Era uma manhã ensolarada, Ben caminhava por um belo campo de um verde inebriante, era cercado por todos os lados de borboletas, criaturas essas que na infância acreditava serem mágicas e que um dia o levariam a terra, onde os meninos não precisam crescer, onde as pessoas são boas, onde ninguém precisasse passar fome ou morrer. As borboletas ao longo da sua adolescência deixaram de ser mágicas, mas não por isso menos encantadoras, era a natureza em mutação, em verdadeiro movimento, mostrando que todas as coisas são possíveis.
Desde a mudança para o Rio de Janeiro, não as via com tanta frequência, raramente uma cruzava o seu caminho lhe chamando a atenção. Mas naquele lugar elas existiam em grande número, em inestimável beleza.
Ben passou a observar outros detalhes a sua volta, se surpreendeu ao identificar famílias de diferentes etnias se confraternizando. Eram cantos de celebração, rodas de adultos e crianças com roupas muito coloridas fazendo um casamento perfeito entre as borboletas e a comunidade ali presente.
No chão cestas sobre um grande número de toalhas, faziam a boca do babá salivar.
Uma mulher gorda com expressões latinas tocava um bumbo repleto de pequenos chocalhos amarrados. Era um som imponente, que marcava o canto daquelas pessoas.
Se for chorar, chore de alegria
Se for sorrir dê-me a mão e vem dançar
O todo nem sempre é completo irmão
Aqui todo dia é primavera.
A canção era repetida inúmeras vezes, mas a empolgação aparentemente só crescia entre aquelas pessoas. Ele mesmo se sentia impulsionado a entrar na roda e dançar, era contagiante.
De repente uma chuva pesada começou a cair, bem olhou para o céu e não encontrou uma nuvem sequer que pudesse explicar aquilo, mas a gritaria se tornou ainda maior, a senhora que tocava o bumbo agora se requebrava marcando o compasso da música de forma mais acelerada.
Se for chorar, chore de alegria
Se for sorrir dê-me a mão e vem dançar
O todo nem sempre é completo irmão
Aqui todo dia é primavera.
Ben se aproximou daquelas pessoas tentando entender o fato deles estarem tão animados, mesmo com toda aquela chuva. Sentiu o coração se apertar ao ver no meio de todo aquele povo um rosto muito familiar.
Alex sorria no meio de toda aquela gente, dançava de maneira descompassada o que fazia com que outras pessoas dessem gargalhadas da cara do policial. Os olhos de Benício se encheram de lágrimas, Alex nesse momento parou o que estava fazendo e olhou bem na direção de Benício.
Abriu um belo sorriso e fez uma negativa com a cabeça. Foi correndo ao encontro do rapaz e deu um abraço apertado e rápido, logo se soltou cantando a primeira parte da canção- Se for chorar, chore de alegria.
Não deu tempo de Benício falar mais nada, o puxou para o centro da roda e o conduziu numa dança acelerada, Ben esqueceu o porque chorava, rodava e rodava acompanhado de Alex, via o lindo azul do céu, as gotas de chuva o molhar, uma aquarela de cores vindas de todas aquelas pessoas, e as borboletas fazendo festa ali ao centro. Via também um sorriso encantador, que lhe dava coragem e força, Alex estava lindo, usava a mesma roupa da noite do acidente. A blusa aberta sensualmente abaixo do peitoral e uma calça agora dobrada até a altura da panturrilha.
Alex parou e girou o babá no ar, Ben não sabia de onde o homem tirava tanta força, mas ele amava aquela sensação.
- Eu te amo- Falou o policial no meio de toda aquela barulheira, Ben conseguiu fazer a leitura exata daquelas palavras e somente sorriu.
A chuva cessou, a música e a gritaria também, Alex colocou o rapaz no chão e ainda sorridente viu a mulher que tocava o bumbo vir até a sua direção. Ben só observava o que acontecia, segurava a mão de Alex com força, não era bem medo o que sentia, ele não sabia explicar, mas um espanto diante de tudo aquilo.
A mulher puxou Alex para um abraço e cochichou algo no ouvido do policial. Alex voltou rindo para perto de Benício sem dizer o que tinha escutado. Ben viu então a mulher tirar do bolso do vestido que usava duas pulseiras feitas de capim trançado, eram lindas. Ela entregou na mão de Alex, que amarrou uma no braço direito do rapaz e estendeu o seu próprio braço para Benício fazer o mesmo. O babá acabou fazendo sem entender para que servia aquele ritual, mas confiava em Alex.
Assim que Ben deu o último nó, a chuva voltou com força, as músicas e danças também.
- Vocês são lindos- Disseram um grupo de crianças que vieram ao encontro dos dois, falaram e saíram envergonhadas como se sentissem vergonha pela ousadia.
Alex puxou Benício pela mão, começou a andar em passos largos e depois uma corrida, levou o rapaz para longe de tudo aquilo, para uma região mais silenciosa onde aquela música já não tinha alcance. Ali Ben voltou a chorar, Alex seguiu correndo sem dar importância a isso, o babá o acompanhava sentindo as forças irem embora.
- Só mais cinco minutos, ok? - Falou Alex dando uma parada e limpando os olhos do babá. Voltaram a correr. Exatamente ao final dos cinco minutos, Ben e Alex chegaram próximos a entrada de uma casinha de madeira que ficava localizada no centro de um lago, a ponte era pequena o que acabou deixando Benício um pouco temeroso, mas diferente do que Benício pensou Alex não a atravessou, sentou ao chão e esperou o rapaz fazer o mesmo.
- Que lugar é esse Alex? - Ben falou sentando ao lado do chefe.
- Que lugar você acha que é Ben?
- O céu, o purgatório ou algo assim, sei lá.
Alex caiu na gargalhada
- Do que está rindo, que lugar é esse?
- Digamos que não é nada disso que você pensou. Esse é um casulo.
- Hã? Que porra é essa?
- Ei rapaz, essa é uma palavra feia para se falar quando pensa que está no céu.
- Desculpe, mas você acabou de dizer que não é, que é um casulo.
- Sim, é o meu casulo. O lugar onde refletimos sobre algumas coisas importantes na nossa vida. Aqui temos a oportunidade de rever tudo que estamos fazendo de errado e como a gente faz coisa errada sabia?
- Eu imagino, mas e depois daqui o que acontece?
- Eu não sei, acredito que uma metamorfose, mas não sei o que vai acontecer.
- Você precisa voltar, eu não vou conseguir viver sem você?
- Uau, isso é uma declaração de amor?
Ben fez silêncio.
- Uma das coisas que mais me deixou triste aqui foi ter percebido o como eu perdi tempo Benício, você deveria pensar nisso também, mas enfim.
Alex se levantou deixando Ben pensando sozinho.
- Eu vou sentir muito a sua falta, você não deveria ter partido assim, não dessa forma.
- Ben, nunca sabemos a hora certa, calculamos a nossa vida da maneira errada deixando tudo para depois. Sendo que somos colocados no mundo com um cronômetro com uma contagem regressiva, precisamos fazer as coisas no tempo certo, se não fudeu. Agora deixa de pergunta, levanta daí e vem tomar um banho comigo.
Ben olhou pra trás confuso com o convite e se assustou com o que viu, Alex já estava sem camisa e tirava a calça comprida. Olhou pra frente de imediato constrangido com a visão.
- Ei Benício, se ficar com essa bobeira toda vai perder o melhor mergulho da sua vida- falou homem dobrando as roupas e deixando ao lado do rapaz.
Ben viu nesse momento como era lindo o corpo do policial, viu sem medo do que Alex pudesse pensar disso. Viu a mão do homem se estender pra ele, se levantou com dificuldade, tinha um monumento em sua frente.
- Anda, tira a roupa.
O babá se virou de costas e fez o que o policial pediu, voltou ainda tímido para Alex que o encarava com um semblante curioso. Foram até a pequena ponte e pularam de lá, completamente nus, mergulharam numa região profunda, fizeram isso de mãos dadas, abraçados, como dois companheiros.
Voltaram a margem juntos, procurando ar e ao mesmo tempo sorrindo.
- Isso foi incrível- disse Benício ainda encantado com tudo aquilo.
O babá viu o policial vir com uma das mãos em seu rosto, o dedo polegar passar por sua boca, o outro braço o envolver pela cintura e selar aquela momento perfeito com um beijo, se beijaram com desejo e culpa, motivados pela paixão e também pelo arrependimento. Se queriam, mas sabiam que não tinham mais o controle das coisas.
- Eu te amo- Disse Alex mais uma vez ao babá.
- Eu também te amo- Disse Benício pela primeira vez ao homem que amava desesperadamente.
De repente um novo mergulho de Alex e ele não voltou mais a margem, um desespero tomou conta de Benício que tentava um novo mergulho, mas não saia do mesmo lugar, queria fazer algo para salvar Alex, mas não encontrava nem os meios, nem força para isso. Chorava compulsivamente, mas era o fim, novamente havia perdido o amor. Saiu do lago desolado, decidiu então cruzar a ponte e ver o que tinha na pequena casinha, abriu a porta sem nenhuma dificuldade e encontrou ali apenas uma televisão velha jogada no canto, a ligou e sentou no canto da sala aos prantos.
Ouviu um barulho muito forte vindo do lado de fora, a casinha havia se transformado na casa de Fatinha, se levantou as pressas para ver se era Alex, mas se surpreendeu ao ver um exercíto de jornalistas com microfones e fotos voltados para si.
Bateu a porta com pressa, voltou a sentar no chão.
- Mais um policial é assassinado na cidade do Rio de Janeiro esse ano, o número é alarmante.
Ben ouviu a informação e em seguida encarou a tevê, viu ali o rosto de Alex usando uma farda da polícia militar. Trocou de canal.
- Policial é morto na noite de natal- Trocou outra vez de canal- Policial morre. Mais um policial para as estatísticas. O que aconteceu com o Policial Tubarão Falconi?
Ben trocava e trocava de canal, mas a informação era a mesma, ele havia morrido. Tentou desligar mas não conseguia, a porta voltou a bater, mais forte e mais forte, ele estava desesperado queria que tudo aquilo acabasse, gritou por Alex e viu tudo aquilo desabar.
Ele despertou completamente ensopado de suor no chão do banheiro da casa de Fatinha, estava nu, havia acabado de tomar um banho quando sentou ali para chorar.
- Benício, abra essa porra de porta, ou eu vou ser obrigado a arrombar- Alguém novamente batia na porta, Ben reconheceu dessa vez se tratar de Allan.
- Espera só um minuto que eu vou me vestir- Ben se vestiu rapidamente e abriu a porta- Desculpe, eu peguei no sono aqui.
- Pensei que tinha acontecido alguma coisa séria porra. Anda o pessoal vai começar a procurar o corpo nos hospitais e IML, você precisa ficar com o Julinho enquanto saímos. Ele ainda não acordou.
- Eu também quero ir.
- Alguém precisa ficar com o menino.
- Ele pode ficar com sua mãe. Melhor vou deixá-lo na casa de algum amiguinho. Só me dá cobertura, tira todo mundo da sala.
- Tem certeza que é uma boa?
- Tenho sim, ele vai querer ver o Alex, e enquanto não estivermos trabalhando no sepultamento ele não vai ficar sabendo de nada. Quanto menos ele sofrer melhor.
- O melhor seria você ficar com ele.
- Eu vou com vocês e pronto.
Ben entrou no quarto e encontrou Julinho já acordado. Tentou melhorar a fisionomia o máximo possível para convencer a criança que estava tudo bem.
- Tio Ben, eu não gosto que o senhor minta pra mim. O papai não veio dormir como o senhor disse que ele viria.
- Me perdoa Julinho, ele ainda não voltou, mas logo ele aparece.
- Está acontecendo alguma coisa não está? O que houve com o meu papai? - Julinho falou iniciando um choro.
- Você precisa confiar em mim, o seu pai teve um problema ontem a noite.
- Que tipo de problema?
- O seu pai teve que fazer uma viagem de última hora. Mais tarde vou encontrá-lo
- Viajou pra onde? Eu também quero ver meu pai.
- Você vai vê-lo, mas não agora. Agora você vai para a casa daquele seu amigo da escola, como é mesmo o nome dele Iago?
- O Hugo?
- Sim o Hugo, a mãe dele te chamou pra passar o dia de Natal lá. Então você precisa me prometer que vai se comportar.
- Mas e o meu pai? Eu quero ver o meu pai.
- Você precisa confiar em mim, eu só volto pra casa quando encontrar com ele. Combinado?
- Combinado.
Ben fez conforme havia combinado con Allan, levou o menino até a casa do tal amigo, e voltou em seguida até a casa dos Falconi para começarem a correr atrás de Tubarão, eram por volta de oito da manhã quando todos iniciaram a maratona mais difícil de suas vidas.
________________________
Débora acordou como se estivesse numa guerra, sua porta parecia que seria derrubada de tanto que batiam. Se levantou assustada não tendo ideia do que poderia estar acontecendo.
Olhou pelo olho de vidro, e identificou Luciano caminhando de um lado pro outro em frente a sua porta. Por certo o amante já sabia da morte de Tubarão e veio comemorar logo cedo a esperada vitória.
Abriu a porta sorridente a espera de um abraço, mas viu Luciano a segurando pela gola da camisa, lhe aplicando um soco violento no olho esquerdo e a jogando no chão.
Aquilo não iria terminar bem...