(Narrado por MingHao)
Cautelosamente abri a porta do banheiro, mirei o olhar sobre o local lentamente. Lassidão determinava meus movimentos com maestria. Controlava-me, usava-me, exauria-me até o intimo. Eu me sentia cansado, mesmo o olhar sobre tudo retratava tal desejo de morte. Existia em mim uma grande sensação de não existir. Olhava para o interior do banheiro com um descomunal aperto no peito, com um olhar fraco, frágil, morto. A morte me chamava, Clamava meu nome o entoando com torpor triunfante sobre mim. Era lamentável meu estado, o como cavernosamente havia sido abandonado naquele buraco imundo que chamavam de mundo. Sentia-me dramático demais com todas aquelas questões sentimentais, mas eu não aguentava mais. Estava exausto de tudo.
Não aguentava mais viver, não vivia há muito, de qualquer forma. A dor pungente de ser aquilo, de permanecer no mundo. De ser obrigado a conviver com fardos e dores antigas das quais nunca superaria. Lastimava ter nascido, talvez daquela forma nada tivesse acabado tão desordenado. Talvez se eu nunca tivesse existido tudo pudesse ter sido evitado. Meu estado mental de tão debilitado não aguentava sequer um retumbar diferente do mundo ao meu redor. Uma palavra errada, um engano. Tudo era motivo para que em meu amago existisse apenas melindre maldoso. E me sentir daquela forma cansava. Ficar triste cansava. Exigia muito de mim e eu já estava exausto demais, exausto de tudo. A felicidade me era inexpugnável.
Minha existência era amargurada, feita para não haver conjunto. Era uma existência quebrada, não se completava com nada ou ninguém. Não continha um par, união ou companheiro. Não continha felicidade ou amizade ou sequer família. Minha presença era solitária. Eu era solitário. Havia nascido para ser solitário. Nascido para ser sozinho, para morrer sozinho. Vazio, sem companhia. No fundo eu mesmo tinha ciência daquilo, a desesperançada informação de que eu não tinha, não merecia e nem nunca teria ninguém. Pois eu não era digno daquilo. Era tão insuficiente e inferior e lúgubre que não merecia tal regalia. Aquilo era tão verídico que as pessoas, as únicas pessoas que se importavam e me amavam, haviam morrido. Eles haviam morrido enquanto eu, semiconsciente, os via.
Havia vivenciado o momento, agonizando ardente e desesperadamente desde o momento em que o outro carro se chocara com o nosso. Dolorosamente acordado enquanto o impacto do mundo ao redor contra as laterais e teto do carro me abatiam. Obliquamente lucido enquanto sentia vidro rasgar pele abruptamente, não aguardando dor alguma cessar para coincidir contra mim novamente. Meu olhar, desesperado não com o meu bem, mirava os bancos da frente, minha mãe no banco do passageiro. Já desacordada e ensanguentada. A expressão petrificada em dor genuína, seu corpo pendia de ponta cabeça assim como o meu enquanto o carro permanecia em espirais. Estagnando-se de cabeça para baixo. Um olhar translucida na direção de meu pai me custou naquele momento, o pescoço dolorido. Eu sentira naquele dia, sangue escorrer e cacos de vidro reverberar por cada campo do corpo. A brisa gelada da neve adentrando o carro pelas janelas de vidro quebradas. Deixara-me com frio pelas roupas rasgadas. Meus olhos se fecharam sozinhos por pressão deles mesmos, mas não antes de perceber também a ausência de respiração de meu pai.
Relembrar aquilo doía, revivencia-lo na mente fazia cada cicatriz ainda existente latejar em resposta. Arder como se ainda fosse a droga de uma ferida aberta e sangrando. Não importava quanto tempo se passasse, sempre doeria da mesma forma. Eu quem deveria ter morrido no lugar de ambos, ou ao menos junto aos dois. Não merecia a segunda chance que havia sido me dada, não havia motivo de sobreviver se não tinha meus progenitores junto a mim. As pessoas que eu mais amava e que mais me amavam. Era desolador demais para que alguém como eu aguentasse. Alguém que estava cansado de tudo.
Mas tudo mudaria naquele dia, pois com algum tempo eu finalmente poderia partir sem nem um empecilho. Não me achava capaz de concluir tal ato, mas com tanto tempo ouvindo de minha própria mente vozes dizendo que deveria seguir em frente com aquilo, eu finalmente iria. Escutava o não tão longínquo som do celular tocando, havia visto no visor o nome de JunHui antes de ir até ali no banheiro. Deixara o aparelho tocar sem me importar, o som mal interferindo nos pensamentos sorumbáticos. Distanciava-me dele enquanto me dirigia até a banheira. Encarei-a inexpressivo, os olhos lacrimejados em previa ao que se sucederia ali. Eu mantinha lástima em meu coração de forma inconsciente, arrependia-me daquele dia. Pois se eu mesmo não tivesse insistido para sairmos de casa nada daquilo teria acontecido.
Encolhi-me contra mim mesmo, ao lado da banheira, sentei-me no chão. Suspirei pesadamente antes de abria a torneira. Suspiro, o som da tristeza, era o que eu mais andava fazendo. Desconsiderando, claro, as choradeiras constantes em que encharcava lençóis e roupas e afins. Que me faziam ficar sem ar de tantos soluços seguidos apenas por conta do desespero da solidão. Ouvia o som do celular incessantemente me convidando a atendê-lo, mas eu não teria outra chance. Não interromperia o fim do amargor de anos para atender JunHui. Continuaria firme em minha decisão, era o melhor a se fazer. O melhor a se fazer para um garoto exausto de tudo.
Não temia minha morte, não me importava se fosse demorada ou rápida. Piedosa ou malévola. Tortuosa e lenta e pungente ou indolor e rápida e simples. Debaixo d'agua, com remédios, a facadas ou a tiros. Eu não me importava, porém o quanto mais cedo ela chegasse seria melhor. Pois eu não aguentava mais tal sofrimento diário e qual passava por minha própria culpa.
Cogitara por um instante levantar-me dali e pegar num dos armários algum tipo de remédio que pudesse me auxiliar em meu plano. Entretanto desisti no meio da ideia, gastaria mais de minha energia _ tal qual eu não tinha. Tanto quanto podiam muito bem não surtir o efeito esperado. A melhor opção era apenas deixar-me chafurdar em agua de qualquer maneira. Não me importava se tudo ficasse molhado, se a casa estava aberta ou se eu estava jogando todo o dinheiro da empresa de meu pai fora. Eu apenas queria paz daqueles pensamentos. O ruído da agua era o único que persistia entre os intervalos de notificações de mensagens e ligações que JunHui insistia em fazer.
Olhei novamente em direção à banheira, o corpo gelado em contato com o chão se encolhendo involuntariamente em calafrios. Estava gelado, o inverno já havia chegado há tempos. E eu não era alguém muito bem adaptável ao frio. Muitas partes do meu corpo, entorpecidas, clamavam por um pouco de calor. Eu sabia que parte do frio que sentia era por não comer, fazia semanas que não tinha uma alimentação decente. Na realidade, fazia anos. Desde o sai de suas mortes, desde o sai em que havia sido liberado do hospital eu não fazia questão de tal coisa. Comia raramente, apenas quando sentia a inconsciência chegando perto. Viver daquela forma me exauria pungentemente, havia me transformado numa casca seca de dor, que antes era algo repleto de energia e alegria e sorrisos. Mas eu não tinha mais nada. O amargor do tempo havia olhado para mim e sorriso lupinamente para toda a dor e sofrimento que podia me causar. E causou. Calado, eu apenas pude suportar enquanto na realidade queria gritar.
A banheira já estava quase cheia. Sentia-me infantil com aquela decisão, talvez simplesmente pegar uma faca acelerasse o que eu queria de maneira mais pratica. Porém sangue não era algo no qual eu queria mais ver. Meu olhar se perdeu em meio à agua cristalina, lágrimas já preenchiam boa parte de minha visão, a embaçando com ajuda da tontura. A única coisa que não me permitia imergir completamente em mim mesmo e em suspiros e lágrimas que acumulara por anos. A ultima vez que chorara fora no momento em que chegara a casa após ser liberado do hospital. Quando a percepção de estar completamente sozinho me abrangeu e me engoliu. Deixando-me a mercê num mundo em que não havia nada além de escuridão.
Mas finalmente naquele momento eu poderia me afogar em minhas próprias lágrimas. Chafurdar nas mágoas e me enterrar no melindre e na culpa. Agua molhou minhas roupas após tanto transbordar da banheira. Satisfeito, sorri sombriamente em saber que meu destino estava mais próximo que nunca naquele momento. Após tanto tempo sozinho sendo de total inutilidade, eu encontraria a escuridão definitiva. Lamentavelmente me movi para desligar a torneira, jazia fraco após tanto tempo em abstinência de qualquer alimento. Encarei com marasmo toda a concentração de agua a minha frente e sofregamente me pus a levantar. Mesmo com a tontura e a debilidade, fui capaz de me erguer. Finalmente, eu acabaria com minha vida, mesmo que abandonando JunHui. A quem tanto amei. E a quem não tive a menor coragem de admitir meus sentimentos.
Doía-me o coração em imagina-lo aos prantos por minha decisão, após saber ou após me encontrar morto. Mas nem mesmo aquele que tinha a capacidade de fazer meu coração acelerar me faria mudar de ideia. Por mais que meu peito lancinasse em arrependimento por abandona-lo, eu não retornaria em minha decisão. Nem mesmo Wen JunHui. Por quem havia melhorando meus dias com seu belo sorriso e sua brilhante presença. Eu não repensaria. Eu faria aquilo, eu concluiria aquele pensamento tão reincidente em mim. Eu faria minha morte sair de meus pensamentos. A inconsciência não me alcançaria, eu iria até ela.
Pensando daquela forma tratei de adentrar a banheira, mesmo que fraco e quase incapacitado. Fechando olhos, isolei-me de todo o resto ao finalmente imergir. Aguardei meu fim enquanto me afogava naquele pequeno mar de dor e sofrimento. Afundei sombriamente satisfeito com o resultado. Finalmente teria o que queria. Finalmente, mesmo que bem lá no fundo, estava feliz já que tudo teria um final definitivo.
Pois eu já não tinha uma vida a viver. Estava exausto dela. Exausto de tudo.