A noite cai muito mais fria do que o esperado. Eu quase não sinto o vento gelado que sopra em nossa direção, mas consigo ouvir a respiração de John mudar e o seu bater de dentes.
— Estamos muito longe da próxima vila? — olho de soslaio para ele e vejo uma fumaça branca sair junto com a sua respiração.
— Acho que não muito — ele diz com dificuldade.
— Veja, pegue isto — estendo a capa para ele.
— Não, eu não...
— Deixe de ser teimoso, você está quase morrendo congelado — digo em um tom autoritário.
— Não estou acostumado com o frio — o seu cavalo se posiciona ao meu lado, ele pega a capa da minha mão e a joga sobre os ombros.
— Maresi é assim tão quente? — me sinto como uma criança curiosa.
— E como é! Você vai adorar o clima de lá — um sorriso doce paira em seu rosto — E as praias também! Se quiser eu posso te mostrar as mais bonitas.
Apenas assinto com a cabeça. Sei que John tem boas intenções, mas eu tenho mais o que me preocupar do que praias.
— Já tem em mente onde vamos dormir? — consigo ver alguns pontos de luz bem distantes de onde estamos.
— Talvez em algum lugar na vila — ele responde pensativo — Falando nisso será que você consegue mudar sua aparência para alguém mais parecida comigo? As pessoas não vão gostar de ver um homem e uma mulher viajando juntos desse jeito.
— Por quê? — essa é a segunda vez em menos de cinco minutos que me sinto uma ingênua.
— Muitos casais apaixonados fogem de seus casamentos arranjados — ele toma uma pausa para respirar — E as fugas têm se tornado muito frequentes desde o início da guerra, visto que os nobres não são convocados para o campo de batalha.
— Desde que Kennedy assumiu você quis dizer — fecho meus olhos por alguns segundos imaginando como seria a possível irmã de John — No governo do meu pai todos os lordes se sentiam honrados em servir seu país.
Gallon assente e olha para mim novamente com um sorriso sagaz nos lábios.
— Você até ficou parecida com ela — seu tom de voz brincalhão me deixa intrigada.
— Com quem? — permito que uma risada genuína escape da minha boca.
— Com a minha irmã — automaticamente franzo o cenho.
— Pensei que você só tivesse um irmão mais novo — ele olha para a vila pensativo.
— Eu tenho uma irmãzinha caçula — uma feição orgulhosa e amorosa toma conta do seu rosto — Ela se mudou para Davese assim que a guerra estourou.
— Você deve sentir falta dela — percebo pela milésima vez hoje que essa guerra tem muito mais impacto além do que eu vejo, e a história de John se torna feliz comparada a tantas outras.
— Sim... nós éramos muito próximos — seu tom de voz abaixa assim que finalmente entramos na vila — E eu sempre fui mais amigo dela do que do meu irmão por incrível que pareça.
— Ela deve ser uma moça encantadora — digo com sinceridade.
Mais uma vez ele assente, mas desta vez com um sorriso tristonho.
— Veja, uma pousada — John aponta para um chalé de madeira no meio da cidade.
Nós estávamos em Volair na província sudoeste e segundo Gallon muito perto da fronteira da província oeste.
Cavalgamos em silêncio até chegar à humilde e graciosa pousada. Um homem está apagando as velas do lado de fora e logo depois fecha a porta.
— Senhor! Espere! — John desmonta do cavalo e corre atrás do homem.
— Nós já estamos fechados — ele responde sem nem um resquício de gentileza em sua voz.
— Eu e minha irmã viemos de muito longe e estamos muito cansados — John aponta para mim com o queixo e o homem me olha de maneira desleixada — Por favor nós só precisamos de uma noite.
— E como pretendem me pagar? — ele dirige seu olhar questionador na minha direção.
— Nós não temos nada além das nossas próprias roupas — o homem ri debochadamente.
— Vocês têm um belo cavalo — ele olha gananciosamente para o cavalo de John.
— Sem chance! — ele logo protesta.
— Então eu sinto muito — o homem fecha a porta lentamente.
— Espere! Você pode ficar com ele — John sede relutantemente.
O homem sorri e leva o cavalo para o estábulo. Eu o sigo e deixo o meu cavalo lá também.
— Tem certeza de que vocês são irmãos? — consigo sentir o nervosismo de John de onde estou.
— Claro que sim, senhor — digo apressadamente.
— Eu tive um problema tão desagradável recentemente por causa de dois tolinhos apaixonados — ele resmunga, parecendo se recordar do episódio — O pai da garota quase cortou a minha garganta alegando que eu os acobertei.
— Entendo que o senhor tenha receios desde então, mas posso garantir que nós somos apenas irmãos retornando para casa — em parte não estou mentindo.
— Vocês podem ficar com o quarto daqui debaixo — ele nos entrega as chaves preguiçosamente — E nada de me arrumarem problemas jovenzinhos.
Eu apanho as chaves em silêncio e entro no quarto seguida por John. Ele começa a rir descontrolavelmente.
— Do que está rindo? — pergunto com as mãos na cintura e o cenho franzido.
— Eu pensei que ele ia nos expulsar daqui — reviro os olhos.
— Se dependesse de você ele provavelmente ia — tiro minhas botas e praticamente me jogo na cama.
— Sabe, você é muito má Amelie — ele finge uma feição descontente.
Eu gargalho alto e me viro de lado puxando um pedaço de pano para me cobrir.
— Vá dormir John, eu tenho planos magníficos para amanhã — incrivelmente ele não me pergunta o que é, somente me obedece e se deita na cama na outra extremidade do quarto.
(...)
Apesar de cansada pelos dias de viagem acordo logo quando o sol nasce, John ainda está dormindo. Eu nunca estive tão longe de casa e pela primeira vez desde o início, eu não sinto medo, eu me sinto contente por conhecer mais um pedacinho do meu amado país.
Saio sem acordar John e no caminho cumprimento o senhor de ontem a noite. Quando abro as portas da pousada me assusto com a quantidade de gente que transita nas ruas, contrastando com a cidade deserta de ontem à noite. Por mais estranho que pareça me sinto feliz hoje, então me permito sorrir para os ventos.
Caminho solitária até o provável centro da cidade, vou seguindo pessoas com seus passos apressados. Chego em uma pequena praça redonda com um pequeno palanque no meio, provavelmente usado para divulgar recados reais.
A praça está lotada de gente de todos os tipos e idades, mais uma vez me sinto maravilhada com o meu próprio país. Com cuidado me escondo em um beco e retiro o feitiço que muda a minha aparência.
As pessoas não parecem notar a minha presença, nem mesmo quando eu subo no palanque.
— Bom dia, desculpem me por tomar a atenção de vocês — projeto minha voz para que eu possa ser ouvida — Creio que vocês ainda não me reconhecem.
Rostos confuso olham na minha direção, alguns até mesmo zangados e outros apenas curiosos.
— Bem, meu nome é Amelie Knight e eu sou a herdeira do trono desse país — muitos zombam de mim por acharem que eu estou mentindo — E como vocês bem sabem um traidor assumiu o controle dele.
Muitos continuam descrentes da minha palavra então eu estendo a palma da mão e a incendeio em poucos segundos deixando a multidão boquiaberta.
— Como eu ia dizendo, eu estou aqui pedindo a ajuda de vocês para retirar esse falso autoproclamado regente e enfim recuperar o nosso país, para que eu possa finalmente ser coroada e acabar com essa maldita guerra — um aglomerado ainda maior de pessoas se espreme perto de onde estou.
— E como Vossa Alteza pretende fazer isso? — procuro pelo dono da voz e o que encontro não me agrada, Lorde Farron, o lorde da província onde estou nesse exato momento.
— Com táticas militares e liderando o meu povo para a vitória como um verdadeiro líder deve fazer.
— Uma garota na guerra? — ele ri alto — Mulheres não foram feitas para governar, princesa Amelie ainda mais a filha de uma bruxa que enfeitiçou o nosso pobre rei.
— Acredito que o senhor realmente não entende nada sobre magia — a ofensa de Lorde Farron fez o meu sangue ferver, mas eu tento manter a calma — Se soubesse o mínimo, saberia que bruxas não têm a capacidade de executar três feitiços: o de matar outra bruxa, o de exterminar toda a vida e qualquer um que envolva o amor.
— É dificil acreditar no fato que o nosso rei se casou com aquela mulher por livre e espontânea vontade.
— Se o senhor parasse de prestar atenção no que a minha mãe era e olhasse mais para o que ela fez, veria que ela foi a melhor rainha que Redland teve durante anos — meu argumento parece ter calado o lorde Farron — E quanto a minha incapacidade de liderar um exército... acho melhor mostrar do que apenas falar, não acha lorde? Por favor vocês podem chamar o seu melhor guerreiro?
As pessoas estão sem palavras assim como o lorde que apenas me olha confuso.
— Abram uma roda por favor — peço quando um homem duas vezes maior que eu, aparece em minha direção — E para que seja um combate justo eu não vou usar magia — caminho para o centro do círculo.
Um aldeão me entrega uma espada e depois outra para o brutamontes na minha frente. O enorme homem parece estar convencido de sua vitória.
Eu tomaria mais cuidado se eu fosse você meu caro, nunca subestime o seu inimigo.
O combate começa, o guerreiro avança para cima de mim com toda a sua força, mas eu desvio facilmente dele pois por ser menor tenho mais agilidade. Ferozmente, ele tenta inúmeras vezes me acertar com a sua espada e em todas falha miseravelmente.
Bocejo fingindo tédio e sorrio para o brutamontes que está furioso, quando ele tenta me atacar novamente eu desvio e corto a sua perna esquerda. Ele tenta me acertar um golpe no tronco, mas eu bloqueio com a minha espada, ele parece estar ficando cada vez mais nervoso.
Logo depois de outra tentativa de investida eu escapo do golpe passando por debaixo das suas pernas, rapidamente eu agarro o seu pescoço em um mata-leão que logo substituo pela lâmina da minha espada.
O povo grita em euforia e até mesmo lorde Farron parece se ter dado por vencido. Suada e ofegante eu jogo a minha espada no chão.
— Me perdoe por duvidar de Vossa Alteza — o lorde se ajoelha e eu analiso as suas palavras, meu sentido me diz que não há mentira alguma nelas — Vossa Alteza provou ser uma Knight não só com a sua força, mas também com as suas palavras.
O restante do povoado se ajoelha em sinal de respeito.
— Fico feliz que todos vocês estejam vendo isso — abro um sorriso cansado — E eu prometo que darei o meu máximo para fazer de Redland um país forte e próspero, para que todos vocês sejam mais do que felizes.
— Viva a rainha Amelie! — escuto uma voz gritar.
— Meu último pedido é que vocês espalhem as minhas palavras pelos quatro cantos desse país, que defendam a minha causa com unhas e dentes, e que mostrem a Redland quem eu realmente sou.
Todos me aplaudem e eu sorrio contente pela pequena vitória.
— Redland é de vocês! — a multidão grita animada — O meu único dever é governar para os homens e mulheres do nosso amado país.
Por muito tempo eu venho sendo atormentada por medos e inseguranças sobre mim mesma, hoje eu não provei apenas para o meu povo quem eu sou. Eu provei a mim mesma que eu sou muito mais forte do que imaginava.
Os meus inimigos que me aguardem, porque a espada flamejante não tem piedade.
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