inHUMAN - Rewrite

By kekitus

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Kyle, um garoto problemático que vive com o amigo que o acolheu após fugir de casa há já seis anos é também e... More

Capítulo 1
Capítulo 3
Capítulo 4

Capítulo 2

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By kekitus

Era uma noite fria e o vento parecia estapear meu rosto, sentia como se eu pudesse morrer de frio a qualquer momento, claro que com um pouco de concentração eu poderia fazer um agasalho até mesmo do asfalto usando meu poder, mas eu não queria depender dele, já que foi dele a culpa de eu estar nessa roubada agora. Já fazia mais de vinte e quatro horas que eu me afastava o máximo que eu conseguia da casa de Mike, mas meu pensamento continuava lá, não conseguia deixar de lado o que aconteceu e aquilo pesava em minha consciência. Era desesperador imaginar que eu não veria mais aquelas pessoas para as quais eu era tão querido... E o sentimento era mútuo. Eles só haviam morrido porque eu não soube diferenciar ilusão de realidade e porque eu me deixei entregar ao rancor, às mágoas, por eu não saber controlar a maldição que me tinha sido imposta desde o nascimento.


Afastei tais fúnebres pensamentos da minha mente, porque era hora de pensar no que fazer. Não sabia para onde ir agora, tampouco o que fazer, mas uma coisa era certa, eu não passaria outra noite na rua, pois já estava cansado por não ter dormido na noite anterior. Andei pelas ruas a procura de qualquer abrigo e, por um instante, cheguei a considerar dormir embaixo da ponte, mas antes disso consegui achar uma casa abandonada. Sua estrutura parecia decrépita e a madeira podre, quebradiça, havia alguns ninhos de cupim aqui e ali, mas teria que servir, então fui em direção à entrada. A porta estava entreaberta e um pouco quebrada, mas meu corpo não passava pela abertura e tinha escombros segurando-a por trás, logo não a consegui mover. Logo vi que havia uma janela de vidro, misteriosamente ainda intacta e atirei nela uma pedra com toda minha força, que não era grande coisa, mas foi mais que suficiente para me criar uma entrada na casa.

Por dentro a casa estava tão acabada quanto por fora, talvez mais. Grande parte das vigas no teto estavam rompidas, partidas em duas; quando pisava no chão as tábuas rangiam alta e intensamente, chegando algumas a até mesmo quebrar. A janela pela qual tinha entrado era de um cômodo adjacente à entrada principal, de onde eu conseguia ver a porta pela qual tentei entrar, podia ver nitidamente os escombros que a bloqueavam a mão humana que saía debaixo deles. No chão havia sangue seco, parece que ninguém tinha se incomodado em saber o que havia acontecido ali ou em tentar ajuda quem morava na casa... Só mais um bando de corpos para entrar nas estatísticas da cidade baixa, talvez nem isso, já que não houve nem um enterro decente para os coitados... Não queria usar minha habilidade, mas senti como se a responsabilidade fosse minha de dar um enterro adequado para aquelas pessoas, já que eu era o único que sabia da existência delas, comprimi todo aquele aglomerado de madeira, terra e afins em uma esfera do tamanho de uma bola de gude tão densa quanto o núcleo de um planeta que flutuava no ar e, sem tocá-la, a joguei fora da casa – ao cair no parque em frente, fez um estrondo extremamente audível – revelando assim o corpo semidecomposto que estava logo abaixo. Não era algo bonito de ser ver e o cheiro insuportável quase me fez vomitar. Recolhi o corpo – ou o que havia sobrado dele – com minhas próprias mãos, o levei ao parque que ficava em frente à casa e o enterrei lá, usando minha maldição para cavar. Antes de sair notei que a esfera que havia arremessado tinha rachado o chão ao seu redor em uma circunferência perfeita. Como já era madrugada e eu estava na cidade baixa, onde a violência reinava, as pessoas não estavam circulando e o barulho não havia chamado a atenção – ou talvez tivesse, mas ninguém teve a coragem de sair de casa e conferir o que era, elas haviam aprendido do jeito difícil a não fazer isso por aqui. Voltei à casa e cai em sono profundo no sofá que ficava alguns cômodos depois da entrada, mas não era pelo sono ser profundo que ele não havia sido conturbado. As imagens dos corpos de Mike e seus pais não saiam da minha cabeça, especialmente o de Mike, que estava completamente em frangalhos e eu nem me lembrava de tê-lo feito.

Era noite numa floresta, não sabia como havia parado lá ou onde estava, mas eu corria de algo desesperado, do meu braço o sangue pingava em gotas grossas sem parar, olhava para os lados e só via árvores e mais árvores... Para cima, a lua cheia enorme olhava de volta para mim enquanto a admirava pasmo pensando que aquela poderia ser a última coisa que via em vida. De repente fui derrubado e senti pressão sobre meus ombros, olhei para baixo e vi que minhas mãos não eram de fato minhas, olhando para cima, o espectro de um lobo repousava sobre mim majestoso, dentes à mostra e a cada ofegar, despejando um pouco de seu hálito sobre meu rosto. Pisquei. Agora não via mais o lobo, mas estava em cima de alguém, um rosto conhecido, um rosto amado... Era Melissa logo abaixo de mim, a fome me dominava e eu tentei me segurar com todo meu ser, mas os instintos me dominaram e ataquei-a diretamente no rosto.


Acordei desesperado, tentando puxar todo o ar que pudesse reunir, lágrimas escorriam descontroladamente pelo meu rosto. Fui ao que costumava ser uma cozinha naquela decrépita construção e procurei um copo, ou qualquer outra coisa que não estivesse em pedaços. No armário que agora pendia da parede em diagonal, com as portas de madeira parte escancaradas, parte ausentes, parte danificadas, achei um copo de plástico que ainda permanecia intacto e condensei a umidade do ar dentro dele, para que pudesse bebê-la. A única fonte de luz na casa era a lua cheia que se podia ver pela janela quebrada da sala. Ainda estava cansado... Exausto, na verdade, então logo voltei a me deitar, assim que terminei de acalmar meus nervos. Desta vez não tive sonho algum, apenas enxerguei a escuridão que minhas pálpebras proporcionavam.


* * *


A luz do sol quase me cegou ao amanhecer, já que não havia cortinas na casa. Levantei com uma bela fadiga muscular e cansaço mental, do tipo que não sentia desde que fugi de meu pai. A diferença é que dessa vez eu estava sozinho, não tinha mais em quem confiar, não sabia o que fazer – não que essa parte em especial fosse diferente da outra vez que fugi –, era desesperador estar nessa situação, foi assim da primeira vez e não foi diferente dessa. Saí da casa depois de procurar por mais corpos, coisa que não fui capaz de encontrar. Parece que era uma moradia de apenas uma pessoa.


O tempo estava bom hoje, o céu limpo, mas o frio ainda reinava na cidade baixa, respirei fundo e segui curso para onde quer que a vida me levasse. Era incrível a discrepância social que podia ver da parte média da cidade para a parte baixa, as pessoas aqui, em maioria, quando não estavam cometendo algum crime ou usando todo tipo de drogas, morrendo de overdose ou algo do tipo, estava passando fome e sem tomar banho há eras. Me fazia pensar o tipo de sociedade em que vivíamos. Era triste demais para ignorar, e juro que tentei meu melhor para isso, mas tive que tentar alguma coisa. Cheguei até um morador de rua cabisbaixo e do vidro da garrafa quebrada de corote ao seu lado, fiz um copo que enchi de água usando a umidade do ar. Por que eu estava fazendo aquilo? Não tenho a menor ideia. Ele acordou no meio do processo e se assustou muito com a cena, se encolheu num canto e começou a choramingar, desesperado.


- Quem é você?! O que você quer comigo?! Como está fazendo isso?! Monstro, aaah, monstro... Eles vieram, estão vindo buscar a minha alma. – Ele parecia mais desesperado do que a situação demandava.


- Calma, amigo, só quero ajudar... – levei o copo d'água mais próximo dele


- ME DEIXE EM PAZ! – o velho derrubou o copo enquanto gritava – SAIA DAQUI, MONSTRO! AAAAH! GUARDAS! MÃE! PAI! ME SALVEM! – eu sabia que nenhum guarda viria, todos na cidade sabiam que a polícia não se metia na cidade baixa, era suicídio. E assim foi. Apenas me afastei, observando os cacos de vidro no chão, era isso que acontecia quando eu tentava consertar as coisas, elas acabavam piores. Parecia ser só um velho senil, mas ele ter me chamado de monstro me afetou profundamente e andei cabisbaixo pela cidade, em direção à estrada intermunicipal com um semblante abatido.


Por onde quer que eu andasse, via cenas feias, mas nada que eu não já tivesse ouvido sobre o lugar. E dessa vez fui capaz de ignorar por conta da decepção anterior. A fome já estava me deixando fraco, sentia como se fosse desmaiar, fiquei tentado a usar meu poder para criar um lanche, mas preferi dar um jeito sozinho...


Ah... As circunstâncias me faziam pensar em várias coisas, mas a que mais passava pela minha mente era roubo. Eu poderia simplesmente roubar alguém e comer algo com o dinheiro dessa pessoa, certo? Não! Droga, isso era errado, será que eu não tinha aprendido nada com os erros daquele velho bêbado? Ele viva roubando para comprar bebida e o resultado é que eu sempre passava semanas sem vê-lo e com ausência completa de qualquer tipo de aviso, eu não queria me tornar alguém como ele... Isso... Eu não queria, mas... Mas a situação pedia. Eu não iria morrer de fome, sim... Esse era o único motivo para eu roubar, não é? Eu só estava tentando sobreviver mais um dia, isso não poderia ser tão errado. Saí rumo ao subúrbio, onde tinha certeza que podia achar alvos fáceis... Se eu não fosse depender dos meus poderes, ia depender de qualquer outra coisa para sobreviver.


Passei mais de três horas andando em direção ao subúrbio, onde, na frente do supermercado vi uma mulher passar com uma bolsa grande. Minha fome já estava consumindo por dentro e ela parecia presa fácil, então a segui pela calçada, silenciosamente, com malícia estampada no rosto e um capuz negro o cobrindo. Coloquei a mão no bolso do meu casaco, onde eu guardava um pedaço pontiagudo da janela que eu quebrara na casa e o segurei com firmeza, acompanhando cada movimento dela até que ela chegou no carro, parando logo em frente a ele. Ela começou a vasculhar a bolsa e parecer mais inquieta a cada instante, enquanto eu me aproximava devagar, ela seria minha primeira vítima...


- Droga! – ela resmungou, se virando. Seu rosto era idêntico ao de Melissa... Talvez eu estivesse delirando, quem sabe? Mas era idêntico. – esqueci as chaves! – a mulher agora andava em minha direção, mas não fui capaz de agir, paralisado pela semelhança. – garoto... Ei, garoto, acorda! – quando dei por mim, ela estava na minha frente estalando os dedos e fazendo sinais frente a meu rosto como para me tirar de um transe. – você está me olhando já faz uns dois minutos com essa cara de fome, eu estou ficando com pena de você. O que você tem? – demorei algum tempo, mas consegui responder a pergunta.


- É... É que estou com fome, senhora. Poderia me ajudar, por favor? – toda a perseguição à mais nova vítima tinha ido por água abaixo com apenas um olhar da formosa moça. Minha vontade de roubá-la não mais existia sequer... Mesmo que fosse por sobrevivência, não era mais uma opção. Parecia algum tipo de bloqueio, mesmo tentando, minhas mãos não se moviam contra aquele rosto.


- Olha, se você quiser, posso te pagar um sanduíche, você parece meio perdido... Longe de casa? -  ela me olhou serena e caridosa, fui compelido a aceitar.


- Sim, obrigado, senhora... – cedi quase sem hesitar.


- Me chamo Milena, prazer. Não me chame de senhora, me faz parecer velha. Agora vem aqui comigo, eu conheço um lugar bom. – eu a segui sem proferir qualquer palavra, mas ainda inquieto, ela era muito idêntica à Mel. Tanto que tive que segurar as lágrimas o caminho inteiro.


Chegamos então a uma lanchonete e ela me pagou um misto quente, nem sequer perguntou o que eu estava fazendo largado na rua ou notou que eu estava maltrapilho e malcheiroso, apenas foi caridosa e me ajudou a sair da minha situação... Se a semelhança já havia me impedido de assalta-la, agora sim eu realmente não teria qualquer condição. Ela me pagou um misto quente com manteiga e um suco de laranja e na primeira mordida, as lágrimas que batalhei tanto para segurar começaram a escorrer pelo meu rosto.


- O que houve, garoto? Por que você está chorando? Aconteceu alguma coisa? – ela pareceu genuinamente preocupada. – toma, pega um guardanapo...


- Não é nada, senhora... – ela soltou um olhar um pouco feio – Milena. – corrigi-me – muito obrigado por faze isso tudo por mim, você não tinha qualquer obrigação de me ajudar e mesmo assim... – voltei a comer calado e deixando cair a menor quantidade de lágrimas possível.


- Você é um fofo, garoto... Mas, escuta, foi bom falar com você e tudo, mas eu tenho que ir procurar as chaves do meu carro no mercado. Te vejo por ai... – ela se levantou e antes de sair, virou para mim – a vida tem altos e baixos, garoto, seja lá o que tiver acontecido, vai melhorar alguma hora. – e foi embora mandando um beijo no ar. Ela parecia ser uma pessoa incrível, queria ter tido a oportunidade de conhecê-la melhor e sob outras circunstâncias.


Terminando meu lanche, voltei andando para a cidade baixa, um pouco aéreo por conta do meu encontro anterior, tanto que não percebi o tempo passando e cheguei lá ao cair da tarde, quando normalmente o sol estaria escaldante, mas naquele inverno, estava escuro e fazia frio por conta do céu nublado. Andei pelos becos a fim de não me meter com as pessoas do lugar – que era bastante problemático. Movia-me por aqui e por ali e encontrei um beco que mais parecia um grande corredor... Andei nele por curiosidade, já que não tinha mesmo para onde ir, e próximo ao final, encontrei três homens encurralando outra pessoa. Era um beco sem saída e não tinha como ela correr... Era uma garota e ela parecia assustada, não conseguia ver bem as suas feições dali, mas conseguia ouvir seu choramingar, era como se ela clamasse por socorro... Mais cedo eu teria a ignorado, mas a bondade da Milena me inspirou e me fez disparar sem pensar duas vezes em direção aos homens. Se eu podia fazer algum bem eu não sabia, mas eu teria que pelo menos tentar.

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