Só podia ser mentira.
Muita coisa tinha mudado desde a última vez que estava no acampamento, já esperava isso.
Mas descobrir que Argos havia sido demitido e Quíron também?
E que árvore de Thalia havia sido envenenada, exatamente como sonhei, suas folhas escurecendo e caindo?
Só podia ser mentira.
Nosso diretor de atividades havia sido trocado por um tal de Tântalo vindo do inferno, porque os deuses precisavam pôr a culpa em alguém inocente?
Como sempre.
O clima do acampamento era totalmente diferente do que me recordava da última vez.
Não se escutavam mais risadas e conversas, a única coisa que ouvi quando caminhei entre os chalés fora espadas sendo afiadas, campistas feridos sendo cuidados e o campo de treinamento cheio de crianças que deveriam estar aproveitando suas férias no único lugar onde estariam seguras.
A atmosfera de perigo era nítida, não conseguia enxergar ninguém sorrindo, e pelo que havia entendido, não iria.
Então me perdoem, mas não estava com paciência para responder as perguntas que o ciclope que Percy trouxe conosco fazia sobre tudo que via enquanto caminhávamos levando os feridos para Casa Grande.
Tínhamos conseguido algum pouco tempo para explicar a Tyson que éramos filhos dos deuses, ainda bem que não questionou muito sobre, em compensação...
— O que é aquilo? – era a quarta vez que apontava e cutucava Percy para perguntar algo
— Hum... aquilo são os banheiros. – respondeu sem muita animação, provavelmente de saco cheio
— E aquilo?
— Os chalés dos campistas. Se não sabem quem é seu pai olimpiano, você é deixado no chalé de Hermes... aquele marrom logo ali... até que se descubra. Então, quando já sabem, juntam-no ao grupo de seu pai, ou mãe.
— Você tem um... chalé? – o ciclope olhou abismado com o fato
— O número três. – meus olhos acompanharam quando apontou para a cabine de Poseidon, não muito distante da minha
Olha-la novamente depois de tanto tempo fez com que me perdesse nos pensamentos.
Ao total, éramos três, três “ erros ”. Zeus e Poseidon haviam rompido o trato feito com Hades sobre não ter mais filhos e tanto a minha existência quanto a de Percy e Thalia acabaram surgindo.
Imaginava o que Thalia sentiu ao descobrir que somente sua existência fora a maior falha de nosso pai, pensava sobre ela ter passado por isso sozinha, sem conseguir encontrar alguém que estivesse na mesma situação, como eu e Percy.
Saber que o peso de sua vida poderia destruir milhares.
Isto era doloroso.
Carregar este fardo sozinha me parecia algo como uma tortura, talvez ter sido transformada em uma árvore não fosse o melhor a ser feito, porém o fato de não ter mais esse peso consigo fosse aliviante.
— Pônei?
Sai do transe que havia me instalado ao escutar Tyson dizer, sabendo de quem falava sobre.
Quíron voltou seu olhar até o ciclope com uma expressão ofendida. Escutava suas músicas favoritas de 1960 no seu alojamento da Casa Grande.
Corri para abraçar o centauro, Percy e Annabeth ao meu lado.
— Quíron, o que está acontecendo? Não está... indo embora? – a voz dela estava trêmula, sabia que ela o considerava um segundo pai
Quiron despenteou o cabelo de Annabeth e lhe deu um sorriso bondoso.
— Olá, criança. E Percy, ora vejam! Você cresceu esse ano! – ele abraçou o garoto, lançando um olhar para mim. — Muito bom ver você também, Hydra.
— Clarisse disse que você foi... foi...
— Despedido. – os olhos de Quíron brilharam com um humor soturno. — Ah, bem, alguém tinha de levar a culpa. O Senhor Zeus ficou muito aborrecido. A árvore que ele criou do espírito de sua filha foi envenenada! O sr. D precisava punir alguém.
— E é claro que buscar o culpado não seria o correto... – murmurei entre dentes
— Quer dizer: se não fosse ele. – escutei Percy resmungar
— Mas isso é loucura! – exclamou Annabeth. — Quíron, você não poderia ter nada a ver com o envenenamento da árvore de Thalia!
— Apesar disso, – suspirou Quíron. — alguns no Olimpo não confiam em mim agora, dadas as circunstâncias.
— Que circunstâncias? – perguntei.
O rosto de Quíron se anuviou. Ele enfiou um dicionário latim- inglês no alforje enquanto a música de Frank Sinatra soava no micro system.
Tyson ainda encarava o centauro, como se quisesse o acariciar, o que seria engraçado se não dada a situação.
— Quíron. – Jackson falou. — E a árvore? O que aconteceu? – ele sacudiu a cabeça com tristeza.
— O veneno usado no pinheiro de Thalia é algo do Mundo Inferior, Percy. Alguma peçonha que eu nunca tinha visto. Deve ter vindo de um monstro das profundezas do abismo do Tártaro.
— Então sabemos quem é o responsável. Cro...
— Não invoque o nome do titã, Percy. Especialmente não aqui, e não agora.
— Mas no último verão ele tentou causar uma guerra no Olimpo! É óbvio que é idéia dele. Ele convenceu Luke a fazer fazer aquilo, a me envenenar e a tentar matar Percy, aquele traidor.
Tinham muitas coisas que odiava.
Mas: Traição? Isso pra mim não seria perdoado. Nunca. Ainda mais quando você confia tanto na pessoa que a idéia te dá calafrios? Isso era o que Annabeth havia sentido ao descobrir sobre Luke, e eu consiga imaginar sua dor sem muita dificuldade.
— Talvez. – disse Quíron. — Mas infelizmente estou sendo responsabilizado porque não evitei que acontecesse e não consigo curá-la. A árvore tem apenas algumas semanas de vida, a não ser... – ele se calou
— A não ser o quê? – perguntou Annabeth.
— Não. – disse Quíron. — Um pensamento tolo. O vale inteiro está sentindo o choque do veneno. As fronteiras mágicas estão se deteriorando. O próprio acampamento está morrendo. So uma fonte de mágica seria forte o bastante para anular o veneno, e ela foi perdida séculos atrás.
— O que é? – disse tão rápido quando Percy
Quíron parou a música que tocava, olhando em meus olhos e não de Jackson.
— Vocês tem de me prometer que não vão agir precipitadamente. Disse às suas mães que não queria que vocês viessem para cá este verão. É perigoso demais. Mas agora que está aqui, fique aqui Treine muito. Aprenda a lutar. Mas não vá embora.
— Por quê? – perguntei. — Não é como se eu fosse deixar o acampamento cair em pedaços sem tentar fazer nada...
— Eu temo que isso aconteça. – disse Quiron. — Que sejam invadidos por monstros... Mas não pode simplesmente fazer algo sem pensar, pode ser uma armadilha do Senhor dos Titãs. Lembre-se do último verão! Ele quase tirou sua vida.
Eu sabia disso.
Sabia que não deveria sair.
Que não deveria tentar ajudar já que minha vida valia demais.
Mas eu não me importava comigo, sim com meus amigos, com minha família, com quem eu amava.
Eu não iria deixar o acampamento cair aos pedaços e o observar de longe fechar o único lugar onde eu pod ria ser eu mesma por ao menos um verão, ao lado das pessoas que eu gosto, fazendo o que eu gosto.
Eu não permitiria.
Annabeth estava se esforçando muito para não chorar, conseguia imaginar o que se passava em sua cabeça. Quíron enxugou uma lágrima da bochecha dela.
—Quiron... – disse Annabeth. — Você me contou que os deuses o fizeram imortal somente enquanto você fosse necessário para treinar heróis. Se eles o demitem do acampamento...
— Jure que fará o melhor que puder para manter Percy e Hydra afastados do perigo. – insistiu ele. — Jure pelo rio Styx.
Até eu estava chorando, não tinha ideia do porquê, mas estava.
— Juro... juro pelo rio Styx. – disse Annabeth
Trovejou do lado de fora.
A promessa selada.
— Muito bem. – disse Quiron. Ele pareceu um pouquinho mais relaxado. — Talvez meu nome seja limpo, e eu retorne. Até lá, vou visitar meus parentes selvagens, em Everglades. É possível que eles saibam de algum tratamento que eu tenha esquecido para a árvore envenenada. De qualquer modo, ficarei no exílio até que esse assunto seja resolvido... de um jeito ou de outro.
Annabeth sufocou um soluço. Quíron lhe deu umas palmadinhas desajeitadas no ombro.
— Vamos, vamos, criança. Preciso confiar sua segurança ao novo diretor de atividades. Precisamos ter esperanças... bem, talvez eles não destruam o acampamento tão depressa quanto temo.
— Afinal, quem é esse tal de Tântalo?... – não tive tempo de reclamar, ele me abraçou forte
— Vão logo. – disse Quiron. — Vou entrar em contato com a mãe de vocês, e avisá-las de que vocês estão em segurança. Sem dúvida, elas devem estar preocupadas a essa altura. Só não se esqueçam do meu aviso! Vocês correm grave perigo. Não pensem nem por um momento que o senhor dos titās os esqueceram!
Com isso, ele saiu do apartamento batendo os cascos e desceu para o vestíbulo.
Todos tinham uma expressão triste, choravam mesmo que disfarçando, e eu não fazia diferente.
༄
Meu chalé estava empoeirado, exatamente como havia o deixado, me refiro a poeira quando digo.
Algumas pequenas coisas que guardei no meu colchonete não estavam mais lá, uma cama feita de concreto e desenhada como nuvens estava no lugar onde costumava dormir, o aroma do lugar continuava igual, úmido como uma chuva pendente de aproximando de nossas cabeças.
Odiava passar muito tempo lá, mesmo que o ambiente fosse exatamente tudo que mais me fazia sentir confortável, a presença da estátua do meu pai me fazia nervosa, ser encarada daquela forma era irritante mesmo que pra uma estátua parada.
Por isso, não passei muito tempo por lá, só troquei meu uniforme sujo do colégio militar, pondo uma blusa laranja do acampamento e um short jeans que estava dobrado sobre a minha cama, o cheiro florido indicando que Silena havia feito esta gentileza a mim.
Sai do meu chalé com o sol ainda aparecendo, mesmo que começando a sumir por trás das montanhas, o que significava que tinha alguns minutos antes do jantar.
— Ei! – reconheci a voz atrás de mim, Percy tinha uma expressão para baixo enquanto se aproximava
— Ah, oi.
Não via Tyson por perto, o que me dizia que ele havia conseguido deixar o ciclope entretido o bastante observando os pegasus
— Então... Como você tá? – ele questionou, estava inquieto, nitidamente mexido pela saída repentina de Quíron
— Levando. E você?
— Mais ou menos, só quero saber quem é esse tal de Tântalo e por que ele substituiu o Quíron. – era uma preocupação digna
Metade dos olimpianos eram desgraçados.
A outra metade também, por isso, seria bom saber com qual desgraçado ficaríamos sendo supervisionados por.
— Acho que vamos saber agora... – murmurei ao ouvir a trombeta de concha que indicava o jantar
Estava apreensiva, preciso admitir. Conseguia sentir que Percy também, talvez por conhecer ele o suficiente ou por ter observado sua reação ao som que ecoou.
Reação que me surpreendeu, não por ele ter agarrado em seus dedos o colar em seu pescoço exatamente como eu fazia, mas sim pelo colar em seu pescoço ter como pingente o anel que havia o dado por engano da última vez que nos encontramos, exatamente como o seu ficava no meu colar.