem-vindos ali, e devidamente aguardados após um convite, o imperador elfo sabia que não faríamos aquela longa viagem sem um bom motivo.

Assim, contamos um breve resumo de tudo o que aconteceu em Aruna.

— É certo que a poção para acordar Malkiur está em algum dos nossos livros. Vocês tem permissão para passar quanto tempo for preciso na biblioteca real até encontrar o certo. Também ajudarei na busca. — Jakin falou com pesar. Ele acompanhou a vida de Malkiur desde o nascimento, por isso estava abalado. — Espero que tenhamos todos os ingredientes aqui...

— Eu também espero, majestade — Kardama concordou.

Eu balancei a cabeça para concordar também, mas não levantei meus olhos do prato. Estava desanimada, porque algo no tom de voz de Jakin me fez entender que a cura não era uma certeza.

— Não vimos orcs no caminho, tampouco os nojentos rastros que eles deixam — o rei sombrio mudou o assunto, fazendo a observação.

Jakin balançou a cabeça para concordar, agora parecendo abatido.

— Os orcs desapareceram, assim como todos os outros moradores da floresta...

Franzi o cenho e troquei um olhar confuso com Kardama, que também não parecia ter entendido.

— Na verdade, a floresta está morrendo — o elfo concluiu, encarando o tampo da mesa.

— O que está acontecendo? — O rei sombrio estava preocupado.

— Parece que, o que quer que os morroians estejam fazendo no vale, está envenenando a terra. Nossos recursos estão sendo limitados — Jakin apoiou suas costas na grande cadeira que ocupava.

— Acha que eles descobriram a localização de vocês? — perguntei assustada, mas o imperador elfo negou com a cabeça.

— Acho que estamos apenas sendo afetados por acaso. Do contrário, ja teríamos sido atacados como Aruna, já que parte significativa dos suprimentos dos alquimistas magos vem daqui...

— O que vai acontecer quando toda a floresta tiver morrido?  — Kardama perguntou.

Jakin deu de ombros.

— Todo império tem sua decadência e chega ao fim, então vamos aguardar pacificamente pela nossa, torcendo para que eles sejam derrotados a tempo.

Torci meus lábios entristecida, porque não gostaria que os elfos se rendessem com tanta facilidade ao fim por causa da morte da floresta.

Minutos silenciosos enquanto terminávamos a refeição seguiram, até o momento em que lembrei do segundo motivo para estarmos ali.

— Nós também gostaríamos de ver o oráculo, se não for um pedido invasivo... — Contei, então Jakin franziu o cenho.

— É claro. Posso saber o motivo? — O olhar do imperador passeou entre meu rosto e o do rei sombrio.

— Na verdade, queremos saber exatamente o que a profecia diz... — Encolhi meus ombros.

— Percebemos que estamos nos preparando sem saber nada a respeito dessa profecia de que todos falam — o itzan emendou.

Jakin nos encarou incrédulo e confuso por alguns segundos, então começou a rir.

— Não sabiam nada a respeito durante todo esse tempo? — Ele disse em meio à sua risada. — Admiro que tenham se dedicado tanto a uma profecia que não conhecem.

— O pouco que sabemos já é motivador o suficiente — dei uma breve risada.

— Assustador. Foi o que ela quis dizer — Kardama corrigiu.

O imperador elfo riu novamente, mas não pôde deixar de concordar. Afinal, independentemente de qual fosse a conclusão daquela profecia, era primordial impedir que o portal que liberaria o dragão que estava trancado nas profundezas do abismo de outra dimensão fosse aberto.

Depois do jantar, nós três fomos à biblioteca do palácio junto com alguns alquimistas. Todos estavam empenhados na busca pelo antídoto na milenar literatura élfica.

Eram tantos livros que adentramos a madrugada sem sequer chegar à metade. Aquilo durou até que a exaustão começasse a fazer as palavras parecerem embaralhadas. Era mais sensato continuarmos no dia seguinte e assim, um por vez começou a sair da biblioteca, até que eu estivesse sozinha com o rei sombrio e com o imperador elfo.

Jakin estava tão abalado por saber da condição de meu pai, que forçava seu próprio corpo a permanecer acordado naquela busca. Troquei um olhar preocupado com Kardama quando percebemos a agitação do ancião.

— Por que não descansamos? — sugeri, me aproximando do elfo que estava cercado por uma pilha de livros empoeirados.

O imperador apoiou suas costas e respirou fundo antes de responder.

— O tempo passa diferente para cada um, querida Helene, embora todos nós sejamos reféns de dias com a mesma duração. Para você, vinte anos rapresentam quase toda a vida. Para o seu pai, vinte é apenas uma fração... — Jakin fez uma pausa e encarou o livro. — E para mim, a vida de todos vocês, descendentes de humanos, é como um sopro. Já vi guerras começarem e acabarem, reis nascerem e morrerem. Para mim, cada segundo dos curtos anos que vocês recebem do Criador ao nascer é muito importante.

Encolhi meus ombros ao ouvir. Jakin parecia se importar muito com meu pai e embora também estivesse preocupada, meses e anos pareciam realmente mais lentos para mim.

Então, entendi pela primeira vez que, mesmo quando meu pai acordasse, a contagem de seus dias logo chegaria ao fim. Cada segundo aproximava mais o momento de sua partida e prolongava mais sua velhice, e por isso era tão importante. Apenas os descendentes de humanos com muita sorte chegavam aos cem anos, e Malkiur já tinha completado seus oitenta.

— Eu não quis entristecê-la, Helene — Jakin levantou preocupado ao falar.

Kardama deu alguns passos para se aproximar enquanto me encarava com a mesma preocupação.

Apenas então notei que algumas lágrimas estavam escorrendo em meu rosto. Usei minha mão para tentar limpá-las rapidamente.

— Não fiquem preocupados, eu estou apenas... — comecei a falar, forçando um sorriso.

— Preocupada com o tempo que seu pai tem — o rei sombrio terminou minha frase de uma forma diferente da que eu faria, sem me dar a oportunidade de mentir. — Está tudo bem, princesa. Ninguém é forte o tempo todo.

Respirei fundo para tentar conter mais lágrimas. Eu era. Eu precisava ser forte o tempo todo. Aruna precisava de uma rainha forte e era o que meu pai queria que eu fosse. Além disso, não tínhamos tempo para perder com sofrimento.

Mas minha visão embaçou e, quando Kardama me abraçou, não consegui conter ou continuar fingindo que estava tudo bem. Era como uma criança chorando.

— Você é forte o tempo todo — reclamei do rei sombrio em meio às lágrimas incessantes. — Eu preciso ser...

— Eu não sou forte o tempo todo. Apenas não tenho motivos para ficar abalado — Kardama deu de ombros sem desfazer o abraço.

Ficamos em silêncio até que eu começasse a me acalmar, cada um focado em seus próprios pensamentos distantes.

— Vamo descansar. Amanhã de manhã os alquimistas podem continuar a busca pelo antídoto e nós vamos ver a profetiza Aretha — Jakin tocou nossos ombros ao sugerir e nós concordamos.

Além de estar exausta, eu precisava de tempo para me recompor agora... E para terminar de desabafar todo o choro que esteve guardado desde o dia em que meu pai foi adormecido.

Ao que tudo indicava, o dia seguinte seria longo.

A Coroa de Luz [COMPLETO]Where stories live. Discover now