O Guardião

Od JaqueBastos

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Quarenta dias após a morte de seu marido, Julie Barenson recebe uma encomenda deixada por ele. Dentro da caix... Více

Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 12
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 29
Capítulo 30
Capítulo 31
Capítulo 32
Capítulo 33
Capítulo 34
Capítulo 35
Capítulo 36
Capítulo 37

Capítulo 28

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Od JaqueBastos

Eles o prenderam? - perguntou Mabel sem acreditar.

Era segunda-feira e como Mabel tinha ido visitar o irmão em Atlanta, não soubera de nada até chegar naquela manhã. Durante os últimos dez minutos, Julie a havia deixado a par de tudo o que acontecera. Andrea estava ocupada estragando o cabelo de um homem enquanto se esforçava para ouvir. Não havia sorrido desde que Julie começara a falar e, quanto mais ouvia, mais queria dizer que Julie não sabia do que estava falando.

Richard não era perigoso! Mike o havia atacado. Além disso, Richard nem estava mais interessado em Julie. Andrea tinha certeza de que ele enfim vira a luz. E o romantismo! Ele a havia levado para a praia e eles conversaram! Durante horas! Richard até flertara com ela! Nenhum homem jamais a tratara com tanto respeito. E ele também era gentil. Pedira-lhe que não contasse nada a Julie para não ferir os sentimentos dela. Isso pareca coisa de quem comete assédio? É claro que não! Embora Richard tivesse se recusado a entrar quando finalmente a deixara em casa, Andrea estava radiante desde que havia acordado na manhã do dia anterior.

Julie deu de ombros. Seu rosto estava abatido e pálido, como se ela não tivesse dormido muito.

- Pete Gandy o interrogou por uma hora e ele ficou lá até Henry pagar a fiança.

Mabel pareceu desconsertada.

Pete Gandy? O que ele estava pensando? Não ouviu o que Mike dizia?

- Acho que não. Ele ficou tentando atribuir isso a ciúme. Queria saber o verdadeiro motivo de Mike ter atacado Richard.

- Você lhe disse o que estava acontecendo?

- Tentei, mas ele não achou relevante. Não para a acusação de agressão.

Mabel atirou sua bolsa sobre a mesa coberta de revistas.

- Ele é um idiota. Sempre foi. Nunca vou entender como conseguiu entrar para a polícia.

- Isso pode ser verdade, mas não ajuda Mike. Nem a mim.

- O que irá acontecer com Mike? Vai haver um processo?

- Não tenho a menor ideia. Mas acho que descobriremos hoje. Ele tem hora marcada com Steve Sides, mais tarde.

Steve Sides era o advogado de defesa local; Mabel conhecia a família dele havia anos.

- Boa escolha. Você o conhece?

- Não, mas Henry conhece. Espero que ele possa resolver alguma coisa com o promotor.

- Então o que você vai fazer? Com relação a Richard?

- Vou trocar o número do meu telefone hoje.

- Só isso?

- Não sei o que mais posso fazer. Pete não quis me ouvir, só disse que, se isso continuasse a acontecer, eu deveria registrar a ocorrência.

- Richard telefonou de novo no domingo?

- Não. Graças a Deus.

- E você não o viu?

- Não.

Do outro lado do salão, Andrea franziu as sobrancelhas, pensando: isso porque ele ainda estava pensando em mim. Agora pare de falar mal dele.

- Então você acha que foi tudo planejado, não é?

- Acho que sim, inclusive a noite de sábado. Inclusive eu. Acho que ele pensa que é tudo um jogo.

Mabel a olhou nos olhos.

- Não é, Julie - disse.

Demorou um pouco para Julie responder.

- Eu sei.


                                                       ***

- Como ele se portou? - perguntou Henry. - Durante o interrogatório?

Eles estavam sentados no escritório de Henry, com a porta fechada. Mike suspirou, indignado.

-  É difícil de explicar.

- Como assim?

- É como se ele já tivesse uma ideia formada de como tudo havia acontecido e nada que eu dissesse pudesse fazê-lo mudar de opinião.

- Ele não se preocupou com os telefonemas? Ou com o fato de Richard ter observado vocês antes?

- Não. Ele disse que Julie estava exagerando. Que as pessoas fazem compras e cortam cabelos. Que isso não é importante.

- E quanto à outra policial, a mulher?

- Não sei. Pete não a deixou falar nada.

Henry pegou o café e tomou um gole.

- Bem, dessa vez você realmente tem culpa - disse ele. - Não que eu o condene. Eu teria feito o mesmo se estivesse lá.

- O que você acha que vai acontecer?

- Bem, não acho que você será preso, se é o que quer saber.

- Não, não é isso.

- Quer dizer com Richard?

Mike assentiu.

Henry pôs a xícara de café de volta em sua escrivaninha.

- Gostaria de poder lhe dizer, maninho.


                                                                    ***

A policial Jennifer já estava farta de Pete e eles haviam trabalhado juntos por apenas uma hora naquela manhã. Ela precisou chegar cedo para terminar os registros de domingo que Pete não tivera tempo de fazer porque, como dizia: "Estou ocupado demais tentando proteger as ruas para ficar preso a uma escrivaninha durante o meu turno. E isso também a ajudará a aprender as regras."

Nas duas semanas em que estava trabalhando com ele, Jennifer não havia aprendido nada além do fato de que Pete ficava muito feliz em fugir do serviço burocrático para ter mais tempo  para levantar pesos na frente do espelho. Ela concluiu que o homem era um completo idiota quando se tratava de interrogar pessoas.

A noite anterior tinha sido um ótimo exemplo disso.

Não era preciso ser nenhum gênio para saber que Mike e Julie estavam apavorados e o motivo  não era Mike ter sido levado para  interrogatório no meio da noite. Não, eles estavam com medo de Richard Franklin e, se o que diziam era verdade, Jennifer achava que tinham razão em estar. Pete Gandy podia ter os instintos de um poste, mas o de Jennifer eram bem aguçados, embora tivesse acabado de concluir seu treinamento. Mas ela havia crescido ouvindo falar nesse tipo de coisa.

Jennifer vinha de uma longa linhagem de policiais. Seu pai, seu avô e seus dois irmãos, eram da polícia, embora todos ainda morassem em Nova York. Como ela tinha ido parar na Carolina do Norte era uma longa história, que envolvia universidade, um ex-namorado, a necessidade de deixar sua própria marca no mundo e o desejo de conhecer outra parte do país. Tudo isso havia se combinado uns seis meses antes, quando, num impulso, ela se candidatou à academia de polícia e, para a sua surpresa, foi aceita para uma vaga em Swansboro. Seu pai, embora orgulhoso por Jennifer "estar se juntando aos bos", ficou horrorizado por ela ir para a Carolina do Norte, "Todos eles mascam tabaco, comem canjica e chamam todas as mulheres de querida. Como uma bela garota italiana como você vai se adaptar por lá?"

O mais estranho foi que ela não só se adaptou como aquilo foi muito melhor do que ela havia imaginado, especialmente por que as pessoas, vai entender, eram tão amigáveis que acenavam para estranhos quando dirigiam. Na verdade todos eram ótimos, exceto Pete Gandy. Pelo canto do olho, ela o viu flexionando o braço de novo, fazendo o músculo saltar, e sempre que passava por outro carro acenava  com a cabeça para o motorista, como se dissesse: mantenha-se em velocidade baixa, amigo.

- Então, o que você acha da história de Mike Harris na outra noite? - perguntou Jennifer enfim.

Como foi apanhado no meio de seu aceno, Pete demorou um momento para perceber do que ela estava falando.

- Ah, bem, hum... ele estava arranjando desculpas - respondeu. - Já vi isso centenas de vezes. Todos acusados culpam o outro sujeito. Nenhum criminoso é culpado e, quando é, há uma explicação muito razoável para o que fez. Quando você aprender as regras, se acostumará bem rápido com isso.

- Mas você não disse que o conhecia e que ele sempre pareceu um homem tranquilo?

- Isso não importa. Lei é lei e vale para todos.

Jennifer sabia que Pete estava tentando parecer sábio, experiente e justo, mas nas duas semanas em que trabalhara com ele nenhum desses adjetivos pareceu se aplicar. Sábio e experiente? O cara considerava luta livre profissional um verdadeiro esporte e justiça não parecia constar de seu vocabulário. Uma das multas que havia aplicado por atravessar a rua de forma imprudente fora de uma senhora capengando em um andador, pelo amor de Deus! E na outra noite, quando ela abrira a boca para fazer uma pergunta a Mike Harris, Pete lhe fizera um sinal para se calar, comentando: "A mocinha ainda está aprendendo as regras do interrogatório. Não deem atenção a ela."

Se não estivessem na delegacia, ela o teria posto em seu lugar. Quase o pôs assim mesmo. Mocinha? Jennifer jurou que, quando acabasse o treinamento, faria Pete Gandy pagar por isso. De alguma forma ele pagaria.

Mas como tecnicamente ela ainda estava em treinamento, embora nos últimos estágios, o que podia fazer além de ferver de raiva? Também, essa não era a questão. Aquilo tudo tinha a ver com Mike Harris e Richard Franklin. E Julie Barenson, é claro. Depois que terminou seu turno, Jennifer não havia dormido bem por causa do que Mike e Julie disseram e do jeito de Richard, "tranquilo demais para não parecer estranho", ao ser interrogado.

Tinha a sensação de que Richard não era a vítima inocente. E Julie e Mike não lhe pareciam mentirosos.

- Mas não acha que pelo menos deveríamos investigar? E se eles estiverem falando a verdade?

Pete suspirou como se o assunto o entediasse.

- Então eles deveriam ter ido à delegacia registrar uma ocorrência. Mas não registraram. E admitiram que não tinham nenhuma prova. Ela nem tem certeza se era Franklin quem estava telefonando. O que acha disso?

- Mas...

- Provavelmente estão inventando. Olhe, foi uma boa captura e nós o repreendemos.

Jennifer tentou de novo.

- Mas e quanto a Julie Barenson? Ela parecia assustada, não acha?

- É claro que estava assustada. Seu namoradinho tinha acabado de ser preso. Você também ficaria. Qualquer um ficaria.

- Em Nova York, a polícia...

- Pete Gandy ergueu a mão.

- Chega de histórias de Nova York, está bem? As coisas aqui são diferentes. As pessoas tem um pouco de sangue quente por estas bandas. Quando você aprender as regras, verá que quase todas as discussões têm a ver com algum tipo de rixa ou vingança, e a lei não gosta muito de se envolver nisso, a menos que passe dos limites, como nesse caso. Além do mais, esta manhã, antes de você chegar, falei com o chefe e ele disse que tinha recebido um telefonema do advogado e eles estavam tentando resolver alguma coisa, portanto acho que a maior parte disso terminou. Pelo menos no que diz respeito a nós. A menos que vá parar na justiça.

Jennifer olhou para ele.

- Do que você está falando?

Pete deu de ombros.

- Foi só isso que eu te disse.

Outra coisa que Jennifer não conseguia suportar e Gandy era o fato de ele omitir informações sobre os casos em que trabalhavam. Esse era o seu modo de mostra que era ele que estava no comando.

Como Jennifer não disse nada, Pete voltou à sua rotina de acenar.

Jennifer balançou a cabeça. Imbecil, pensou.

No silêncio, ela voltou a pensar em Mike e Julie e se perguntou se deveria falar com eles de novo, de preferência quando Pete não estivesse por perto.


                                                                  ***

Henry estava em pé no escritório, ao lado de Mike, prestando atenção à conversa com o advogado. "Você deve estar brincando" foi seguido de "Você não pode estar falado sério" e "Eu não posso acreditar nisso!". Mike andava de um lado para o outro, seus passos pesados pontuados por olhares de incredulidade, e ficava repetindo essas frases. Por fim, parou e começou a dar respostas monossilábicas e então desligou o telefone.

Mike não se mexeu e não disse uma só palavra para Henry. Em vez disso, ficou olhando para o telefone, passando a,língua sobre os dentes.

- O que houve? - perguntou Henry.

- Ele disse que acabou de ter notícias do advogado de Richard Franklin - respondeu Mike.

- E?

Mike não conseguiu olhar para Henry. Estava virado para a porta, mas seus olhos não pareciam focados.

- Parecem que pretendem emitir uma ordem de afastamento contra mim até o caso ser resolvido. Disse que Richard Franklin me considera uma ameaça.

- Você?

- Também falou que pretendem mover uma ação cível contra mim.

- Você está brincando.

- Foi o que eu disse. Mas, segundo o outro advogado, Richard está zonzo desde aquela noite. Supostamente, no sábado à note ele achou que estava bem e podia ir para casa. Mas, na segunda-feira, estava com a visão embaçada e tão tonto que precisou chamar um táxi para levá-lo para o hospital. O advogado dele alega que eu lhe causei uma concussão.

Henry inclinou a cabeça para trás.

- Você lhe disse que Richard está mentindo? Quero dizer, nada contra você,  e tenho certeza de que a briga foi boa, mas pelo amor de Deus, uma concussão?

Mike deu de ombros, ainda tentando processar tudo aquilo e se perguntando como de repente as coisas tinham fugido ao controle. Dois dias atrás ele só queria que Richard parasse de incomodar Julie, Três dias antes nem pensava nele. E agora era considerado um criminoso porque fizera o que devia fazer.

Ele decidiu que o policial  Pete Gandy estava definitivamente fora da lista da festa de Natal. não que fosse fazer uma, mas se um dia fizesse, Pete Gandy não seria convidado. Se Pete o tivesse ouvido ao menos tentado entendê-los, nada disso estaria acontecendo.

Mike se levantou da cadeira.

- Preciso falar com Julie - anunciou, batendo a porta ao sair.


                                                           ***

Quando Mike chegou ao salão, Julie só precisou olhá-lo de relance para perceber que ele estava mais perturbado do que jamais o vira.

- Isso é ridículo - repetiu. - Quero dizer, de que adianta irmos à polícia se não podem fazer nada em relação a ele? Não sou o maldito problema aqui, ele é que é.

- Eu sei - disse Julie em um tom confortador.

- Eles não sabem que eu não inventaria nada do que tentei dizer ao Pete? Não sabem que eu não teria ido atrás de Richard se ele não merecesse? De que adianta estar do lado certo da lei se a polícia não acredita no que você diz? Agora eu é que tenho que me defender. Eu é que fui solto sob fiança. Eu é que preciso contratar advogados. O que isso diz sobre a justiça? Esse cara pode fazer o que quer, mas eu não posso fazer nada.

Julie não respondeu imediatamente e Mike também não pareceu precisar de resposta. Ela pegou a mão dele e a segurou até Mike se acalmar.

- Você está certo, isso não faz nenhum sentido - disse ela. - Sinto muito.

Embora o toque dela parecesse acalmá-lo, Mike não conseguia encará-la.

- Eu também - disse ele.

- Por que sente muito?

- Porque estraguei as coisas com a polícia. É com isso que estou preocupado. Posso lidar com qualquer coisa, mas e quanto a você? Por minha causa, a polícia não acredita na sua história. E se também não acreditar em mim ou em você no futuro?

Julie não queria mais pensar naquilo. Tinha passado a manhã inteira pensando. A coisa toda havia acontecido exatamente como Richard queria. Agora estava mais certa do que nunca que ele planejara tudo.

- Isso não parece justo - disse Mike.

- O advogado disse mais alguma coisa?

Mike deu de ombros.

- Só o de costume. Que ainda não há nenhum motivo para eu me preocupar.

- É fácil para ele dizer isso.

Mike soltou a mão de Julie e respirou fundo.

- Sim. - Ele pareceu cansado, derrotado, e Julie o olhou.

- Você ainda vai à minha casa esta noite?

- Se você quiser que eu vá. Se não estiver muito zangada comigo.

- Não estou zangada com você. Mas vou ficar se não for. Realmente não quero ficar sozinha.


                                                      ***

O escritório de Steven Sides ficava perto do palácio da justiça. Uma vez lá dentro, Mike foi conduzido para uma sala coberta de lambris, com uma grande mesa retangular e estantes repletas de livros de direito. Ele estava se sentando quando o advogado abriu a porta.

Sides tinha 50 anos, um rosto redondo e cabelos pretos que estavam ficando grisalhos nas têmporas. Seu terno era caro - um daqueles de seda, importados da Itália -, mas parecia amassado, como se ele não o tivesse pendurado da última vez que usou. Havia um inchaço em seu rosto que sugeria um hábito de tomar muitos coquetéis depois do trabalho, mas também havia uma firmeza em sua atitude que deixava Mike confiante. Sides falou devagar, com cuidado, medindo o efeito de cada palavra. Permitiu que Mike se lamentasse por alguns minutos antes de conduzi-lo, com uma série de perguntas, para a descrição dos fatos. Não demorou muito para Mike lhe contar tudo.

Quando ele terminou, Steven Sides pousou seu lápis no bloco de notas e se recostou.

- Como já falei ao telefone, neste momento eu não me preocuparia com a briga de sábado à noite. Em primeiro lugar, não estou certo de que o promotor público insistirá em um processo, por vários motivos. - Ele começou a enumerá-los, um a um. - Você tem ficha limpa, uma boa posição na comunidade e ele sabe muito bem que você conseguirá apresentar diversas testemunhas de seu caráter, o que torna improvável encontrar um júri que fosse condená-lo. E quando eu lhe disser o que o levou a fazer isso, o processo se tornará muito mais questionável, mesmo que não haja nenhuma prova do assédio. Isso ainda poderia influenciar o júri a seu favor,  e ele está ciente.

- Mas e a ação cível?

- Aí é diferente. Mas também não vai acontecer logo, se é que acontecerá. Se o promotor público não instaurar o processo, isso não será bom para a ação de Franklin. Se o promotor instaurar o processo e perder, isso também não parecerá bom. Provavelmente só entrarão na justiça se ele vencer o julgamento e, como eu disse, não imagino isso acontecendo. Você e Julie estavam com problemas e você reagiu. Não importa o que aconteça, a maioria das pessoas achariam isso bastante razoável. E a medida cautelar é só para chamar a atenção. Presumo que você não terá nenhum problema em ficar longe de Richard Franklin.

- Nenhum. Para início de conversa eu nunca quis me aproximar dele.

- Ótimo. Mas deixe-me lidar com o promotor, está bem? E não fale com a polícia de novo. Apenas mande vir falar comigo e eu cuidarei de tudo.

Mike assentiu.

- Acha mesmo que não preciso me preocupar?

-Não, pelo menos não por enquanto. Deixe-me falar com algumas pessoas e daqui a alguns dias lhe direi em que pé estamos. Se for para você se preocupar com alguma coisa, que seja com Richard Franklin.

Sides se inclinou para a frente, seu rosto sério.

O que vou lhe dizer fica apenas entre nós, está bem? E só estou fazendo isso porque você me parece um homem decente. Se comentar com alguém que lhe contei essas coisas, vou dizer que é mentira.

Depois de um momento, Mike concordou.

O advogado esperou, certificando-se de que tinha a total atenção de Mike.

- Há uma coisa que você deveria saber sobre a polícia. Ela é ótima quando se trata de roubo ou assassinato. É para isso que o sistema foi feito, para pegar pessoas depois do crime. Mesmo com todas as leis sobre assédio, não há realmente nada que a polícia possa fazer se alguém o escolher como alvo e tiver o cuidado de não deixar provas. Se uma pessoa está decidida a prejudicá-lo e não se importa com as possíveis consequências, você terá que lidar com isso sozinho.

- Então acha que Richard Franklin pode querer prejudicar Julie?

- A pergunta não é essa, mas: você acredita nisso? Se acredita, terá que estar pronto para lidar com isso. Porque, se a partir de agora isso piorar, ninguém poderá ajudá-lo.


                                                                       ***

A conversa deixou Mike se sentindo estranho. Estava claro que Sides era um homem inteligente e, embora Mike se sentisse melhor em relação à suas perspectivas legais, seu alívio fora neutralizado pelo aviso de Sides.

Aquela história com Richard havia acabado?

Mike parou do lado de fora de sua picape e pensou a respeito. Visualizou novamente o rosto de Richard no bar. Viu o sorriso e soube a resposta.

Aquilo não ia parar. Richard só estava começando.

E ao entrar lentamente na picape, ouviu a voz de Sides de novo.

Ninguém poderá ajudá-lo.


                                                                         ***

Mais tarde, Mike e Julie se esforçaram para ter a noite mais normal possível.

Compraram uma pizza a caminho de casa e depois assistiram a um filme, mas nenhum dos dois se deu o trabalho de esconder sua apreensão sempre que um carro passava pela rua. Mantiveram as cortinas fechadas e Singer dentro de casa. Até o cachorro percebeu o nervosismo deles. Andando pela casa como se estivesse fazendo uma ronda, não latiu nem rosnou. Quando fechava os olhos para cochilar, o fazia com uma orelha em pé.

A única coisa incomum na noite foi que pareceu quieta demais. Como o telefone de Julie havia mudado para um número fora da lista, não tocou. Ela decidira dar o novo número apenas para algumas pessoas e pediu a Mabel que não o divulgasse aos clientes. Ela achava que, se Richard não pudesse ligar, talvez entendesse a mensagem.

Jule se remexeu no sofá.

Depois do jantar, ela havia perguntado a Mike sobre seu encontro com o advogado e ele lhe contara o que Sides dissera - que não achava que Mike tinha muito com o que se preocupar. Mas, para o olhar vigilante de Julie, a atitude de Mike sugeria que Sides dissera muito mais do que isso.


                                                                ***

Do outro lado da cidade, Richard estava em pé ao lado da bandeja de produtos químicos do quarto escuro. Um brilho vermelho iluminava seu rosto enquanto ele observava a imagem surgir devagar no papel fotográfico. O processo ainda lhe parecia misterioso - fantasmas e sombras escurecendo e se tornando reais. Tornando-se Julie.

O olhos dela cintilavam no recipiente raso, brilhavam em tudo ao redor.

Sempre voltava para a fotografia, a única constante em sua vida. Olhar para a beleza da luz e das sombras refletidas na imagem, trazia uma sensação de objetivo, lembrando-o de que ele controlava seu próprio destino.

Richard ainda estava feliz com a outra noite. Sem dúvida, a imaginação de Julie estava solta. Mesmo agora, ela provavelmente se perguntava onde ele estaria, o que estaria pensando, o que faria depois. Como se ele fosse algum tipo de monstro, o bicho-papão dos pesadelos da infância. Sentiu vontade de rir. Como uma coisa tão terrível o fazia se sentir tão bem?

E Mike, atacando como a cavalaria. Tão previsível! Richard quase riu naquele instante. Mike não representava nenhum desafio. Julie por sua vez...

Tão emotiva! Tão corajosa!

Tão viva!

Estudando a fotografia à sua frente, Richard observou novamente a semelhança entre Julie e Jessica. Os mesmos olhos. Os mesmos cabelos. O mesmo ar de inocência.  No momento em que ele entrou no salão, achou que as duas poderiam ser irmãs.

Richard balançou a cabeça, sentindo a lembrança de Jessica atraí-lo.

Eles haviam alugado uma residência nas Bermudas para a lua de mel, não longe dos grandes resorts. A residência era silenciosa e romântica, com ventiladores de teto, móveis de vime branco e uma varanda com vista para o mar. Tinha uma praia particular onde podiam passar horas sozinhos ao sol, apenas os dois.

Ah, como ele havia ansiado por isso! Tirara dezenas de fotografias dela naqueles primeiros dias.

Richard adorava a pele de Jessica, lisa e macia, brilhante como uma camada de óleo. Mas no terceiro dia sua pele tinha começado a ficar bronzeada e ela estava deslumbrante com o vestido de algodão branco. Naquela noite, ele não queria nada além de tomá-la nos braços, despi-la lentamente e fazer amor com ela sob o céu.

Mas ela queria dançar no resort.

Não, dissera ele, vamos ficar aqui. É nossa lua de mel.

Por favor, pedira ela. Por mim. Fará isso por mim?

Eles foram e o resort estava barulhento e cheio de bêbados, e Jessica estava barulhenta e bebendo.  Ela começou a ficar com a fala arrastada e mais tarde cambaleou para ir ao banheiro. Esbarrou num homem jovem e quase derramou a bebida dele. O homem tocou no braço dela e riu. Jessica também riu.

Richard ferveu de raiva ao observá-los. Aquilo o constrangeu e o enfureceu. No entanto, disse a si mesmo que a perdoaria. Jessica era jovem e imatura. Mas ela teria que prometer que não faria aquilo de novo.

Naquela noite, quando eles voltaram para casa, Richard havia tentado falar com Jessica e ela não o ouvira. 

Eu só estava me divertindo, dissera. Você poderia ter tentado se divertir também.

Como eu poderia, se a mulher com quem acabei de me casar estava flertando com estranhos?

Eu não estava flertando.

Eu vi.

Pare de agir como um louco.

O que você disse? O que você disse?

Ai... me solte... você está me machucando...

O que você disse? 

Ai... por favor... Ai!

O que você disse?

No fim, ela o desapontara, pensou Richard. Julie o desapontara também.

No supermercado, no salão, no modo como desligara o telefone na cara dele.

Richard estava começando a perder a esperança, mas ela se redimira no bar. Não tinha sido capaz de ignorá-lo, não conseguira simplesmente se afastar. Não, pensou Richard, ela teve que falar comigo. E, embora suas palavras tivessem sido raivosas, ele sabia o que Julie realmente estava sentindo. Ela se importava com ele, pois a raiva e o amor não eram dois lados da mesma moeda? Uma grande raiva não era possível sem um grande amor... e ela havia demonstrado uma grande raiva.

Esse pensamento o deixou feliz.

Richard saiu do quarto escuro e foi para o quarto de dormir. Na cama, entre a profusão de câmeras e lentes, procurou o celular. Sabia que o telefone de sua casa poderia ser rastreado, mas precisava ouvir a voz de Julie esta noite, mesmo que apenas pela secretária eletrônica. Quando a ouvia, podia ver os dois no teatro de novo, as lágrimas nos olhos dela, e ouvia a respiração de Julie se acelerar enquanto o Fantasma decidia se deixava sua amada ir embora ou se ambos deveriam morrer.

Richard discou o número e fechou os olhos, na expectativa. Mas em vez da voz familiar de Julie, ouviu uma gravação da companhia telefônica. Desligou e ligou de novo, dessa vez com mais cuidado, mas ouviu a mesma mensagem gravada.

Richard olhou para o telefone. Ah, Julie, perguntou-se, por quê? Por quê?

                  

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