O Mais Belo Vermelho

By GabrielaPimenta

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Julien Dufour está enredado em um casamento arranjado com a filha mais velha do Duque de Northumberland, amig... More

Capítulo 01 - Os gêmeos
Capítulo 02 - Igualmente diferentes
Capítulo 03 - Excêntricos
Capítulo 04 - Fascínio
Capítulo 05 - Tormento
Capítulo 06 - Ímpetos
Capítulo 07 - Estranhezas
Capitulo 08 - Segredos e intenções
Capítulo 09 - Sentimentos desconhecidos?
Capítulo 10 - Confrontos
Capítulo 11 - Receios e verdades
Capítulo 12 - Visita
Capítulo 13 - Amigos
Capítulo 14 - Pedaço por pedaço
Capítulo 15 - Tentativas
Capítulo 16 - Convidado
Capítulo 17 - Baile de noivado
Capítulo 18 - Cúmplices
Capítulo 19 - Entre chances e brindes ao fracasso
Capítulo 20 - Afundando em um transe
Capítulo 21 - Um lugar que só nós conhecemos
Capítulo 22 - Pela primeira e última vez
Capítulo 23 - Fantasmas do passado
Capítulo 24 - Vislumbres de quem sou
Capítulo 25 - E se eu ouvir?
Capítulo 26 - Rancores e feridas
Capítulo 27 - Entregando-se ao inevitável
Capítulo 28 - Talvez eu seja. Talvez sejamos
Capítulo 29 - Estes são meus temores
Capítulo 30 - Promessas indecente
Capítulo 31 - Confissões no armário
Capítulo 32 - Elo entre irmãos
Capítulo 34 - Todas as imperfeitas coisas
Capítulo 35 - Novas cores e velhas angústias
Capítulo 36 - Fogo e água
Capítulo 37 - Nas entrelinhas
Capítulo 38 - Vínculos despedaçados
Capítulo 39 - Ao meu caro pai
Capítulo 40 - Enfrentando a realidade
Capítulo 41 - As marcas em minha pele
Capítulo 42 - Verdades através de mentiras
Capítulo 43 - Os sabores dos dias
Capítulo 44 - Sob a lápide
Capítulo 45 - Desalentos
Capítulo 46 - Uma linha sem volta
Capítulo 47 - Consequências
Capítulo 48 - Ecos no silêncio
Capítulo 49 - Contra tudo e contra todos
Capítulo 50 - Entre o passado e o futuro
Capítulo 51 - Ela se lembra
Capítulo 52 - Segredos que retornam
Capítulo 53 - Castelo de cartas
Capítulo 54 - Os ventos da mudança
Capítulo 55 - Batimentos pulsando em meus ouvidos
Capítulo 56 - Pequenos segredos sujos
Capítulo 57 - Plano encerrado. Planos que desmoronam
Capítulo 58 - Palavras que dão liberdade
Capítulo 59 - Perfeito em suas imperfeições
Capítulo 60 - Amores que iluminam o mundo
Epílogo

Capítulo 33 - Inquietações

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By GabrielaPimenta

Suzanne desceu apressadamente as escadarias. Segurando a barra do robe de chambre e com o rosto afogueado pela irritação de ter sido acordada, seguiu a passos nada elegantes até a sala de visitas e abriu as portas com brusquidão, deparando com ninguém menos do que Lean.

O escocês estava sentado no sofá e levantou o mais rápido que pôde no que a moça apareceu diante de si, trajando somente uma camisola branca mal coberta pelo robe de chambre que a protegia de possíveis olhares. Eram quase duas da madrugada e reconhecia que sua chegada, além de não anunciada com antecedência, fora de muito mal gosto por causa do horário.

Ele teve a decência de sentir-se mal, apesar da indisposição que acometia seu corpo.

— O que o senhor está fazendo aqui? Não tem vergonha de chegar à uma casa de família no meio da madrugada? — retorquiu Suzanne, cruzando os braços, e verdadeiramente impaciente — Até mesmo para o senhor, isso é uma tremenda falta de respeito, não acha?

Lean tentou esboçar um sorriso e retrucou:

— Acredite, minha cara, eu não teria parado aqui no meio da noite se não fosse extremamente necessário. Além disso, pedi aos empregados que não avisassem da minha visita e deixassem-me no estabulo ao menos até de manhã, mas eles insistiram que eu deveria entrar no palácio. E, sinceramente, eu esperava encontrar o seu excelentíssimo pai e não a.... Senhorita.

Suzanne riu do cinismo dele e trocou o peso de um pé para o outro, afastando uma mecha do cabelo louro do rosto.

— Meu excelentíssimo pai foi para Londres acompanhado de meu noivo e futuro cunhado. — ela mordeu o lábio ao lembrar que os gêmeos também estavam lá e suspirou aborrecida — Estou responsável pela casa na ausência dele e, logicamente, me avisariam de sua vinda.

— Huh...

Lean respirou fundo ao ser acometido por um arrepio. O ambiente ficava cada vez mais frio para si. Sua visão embaçou momentaneamente, e ele balançou a cabeça para afastar a sensação.

— E então? O senhor ainda não contou o motivo de sua visita "extremamente importante".

Suzanne o confrontou. Como uma dama e boa anfitriã, apesar da circunstância atípica, não iria expulsá-lo dali. No entanto, embora não soubesse explicar a razão, a presença dele deixava-a gradativamente inquieta. Em especial, a imagem dos cabelos ruivos úmidos e grudados lascivamente na testa dele. Sim, a noite estava quente, mas não a ponto de fazer alguém transpirar daquela maneira, o que só podia significar que deveria ter feito uma longa viagem.

— Bem, estou esperando uma resposta. — insistiu ela.

Lean não respondeu. Apenas ofegou e buscou apoio no sofá, sentando em seguida. Todos os seus músculos protestavam e doíam. Sua cabeça parecia carregar um saco de areia de tão pesada, e uma tosse culminou de seu peito vindo com força para fora; sentiu-se amolecer de repente.

A jovem, intrigada com aquela reação inesperada, permitiu-se ir até ele e o encarou. Lean arquejava enquanto sua expressão se contorcia em evidente desconforto. Algo estava errado.

Mesmo hesitante, ela levou a mão até os cabelos molhados de suor e afastou-os com desconhecida delicadeza para tocar a testa dele, surpreendendo-se com o calor em sua palma.

— Por Deus, você está queimando de febre! — exclamou Suzanne, deixando a postura hostil de lado, e tomando uma preocupada — Desde quando está quente dessa maneira?

O escocês titubeou para responder:

— Não sei ao certo.

Endireitando-se, ela soltou um suspirou e apoiou as mãos nos quadris. Logo disse:

— Não tem jeito. Precisarei chamar alguém para ajudá-lo a subir. Só um momento.

Dando-lhe as costas, Suzanne caminhou em direção a porta com a intenção de pedir a criada que chamasse um dos valetes de seu pai, mas foi interrompida no que Lean a chamou. Virou-se.

— Não precisa. — murmurou ele — Eu posso...

Lean tentou dar um passo, porém, as pernas o traíram e ele não sentiu nada além do peso levando-o diretamente para o chão, onde caiu desacordado em um baque mudo sobre o tapete.

Suzanne arregalou os olhos e cobriu a boca com as mãos para impedir que um grito de susto escapulisse. Encarou-o inerte por alguns segundos, também imóvel, até correr para acudi-lo.

Sem pensar muito no que fazia e tendo o coração acelerado, a jovem levantou a cabeça dele e acomodou em seu colo, a fim de deixá-lo mais confortável. Varreu os cabelos ruivos para longe dos olhos e o observou inconsciente. O rosto continuava avermelhado, o que indicava que a febre era mais séria do que imaginava. Logo, cogitou que o caso não era um simples resfriado.

— Sir? Por favor, acorde. — tentou dar palmadinhas no rosto dele, mas, sem sucesso.

Ela começou a ficar deveras nervosa. Como um homem tão grande e forte quanto Lean podia cair enfermo daquele jeito? Ele sempre pareceu tão invulnerável aos seus olhos, capaz de enfrentar qualquer coisa, e ali estava... Desmaiado em seu colo e ardendo em febre.

— Sir? Por favor. — sacudiu-o de leve, a voz tremulando — Lean... Lean, por favor, acorde.

O escocês gemeu, contudo, permaneceu inconsciente.

Tomada pela preocupação, Suzanne gritou pedindo ajuda a criada que lhe despertara, esta que entrou e arregalou os olhos perante a cena. A jovem explicou rapidamente o ocorrido e mandou que fosse chamar Albert e também que ajeitassem um dos quartos de hóspedes. Ademais, orientou que preparassem um chá de ervas e levassem uma bacia com água fria para cima, já que o primeiro passo seria abaixar a febre que o debilitava e poderia piorar.

A correria pelos corredores despertou Queeny e Adelyn, que desceram assustadas para saber o que acontecia e encontraram a irmã mais velha com Lean parcialmente deitado em seu colo.

— O que houve? — indagou Queeny, espantada, tanto pela comoção quanto pelo o que via.

— Ele está doente. — explicou Suzanne, com um tom incomumente tenso — Me avisaram que ele tinha chegado a pouco e eu desci para saber o que estava acontecendo, e então...

— Ele desmaiou?! — supôs Adelyn.

— Sim. Está ardendo em febre.

Albert apareceu repentinamente, trazendo outro empregado consigo, e os dois se apressaram em socorrer Lean e tirá-lo de cima da jovem senhora. Conseguiram erguê-lo com certo esforço, devido ao fato de que ele era corpulento e parrudo demais, e seguiram para o andar de cima, onde as empregadas terminavam de organizar o aposento em que ficaria.

Queeny, querendo ajudar a irmã mais velha, acompanhou os empregados para certificar-se de que estavam fazendo tudo corretamente. Enquanto Adelyn foi ajudar Suzanne a se levantar.

— Obrigada. — disse a mais velha, arrumando o robe e em seguida os cabelos, sem reparar na expressão descrente no rosto da outra.

Adelyn piscou, incrédula. Ouvir a palavra 'obrigada' sair naturalmente dos lábios de Suzanne era de espantar qualquer um. Ela deveria estar realmente abalada com a situação. Mais do que isso.

Era perceptível o seu medo.

— Não é bom pedir que também preparem um chá para você? — sugeriu a mais nova.

— O que? Não preciso disso.

— Você parece ter ficado bastante assustada com o que aconteceu.

— Já disse que não preciso.

Suzanne respirou fundo e retomou a postura impassível de sempre, e disse:

— Vou subir para verificar se os empregados estão seguindo corretamente as minhas ordens.

Deu as costas para sair do cômodo, mas, antes que o fizesse, olhou para trás.

— Pode voltar a dormir. Tudo ficará bem.

Adelyn assentiu e observou a irmã sair em passos rápidos, em dúvida se aquelas palavras esperançosas haviam sido para ela ou uma forma de Suzanne tranquilizar a si mesma.


[...]


Bebericando de sua xícara de leite, Hugh observou os jovens que lhe faziam companhia no café da manhã e, como há dias, sentiu-se alegre com a atmosfera que os rodeava.

Fazia algum tempo desde que experimentara tal sensação em uma circunstância tão corriqueira. Não que fosse infeliz quando estava em sua casa em Northumberland, mas ele sabia melhor do que ninguém sobre a tensão que pairava entre os filhos devido as suas escolhas do passado.

Mesmo quando mais novos, com exceção dos meninos e Adelyn, sempre existira certo desprezo das filhas com os gêmeos. E, ainda que quisesse cessar com tal sentimento que desunia sua família, entendia o motivo de tamanha aversão. Afinal, fora o único responsável dessa desunião.

Ellen morrera por culpa de seu desamor e infidelidade.

Suzanne e Queeny eram muito apegadas a mãe, e sofreram profundamente com a morte dela. Já tinham idade o suficiente para distinguir as coisas e associaram sua paixão por Abigail como a causadora da desgraça que recaiu sobre a família perfeita que idealizavam. Ter reconhecido os gêmeos como seus filhos e incluí-los no sobrenome Bamborough tensionou ainda mais a relação entre eles, o que só piorou com a partida repentina de Augustus anos atrás.

Logo, apesar de todos os seus desgostos, era bom ter um momento de paz em sua vida amargurada. Não sabia se realmente o merecia, mas desfrutaria do que lhe estava sendo dado.

Disposto a conceder um dia de folga para os irmãos Dufour descansarem e passearem na companhia dos filhos que provavelmente estavam entediados por não fazerem mais nada além de ficar no casarão e comparecerem a eventos sociais, Hugh depositou a xícara sobre a mesa e chamou a atenção de todos com um leve pigarrear. Uma vez que lhe observavam, disse:

— Que tal visitarem o Hyde Park hoje?

— Se refere à quem, senhor? — indagou Julien.

— À vocês e aos meus filhos. O dia está ótimo para um passeio ao ar livre e também para um convescote, não acham?

— Mas, senhor, nós temos um compromisso logo mais. Ou estou enganado?

— Oh, sim, é verdade. Mas eu posso comparecer sozinho. Você e seu irmão já me acompanharam em muitas atividades. Acho que um dia de descanso é mais do que merecido.

Apesar de um pouco surpreso com a atitude repentina do duque, Julien não pôde conter o entusiasmo com tal ideia. Olhou de relance para Christinie, que sorriu discretamente; Eloïs, não muito diferente do irmão, buscou o olhar de Christian e o entendimento foi mútuo.

Os dois casais tinham álibis perfeitos, que não iriam levantar suspeitas e nem rumores desnecessários. Poderiam aproveitar daquele bonito dia de verão no Hyde Park e também de uma refeição deliciosa em meio as árvores verdejantes, sem qualquer preocupação.

— Eu acho que é uma ideia estupenda, papai. — comentou Christinie, bastante animada — Estávamos querendo visitar o Hyde Park desde que chegamos e creio também que será uma ótima oportunidade de o senhor Julien e Eloïs conhecerem a cidade por outros olhos.

— Sei que é um dos poucos lugares que vocês gostam aqui em Londres. — disse Hugh, recostando-se, e olhando em seguida de um Dufour para o outro — Tudo bem para vocês em acompanhá-los?

— Claro, sem problema algum. — respondeu Eloïs, sem transparecer tanto seu contentamento — Acredito que será divertido.

— Perfeito! — de bom humor, o duque chamou a criada Mariana com um gesto, e disse — Peça para a cozinheira preparar uma farta cesta, pois, esses jovens irão almoçar no Hyde Park hoje.

— Sim, vossa graça. — curvou-se — Agora mesmo.

A jovem saiu da saleta, não sem antes lançar um olhar para Julien desde o primeiro dia, este que sorria com aquela espontaneidade capaz de acelerar seu coração todas as vezes.

Uma vez que o desjejum terminou, o duque se retirou para o escritório, a fim de organizar os documentos que levaria para o compromisso que marcara, enquanto os quatro jovens subiram aos aposentos. Todos igualmente entusiasmados com a tarde que desfrutariam juntos.

Christinie cogitou a possibilidade de ir vestida como o irmão, do jeito que costumava fazer em Northumberland, mas afastou-a ao lembrar que ninguém aceitaria sua conduta e poderia acarretar em falatórios, já que a maioria lhe conhecera no evento do Marquês de Winterbourne.

Elegeu um vestido azul de cambraia, com mangas parcialmente longas e alguns bordados floridos. Adelyn que escolhera e a presentou após retornar da temporada passada, em que viera com o pai e as irmãs. Apesar de não gostar muito de vestidos e achá-los geralmente desconfortáveis, aquele havia lhe cativado pela bonita cor e os sutis detalhes dos bordados.

A ruivinha olhou para o bonnet em cima do baú e decidiu não colocá-lo. Gostava de ficar com os cabelos livres, ainda mais porque sabia o quanto Julien adorava observá-los. Então, prendeu somente algumas mechas na parte de trás e deixou o restante solto, caindo sobre os ombros.

Julgando-se pronta, correu para o quarto do irmão, e o encontrou terminando de se arrumar. Por estar um dia bastante quente, Christian optou por não amarrar o lenço ao redor do pescoço, largando a gola da camisa aberta e caída por cima do colete preto de linho abotoado.

Ele sorriu ao ver a irmã pelo espelho.

— Está linda. — elogiou ao virar.

— E você, um tanto ousado. — cutucou o pedaço de pele à mostra com o dedo — Mas eu gostei.

— Será que está muito exposto?

— Bem, na minha opinião, eu acho que não. — olhou rapidamente pela janela — O dia está abafado e iremos ao parque, então creio que não haja problema. Mesmo para os rigorosos de Londres.

Christian anuiu. De qualquer forma, não pretendia dar atenção aos possíveis burburinhos.

Christinie o ajudou a pentear os cabelos e amarrar com uma tira de couro na altura do ombro também, alisando-os com o propósito de jogá-los para frente.

— Logo precisaremos cortar. — comentou o rapaz ao notar que suas madeixas e as da irmã estavam maiores.

— Cortaremos assim que voltarmos para casa.

Ele consentiu e levantou.

— Já deve estar na hora de ir encontrá-los.

— Sim. Vamos descer?

Ao chegarem no hall do casarão, os gêmeos encontraram o pai conversando com Eloïs e Julien, este último que segurava uma grande cesta de vime, onde provavelmente a cozinheira colocara o almoço que compartilhariam mais tarde no parque. O cheiro estava delicioso.

Se aproximaram e o duque cumprimentou-os com um sorriso contido e algumas recomendações, para então seguir rumo a carruagem que o aguardava. Acenou e então partiu.

— Devemos ir também? — sugeriu Eloïs.

— Nenhum criado irá conosco? — questionou Christinie.

— Aparentemente, o duque não achou que fosse necessário, uma vez que Christian está conosco e apenas seria malvisto se estivesse sozinha conosco. — encolheu os ombros no que ela revirou os olhos — O cocheiro ficará a nossa disposição e responsável pela cesta enquanto passeamos.

Ela balançou a cabeça, consentindo, e fez um gesto para que seguissem em frente.

O cocheiro abriu a portinhola da carruagem, especialmente aprontada para levá-los e esperou que se acomodassem antes de tomar o próprio assento na boleia, e seguidamente conduzir.

Como a etiqueta, Christinie sentou ao lado do irmão gêmeo, ao passo que os Dufour tomaram o assento contrário. Contudo, assim que os animais começaram a se mover, Eloïs e ela não hesitaram em trocar os lugares. Tal peripécia arrancou risos cúmplices de todos.

Durante o trajeto, que não era tão longo, eles conversaram sobre amenidades enquanto tinham as mãos unidas com seus respectivos pares de forma muito espontânea. Quase como se aquele gesto fosse íntimo de vários anos e não carregassem o peso de tantas infrações e segredos.

Julien serviu-se desse momento descontraído para observar o irmão e Christian. O modo como demonstravam afeto um com o outro era bastante natural e, ainda que estivesse se acostumando com aquele relacionamento tido como errado por muitos, sentia-se estranhamente satisfeito em perceber que os dois não tinham mais vergonha de expressarem que verdadeiramente eram diante de si. O que significava que confiavam em sua promessa.

E a qual manteria até o dia de sua morte.

Das janelas estreitas da carruagem, era possível ver que as ruas nos arredores do parque estavam bem movimentadas, indicando que muitas famílias também quiseram aproveitar daquele lindo dia para passear. Conforme Christinie explicara, embora tenha visitado o lugar poucas vezes, que o Hyde Park era uma das opções de entretenimento mais procuradas na alta temporada.

Por conta da estação, as árvores e os extensos gramados verdes eram um convite para os nobres descansarem e se divertirem em um pedaço na natureza em meio a imensidão de construções.

No instante em que chegaram, a animação fez-se ainda mais evidente. Mesmo que não pudessem nomear como tal, aquele era o primeiro encontro deles; Christinie e Eloïs trocaram novamente os assentos e todos desembarcaram da carruagem como se nada tivesse acontecido.

— Virei buscar a cesta em algumas horas, está bem? — disse Julien ao cocheiro, que anuiu.

Como presumiram, o parque se encontrava cheio de jovens recém-casados e famílias inteiras com suas crianças, a maioria reunida em torno da característica toalha xadrez de convescote.

Tendo os gêmeos no centro e um irmão Dufour de cada lado, perto de seus respectivos amantes, seguiram caminhando pelo Hyde Park e observando o lugar; os ruivinhos reprimiram a vontade de saírem correndo como habitualmente faziam pelas pradarias e o bosque em Northumberland, e mantiveram o passo comedido à medida que conversavam alegremente com Julien e Eloïs.

A presença deles, inevitavelmente, chamava a atenção por onde passavam. O murmurinho foi menor já que Christinie, apesar de estar entre rapazes, tinha o irmão gêmeo ao lado. No entanto, era possível ouvir um ou outro cochicho com quem cruzavam, que somente ignoraram.

Os jovens vaguearam através das belas fontes e longas fileiras de flores silvestres. Mesmo não podendo demonstrar, havia uma aura apaixonada pairando sobre eles. Tanto as mãos de Christinie e Julien, quanto as de Christian e Eloïs, ansiavam para alcançar uma a outra. Era quase como um jogo de provocações, incitando-os para o que provavelmente consumariam na intimidade de seus quartos aquela noite, em mais uma das tantas visitas clandestinas.

Após quase uma hora de caminhada, resolveram fazer uma pausa e sentaram no primeiro banco que encontraram vago. Sorte que era largo o suficiente e assim acomodava a todos.

Mais à frente, um grupo de meninos brincava animadamente com uma bola. Apesar de não ser a intenção, eles prenderam o interesse dos gêmeos e dos Dufour, que puseram-se a assisti-los correr de um lado para o outro, entre risos e gritaria, e rememoravam as próprias infâncias.

— Sente falta de quando era criança? — indagou Christinie, baixinho, ao notar a expressão contemplativa de Julien.

— De certa forma. Minha infância foi boa, mesmo que eu tenha começado a aprender sobre os negócios da família muito cedo. Fui um garoto espoleta, como minha mãe costumava falar, que corria atrás de aventuras e arrastava o irmão mais novo para se meter em confusão. — olhou para ela de relance e sorriu matreiro — Assim como uma certa ruivinha que me fez cair de amores.

Ela também sorriu e cruzou os dedos de uma mão na outra, a fim de não tocá-lo.

De repente, a bola rolou em direção aos pés de Julien, que a encarou antes de pegar. Um garotinho que não deveria ter sequer onze anos se aproximou timidamente para buscá-la.

O rapaz lançou uma piscadela para a amada, que sorriu em resposta, e levantou.

— Que tal se eu ensinar uns truques antes de devolver?

O garotinho observou-o sem entender, mas arregalou os olhos assim que Julien manejou a bola com destreza, e bastou isso para que fosse praticamente arrastado até o grupo logo à frente.

Christinie ficou observando, encantada em ver como seu amado conservava o espírito do menino espoleta que comentara ser, e imaginou as traquinagens que ele deveria se meter com Eloïs e até riu quando a imagem deles sujos de lama e descabelados lhe veio à mente.

No entanto, seus devaneios foram quebrados e um sentimento ruim lhe invadiu o peito no que ouviu o súbito comentário de Eloïs que, mesmo afastado, ecoou em seus ouvidos:

— Meu irmão adora crianças. Não sei se é porque estive sob sua proteção por ser mais novo, mas ele tem esse lado fraterno muito notório. Por isso, eu sempre acreditei que ele seria um ótimo pai, algo que eu não tenho qualquer inclinação para ser.

Um nó se formou na garganta de Christinie, quase impedindo-a de respirar, à medida que tentava não debulhar vergonhosamente em lágrimas de frustração. Engoliu custosamente.

Sentiu-se insuficiente pela primeira vez na vida.

Embora Julien tenha dito que não dava importância, ela sabia que, uma hora ou outra, sua infertilidade seria um empecilho entre os dois. E descobrir sobre essa adoração por crianças, só fez crescer dentro de si a ideia de que, definitivamente, não era boa o bastante para ele.

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