Sujo, imoral e inconsequente

By RafaelNasmart

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Sujo, imoral, inconsequente é um resumo do que acontece entre primos nessa história. Com predisposição à psic... More

Apresentação
Férias em Santos
A chegada
O reencontro
Passeio
A praia de água doce
O que havia de melhor naquele mato

Confronto

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By RafaelNasmart

Érica vagava desesperada pelos corredores da emergência do hospital. Seu cabelo castanho escuro longo esvoaçava, fino, tentando seguir os passos indecisos, mas determinados da mulher. Ela usava um vestido tubinho bege, uma bolsa preta sobre os ombros, com tamancos também pretos. O vestido era justo e desenhava o seu corpo com exageros de curvas e volumes. Não era uma mulher comum de se ver na emergência de um hospital público. Se vestia bem demais para o ambiente.

No entanto, não era uma mulher que ostentava luxúria além da aparência natural dela. Um colar simples de ouro pendia em seu pescoço fino e dois anéis no dedo anelar da mão esquerda, evidenciando a viuvez.

Viu, depois de muita busca, George numa maca dentro de um quarto, junto a outras pessoas. Ele estava sendo medicado com soro, e uma enfermeira ajustava a velocidade das gotas.

— George! — exclamou baixo, adentrando o quarto. Ao alcançá-lo, o encarou com os olhos esbugalhados.

— Dona Érica — disse o rapaz.

— Cadê ela? Cadê a Dani?

— Ela está fazendo raio-x agora.

— Como ela está? — prosseguiu a mulher.

— Bem. — A enfermeira saiu. Distante deles, pessoas tentavam colocar um idoso, que tivera AVC, numa cadeira de rodas para o banho e ele murmurava alto, não querendo parar sentado sobre o objeto.

— Eu vou cair — ele gritava alto.

Érica olhou por um instante para o senhor gordo e pelado e depois tornou com os olhos para o rapaz.

— Ela só cortou a testa — ele comentou.

— E você?

— Eu estou bem.

— E...

— George Barish Dias? — indagou um policial moreno escuro com outro moreno claro ao lado. Emergiram logo atrás de Érica e se colocaram ao lado da maca.

— Sim? — respondeu o moço.

O outro olhou para a Érica.

— A senhora é a mãe dele?

A mulher olhou para o rapaz e retornou com eles para o policial.

— Uma... conhecida.

— Pode me mostrar um documento? — continuou o moreno escuro para George.

O rapaz tirou hesitantemente a carteira do bolso, a abriu com ambas as mãos, buscando não dobrar o braço direito que estava recebendo soro, e entregou a identidade ao policial.

Ele deu uma breve conferida e logo bradou:

— Você está preso por tráfico de drogas e aliciação de menor. — O policial tirou duas algemas e ensaiou prendê-lo na maca. George balbuciou palavras, mas o policial continuou: — Foram encontrados no seu carro vinte e três tijolos de maconha.

George arfou e virou os olhos.

O policial começou a prendê-lo ali mesmo, sem qualquer resistência por parte dele. Érica deu um passo para trás e viu o moço sendo algemado e só olhando para ela. Pessoas no quarto se mantinham entretidas no acontecimento ali.

— Pode ir embora, dona Érica. Diz a Dani que eu estou bem — ele disse por fim.

Na mesma hora ela entendeu a mensagem, assentiu com a cabeça e disse:

— Direi sim a ela que você está bem. Vou mandar também o meu advogado pegar o seu caso. — Ela intercalou os olhos pelos policiais e mexeu com a cabeça uma vez, se retirando. — Senhores, tenham uma boa tarde.

Saiu dali já pegando o celular e discando alguns números. Chamou bastante vezes antes que um velho atendesse:

— Pai — ela disse, cruzando o corredor.

— Érica?

— Daniela se meteu num acidente de carro. O namorado dela foi abordado agora por dois policiais e vai ser preso. — Ela olhou para os lados, virando a esquerda e saindo da emergência.

— E ela está bem?

— Pelo visto sim. — Érica esperou se distanciar das pessoas para continuar. O sol ardia no céu. — Essa menina não tem juízo. Eu já não sei mais o que fazer com ela. Daniela só se envolve nessas coisas, papai.

— Você quer que eu apague vestígios de que ela esteve no carro com ele, não é?

A mulher arfou, olhando para os lados e se encostando numa parede. O quadril estava deslocado para o lado, acentuando ainda mais volume.

— Sim — respondeu após um tempo. — Ela vai ser presa por cumplicidade se não fizermos nada.

— Mas ela mexia com isso?

— É claro que não, papai! — exclamou a mulher, vagando para os lados com os olhos. — Mas ela sabia que ele mexia. — Encolheu os ombros, frustrada. — Eu meio que sabia também. — Respirou fundo. — Desconfiava, pelo menos.

— Entendi. Pode deixar.

Ela assentiu com a cabeça e continuou:

— Eu vou esperar ela sair do exame para leva-la para casa. Qualquer coisa eu te ligo de novo.

— Tudo bem, meu amor.

— Beijos, papai. Obrigada.

— Disponha. Tchau.

— Tchau.

Érica encerrou a ligação, arfou pesadamente e vagou com a cabeça para os lados, buscando ver a filha no meio das pessoas que se dispersavam por ali. Mas ela acabou por entrar na emergência. Precisava frear Daniela para não chegar perto de George agora.

Seu pai, Roberto Batista, era um sujeito metido a político. Fazia parte da Nata carioca, empresário de uma rede de lojas masculina, em parceria com sua esposa, que tinha outra rede de lojas femininas. Robertus e Latina Belle.

Ainda que com a influência e o capital para aplicar em suas campanhas, ele não erguia sua carreira política acima de um mero vereador.

Érica esperou longos minutos no lado de dentro da emergência até que, repentinamente, estatelou os olhos e deixou que o queixo pendesse de leve no rosto. No mesmo instante pegou o celular outra vez da bolsa, deslizou o dedo entre os vários contatos e ligou para outra pessoa.

O telefone tocou três vezes.

— Fazenda Vila Verde, boa tarde.

— Boa tarde, dona Adira — disse Érica com um sorriso no rosto.

— Dona Érica?

— Oi. Sim. Tudo bem com a senhora, dona Adira?

— Eu tava falano oto dia memo com a dona Edna que quem é vivu sempre apareci! — A senhora de voz falhada festejava do outro lado da ligação.

Érica se fez calada por alguns segundos.

— Sinto muito por termos nos afastado durante esse tempo.

— Eu brincando, minina. Num liga pru qui'eu digu não. É normal, uai! Todo mundu tein um jeitu di lidar com as coisa.

— Dona Adira, eu vou ligar depois. Vou manter contato. Neste momento mesmo eu gostaria de falar com a dona Edna. Ela está aí?

Óia! — exclamou a velha, desgostosa. — Ela saiu foi agorinha memo. Foi pru escritório lá da plantação.

Érica virou os olhos.

— Eu precisava falar com ela urgente — explicou. — A Dani teve um acidente.

— A Danizinha? E o qui q'ela tevi?

— Ela está bem, mas ela não pode mais continuar aqui em São Paulo. Nem no Rio com os meus pais. Ela precisa de um lugar para ter espaço de melhorar. E em cidade alguma ela vai se aprumar. Só metida no meio do mato mesmo.

— Ah... — Dona Adira se fez pensativa. — Eu vo mandar o Luciano ir atrás da avó deli pro'cês conversar.

— O... Luciano?

— É.

— E como está ele, dona Adira?

— Só a sinhora vendu memu pra ver. Ele se tornou um rapaz bunitu e grandi. Parece mais o pai e o tio quandu eram novu, sabe?

— Sei... Bom. Obrigada, dona Adira. Muito obrigada. Depois eu falo mais com a senhora.

Tudu bein, mia fia. Fica com Deus, viu? Coloca eli na frente di tudu e tudu vai si resolvê.

— Amém! Sim, vou fazer isso. Obrigada, dona Adira.

Di nada, minina.

Daniela apareceu longos minutos depois, vagando pela emergência à procura do namorado, mas no lugar de George, viu sua mãe.

— Mãe. — Caminhou até ela, mas foi vagando com os olhos pelos cantos. — A senhora viu o George?

Érica passou de leve a mão na testa da filha e afastou o cabelo loiro quase ruivo de Daniela para ver o estrago. As duas eram altas, mas a mãe era um pouco mais.

— Imagina se acontecesse algo pior? — indagou, decepcionada com a filha e soltando o cabelo dela.

— Mas não aconteceu — esclareceu Daniela, num tom seco. Seus olhos varriam a emergência à procura de George.

— E nem vai — garantiu a mulher.

Daniela a olhou com as sobrancelhas arqueadas.

— É claro que não! Um trovão não cai duas vezes no mesmo lugar.

— O que você acha que aconteceria comigo se você tivesse morrido nesse acidente, Daniela?

— Eu não morri! — a moça esclareceu.

— Eu perdi o seu pai num acidente, Daniela! — Érica exclamou. — Imagina perder você do mesmo jeito?

— Eu estou bem! — a jovem exclamou em baixo som, vagado com os olhos em volta.

— Está bem drogada, só se for! — sua mãe exclamou, desgostosa. Érica balançou a cabeça enquanto a encarava. Já Daniela balbuciou palavras, ofendida e balançada pelas palavras, mas não conseguiu dizer nada. — Você já foi liberada?

— Já — a moça respondeu num tom baixo de voz.

— Então nós vamos embora agora.

— Mãe...

— Quando chegarmos em casa...

— Me escuta! — ela pediu, alterando o tom de voz. — Eu não posso ir embora. Eu não sei como o George está, nem o João. — Apontou para trás. — E a Letícia teve traumatismo craniano. Ela está sendo operada às pressas. Eu não vou embora! Vou ficar aqui até saber que estão todos bem.

— A Letícia estava com vocês?

— É claro que estava! Nós iríamos para Santos comemorar a formatura da escola. Passaríamos o fim de semana no barco do papai.

— Eu sinto muito pela sua amiga, Daniela, mas você não vai ficar. O George foi abordado pelos policiais. O seu namoradinho traficante vai ser preso e se você ficar aqui você vai ser também.

A moça abriu a boca para continuar, mas não conseguiu.

— A gente vai embora agora — continuou a mãe — e quando chegarmos em casa eu quero que você faça as suas malas. Me ouviu?

Começou a andar para fora da emergência. A filha a seguiu, boquiaberta.

— O quê?

— Isso mesmo — retrucou, desgostosa, passando pelo vestíbulo da emergência e alcançando o pátio. O sol já pousava e um dourado alaranjado se alastrava belo pelo céu.

— A senhora me expulsando de casa?

Daniela não a seguiu mais.

— Tipo isso — respondeu. Em seguida parou e levou a mão à cintura enquanto encarava a filha, autoritária, para o próprio bem da garota.

— Não! — exclamou a jovem.

— Sim, eu estou, Daniela.

— Não. A senhora não pode. A casa também é minha. Eu tenho cinquenta por cento da herança do meu pai. Então vinte e cinco por cento da casa é minha, isso não considerando que sou sua única herdeira também.

— Eu não me importo de quem você é herdeira. Você vai tirar férias de casa por um ano.

A couraça da cabeça da moça foi puxada para trás em reação. Suas sobrancelhas já estavam arqueadas.

— Férias?

— Você vai para a casa da sua avó.

Daniela soltou uma gargalhada irônica.

Pro Rio? Que diferença vai fazer? O Rio fica bem ali.

— Não para o Rio. — Érica continuou a caminhar e Daniela a seguiu. Deu uma olhada para trás, vendo o hospital ficando para trás enquanto alcançavam o carro da mãe dela. — Você vai para o Mato Grosso. Vai ficar na fazenda da sua avó por um ano.

— Não, eu não vou!

— Sim, você vai, Daniela. Assim você vai perder parte dessa marra — a apontou por inteiro —; desse desinteresse pela vida...

— Eu não vou pra Mato grosso! — Daniela rodeou o seu próprio corpo, revoltada. — Quem dirá por um ano. — Apontou os dedos aos céus, rindo. — Eu vou começar o curso de nutrição ano que vem. Não tem chances de eu ficar um ano pra lá. — Gesticulou negativamente com a cabeça. — Não mesmo. Eu sou de maior, a senhora não pode me obrigar a fazer isso.

— Você vai, Daniela — garantiu sua mãe. — Se não for, você vai presa por ser cúmplice do seu namoradinho.

— Meu avô não deixaria eu ir presa — retrucou.

— Todo mundo está cansado desse seu jeito — Érica disse a olhando de cima a baixo com nojo no olhar.

Daniela riu, irônica.

— Não importa se todo mundo está cansado do meu jeito. Foda-se todo mundo! Essa família é mais podre que pau de galinheiro. Além do mais, o meu avô não deixaria que nada disso me acontecesse, porque ele querendo crescer na política. Ele não deixaria que nada manchasse a sua pose perfeita de figurão burguês carioca.

Érica sacou com fúria o celular da bolsa e mostrou a ligação que teve com ele minutos atrás.

— Eu falei com ele. — Daniela desgrudou os olhos do celular e alcançou os olhos castanhos escuro da mãe, feroz. — Eu disse que eu faria você responder por seus atos a partir de hoje e pedi para que ele não se intrometesse. Ele concordou. Mesmo hesitando um pouco.

— Duvido!

— Se você for para Sorriso e ficar um ano lá, o seu avô vai limpar a sua barra. Mas senão for, Daniela, você vai — apontou para o hospital — entrar lá e responder por suas inconsequências, sozinha. Como você disse, você já é maior de idade. — Érica deu de ombro. — Vai responder sozinha por seus delitos de agora em diante. Não vou mais ficar no meio de tudo.

— Mas, mãe! — Daniela exclamou alto, abrindo os braços. — E o curso de nutrição?

— Tira um ano sabático, pombas! — exclamou.

— Eu já sou atrasada um ano nos estudos. Mais outro é muita coisa.

— Problema é seu. Ou prefere jogar a culpa em mim por isso? — Deu de ombro. — De todo modo, eu não me importo mais. Estou te dando a sua última chance de tornar gente, garota. Se você não tomar jeito agora, eu lavo as minhas mãos. Só Deus sabe o quanto eu tento.

— A senhora fala como se fosse a melhor mãe do mundo. Quem passa e te escuta parece que a senhora tenta de verdade.

— Mas depois dessa última tentativa — Érica falou ao mesmo tempo em que a filha, só que mais alto. — Vou te entregar ao mundo, exatamente como você quer.

— Mãe! Enxerga o que a senhora está falando — gesticulava com as mãos. — É ridículo!

— Não fala assim comigo, Daniela! Ridículo é esse seu comportamento. — A olhou de cima a baixo. — Uma drogada que quase morreu hoje.

A moça abriu a boca para revidar, mas não achou palavras outra vez. Na verdade, sentiu-se nua com a pronunciação de sua mãe, e abaixou a sua posição naquela discussão. Vergonha era moleza para o que sentia ali. Sua mãe não estava errada: quem está sobre o efeito de droga é drogado, assim como quem leva uma surra está surrado. Mas até ali o peso da palavra drogada ela ainda não tinha percebido direito.

— Mas ele lá, mãe. — Seus olhos brilhavam, querendo chorar. — Meu tio Leandro lá. Não me faça viver isso. Não me faça ver ele agora, por favor.

— Não te ocorreu que uma hora ou outra você tem que ver ele?

— Falou a hipócrita! — explodiu a moça. Érica ensaiou para advertir sua filha, mas Daniela continuou: — Você vai me levar a Sorriso? Vai conseguir olhar nos olhos e falar normalmente com o gêmeo idêntico do seu marido morto depois de anos tentando evitar ele para todo o sentimento não vir a tona?

— Não fuja da conversa.

— Idem.

— Você vai a Sorriso e ponto final, Daniela! Sua avó te aceitou lá. Tudo já está resolvido — mentiu, esperando que sua ex-sogra a aceitasse. — Eu só estava esperando te ver para te dar a notícia.

Érica voltou a caminhar até seu carro, que não estava muito longe dali e Daniela a seguiu.

— Eu vou sozinha, eu acredito, né?

— É!

— Covarde!

Sua mãe virou o corpo e cortou o horizonte com o seu olhar ameaçador. Quase desceu do salto plataforma e se igualou a sua filha, mas se recompôs tão rápido quanto perdeu a compostura.

— Não me faça dizer e fazer coisas, garota. Você é quem está errada aqui. — Apontou para o carro. — Agora entra no carro e não quero mais ouvir nenhum piu. Você entendeu?

Daniela passou por ela, odiando ser aquela quem precisava obedecer, mas birrenta ficou quieta.

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