Contos enrustidos da loucura

By IsaacVasconcelosB

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Contos de drama e suspense. Inveja de Kafka, cobiça por Machado, porfiando com Leminski. Sem muito drama, nem... More

A apoteose de Bianca
O limbo
A casa sem janela
A Conclusão de Roberto
À Luz da Suspeita
O tapa
O período de Estela
Os olhos de Rafael
Os guarda-chuvas
Sete frascos de veneno
A dança de Mabel

Prólogo, ou, Primeiro Conto

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By IsaacVasconcelosB

Oi. Eu sou uma placenta. Nos mamíferos sou formada por meio de recrutamento de grande quantidade de material orgânico tanto da mãe quanto do embrião. Muitos recursos e energia são despendidos para que eu cresça e possa enfim desempenhar minhas funções. E sem mim, seria o fim do embrião, da reprodução. O fim do filo dos mamíferos. Mas depois que nasce o filhote, o que fazem comigo? Muitos animais me comem. Os humanos não. Eles me jogam numa lata de lixo, na melhor das hipóteses.

Está bem, não sou realmente uma placenta. Não vês sangue neste papel, nem tenho o odor extremamente desconfortável de ferro com ovo por vencer.

Na verdade sou um conto. O primeiro conto deste autor que reluta a se entregar à insanidade. Fugindo dela bravamente através de relatar as histórias que seguirão aqui. Mas sou como uma placenta. Sou o primeiro conto que deu origem a todos os outros deste livro. Mas por mim mesmo, vês que sou imprestável. Ele deveria ter me riscado e jogado fora, como bons Homo sapiens fazem com suas placentas. Os outros contos até que são razoáveis, e quem tem tempo para assistir uma TV, seria recompensado em desligá-la e ler alguns deles de uma tirada só. Mas eu não. Sou uma porcaria entre os contos. E logo eu, o infeliz colocou primeiro. Ou ele quis me homenagear ou te torturar. Mas não sou tão assim de passar vergonha. Ele que deveria se envergonhar.

Bem, já que ele não o fez, fica à vontade para me comer ou me jogar fora. Como não podes rasgar as páginas, nem seria sensato quebrar a tela, basta avançares aos próximos contos.








Ainda estás aqui?! Não me responsabilizo... ainda dá tempo de ouvir meu conselho: Pula para o conto seguinte. Não vais perder nada. E se me comeres, bom... a placenta tem até seu valor nutritivo, mas vai te dar náuseas.

Erasmo elogiou abertamente o que eu trato como terrível e destrutivo, vergonhoso e impreciso. E sou único, como cada loucura. Como cada música. E porque somente eu, ninguém a mais que eu pode contar-te a história que contarei agora, pois proibi todos os outros fantasmas de fazê-lo.

Esta é mais uma revelação. Mais que um conto, sou um fantasma. Que penetro pelas paredes e vejo o que se passa nas escondidas, dentro de gavetas proibidas. Entro nos corpos das pessoas e sinto suas vibrações, interpreto suas mentes. Não como um demônio, que tenta convencer o possuído a ser miserável, mas como uma entidade curiosa, fofoqueira. Um palhaço cheio de trapos mofados, coloridos, rotos desbotados, que quer arrancar a roupa das donzelas e guerreiros na grande festa de gala.

Então senta e lê, que eu, vendo tudo, irei te contar. Entretanto, não te sintas tão à vontade lendo. Não leias nu, ou em andrajos. Evita ler no banheiro, por favor. Estou te vendo. Não penses que estás só e podes fazer tudo... E por favor, acima de tudo, não tires catota enquanto lês! Até uma coçadinha, pode ser, mas tirar catota, não. É nojento! Quem pode discutir isso? É uma das verdades absolutas do universo. E ainda tem gente que mete o dedinho, vasculhando com a unha (tem gente que deixa a unha do dedinho crescer só para fazer isso!), e captura um bolo de catota. Fica a seguir embolando nos dedos até ela ressecar completamente. E por fim, joga-a fora com um peteleco.

Quem faz isso, além de não ter recebido uma boa educação, tem uma mente limitada. Não consegue ver que tudo está interligado. Vou tentar explicar.

Aquela catota antes era um muco fluído, que se juntando a células descamadas mortas das narinas, lá se fixou e em contato com o ar frio e seco, solidificou. Ela fica lá, lembrando que o indivíduo tem que se hidratar, se aquecer, lavar o nariz... Mas não! O nojento enfia uns dedinhos sujos e arranca a catota.

Essa é a gênese. Passemos às consequências.

Jogando fora, ela cairá e nunca mais será encontrada. Alguém já encontrou uma catota perdida? Ela se cola à poeira, fragmenta-se e se reúne com o universo infinito. Algumas marcadas pelo destino perduram, rolando de pé em pé. Até um dia, quem sabe, grudar-se à barriga de uma barata morta, estourada. E ser então varrida entre cerdas, migalhas de bolacha e fios de cabelo. Qual o fim disso tudo?

Não tem! Isso foi com a catota. Imagina com tua vida se deixares que eu penetre em ti. Cuidado. Cuidado com o tempo, o tempo despendido fora deste livro. Sou ciumento. Meu ciúme alimenta minha curiosidade, meu afã de te desmascarar. Qualquer pessoa é passível do descontrole insano. Basta um breve momento, uma fúria, uma vergonha. Posso te apanhar no desânimo, aquele sentimento que serve de desculpa para tudo. Posso te apanhar no frenesi da paixão... Cuidado. Se passares tempo demais me lendo posso te proteger de mim. Mas não garanto nada sobre ti mesmo. Quem vai te proteger de ti?

O tempo, carrasco dos grandes e poderosos e libertador dos pequenos e miseráveis, teima em querer se assenhorear de mim. Mas eu o dobro. Ra-ra-rá! "O tempo é relativo!" É sim, e como é. E sai fora com a física... Podes ficar preso num sonho, ou no Limbo. Ou no próprio sono. Ou nas tuas lembranças amargas. Quem pode contar o tempo dentro de uma camisa de força?

Depois dessas ameaças amigáveis, volto à catota. Catota... eu poderia ter contado a vida dos pastores dos dinossauros e dos pilotos das espaçonaves que descobrirão a vida em Alfa do Centauro. Poderia contar a história da vassoura, dos fios de cabelo, e até da barata estourada. Afinal, tudo está conectado. Mas conto histórias simples. Eventos banais. O que vale é o que importa. E o que importa é relativo. Mais que o tempo.

Mas não sei como abrir este livro de contos provocantes, insatisfatórios, sem começar com algo básico, com um alicerce firme. Por isso, escolhi começar pela catota. Uma boa história tem que ter um mínimo de catota. Se não tiver, é clichê. História medida, de receita, feita para vender. Passo a passo do manual. Eu perdi o manual faz tempo. Estava todo escarrado com o muco espesso esverdeado de minha sinusite, de qualquer jeito.

Bem, acho que estou me dispersando do meu objetivo. Façamos uma atividade motivadora, para relembrarmos do nosso propósito e entrarmos em foco. Berremos desesperadamente, com prazer: "Viva a catota!"

Um, dois, três:

"Viva a catota!"

Isso. Muito bem.

Esse é o espírito da coisa! Vamos lá. Nesta altura deves estar arrependido de não ter parado lá em cima, não é? Vou me esforçar mais doravante. Vou contar a história dele e verás como eu tenho razão. (E como nesta história tem catota).

Ele estava deitado no sofá da sala a pensar coisas efêmeras. Vulgo "viajando". E neste lazer randômico e infrutífero, confiando na complacência da vida, retira uma catota. Crente que ninguém está olhando. Rá! Mas eu vi. Ele faz como qualquer outro e dá o final peteleco nela.

Sua mãe também viu. Cansada de ver aquele monturo de hormônios e estorvo que é um filho na adolescência, o encoraja a ir gastar suas energias:

– Meu filho, você não vai para a festa não?

Ele foi para uma festa. Às 00:00. Uma hora mágica. Não? Zero-zero dois pontos zero-zero. É incrível de se pensar neste momento que o tempo parou. Nada age e nada é consequente. Ninguém fere e ninguém é ferido. Zero segundos, zero tudo. É a hora mais tarde do dia. O apogeu da noite. Mas são os menores números! Números nulos.

A fila para entrar na festa é curta à meia noite. Um bêbado cai, esbarra em seus joelhos. Ele desvia, tem dó, mas desvia. Vê ele se espatifar no chão. A dó aumenta. Sente-se culpado por não ajudar. Porque não ajudou mesmo, e seguiu em frente.

Em pouco tempo ele encontra seus conhecidos e executa o ritual de olhar para todos os rostos da festa. Toma suas bebidas, traça suas metas. No subconsciente, é claro, mas as traça.

Chove na noite. Passa arrastada para ele. Todos saem dos jardins. Aglomeram-se. Não há relâmpagos nem trovões. Só a chuva branca. Incolor no escuro. "Onde estavam as estrelas?" Ele se perguntou. Não viu a Lua.

Estiou. Esqueceu suas metas e saiu a pé, sem carro, sem dinheiro. Um jovem comum, uma noite comum, uma rua comum. Sem chuva. Ainda sem estrelas.

A rua era tão irrelevante que nem nome tinha. Sério mesmo. Acho que era algo do tipo "Rua B", ou "Rua em Projeto". O que de incomum aconteceu foi um flato lhe escapar, e justamente sem querer, bastante ruidoso. Envergonhado, olhou para os dois extremos da rua mal iluminada. Tranquilizou-se por se ver só. Então, seguro que estava novamente só, o nojentinho leva o dedo à narina e faz o que? Isso mesmo. Arranca mais uma catota.

Um carro cinzento como a lua, com os faróis ligados em máxima potência contra seus olhos aparece. Sua barriga gela. Seu coração dispara. Livra-se da catota. Já é medular.

Ele olha para o carro vindo rapidamente. O medo de morrer lhe invade.

Mas ele vê uma esfera. Julgando estar louco, olha em volta para verificar que seu mundo continua normal. Sim, tudo normal. E eu, só observando. Ele olha novamente para o veículo em alta velocidade. Mas não vê o carro! Ele vê a lua. Clara, cinzenta, cheia de crateras. A lua! Ele ficou parado contemplando a lua, que lhe atropelou.

Ele morreu.

Explicação:

Dessa vez que foi futucar o nariz em busca de catota, o que arrancou na verdade foi um pedaço de nervo vindo do seu lobo frontal. Teve uma alucinação e foi atropelado por um carro prateado.

Moral da história: tirar catota não compensa.

E:

É melhor desfrutar de tua loucura natural, intrínseca, inerente à tua constituição e carga genética, perambular pelas ruas, ir às festas, etc, sem ficar te culpando se havia alguém para ouvir um peido barulhento acidental. É melhor.

Resististe até aqui?! Impressionante! Agora é ladeira abaixo. Boa leitura!

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