— Michael sempre foi muito previsível, mas desta vez ele me surpreendeu... — Rebbie me encarou de cima a baixo através de seus óculos de leitura.
— E-e eu não esperava que tivesse alguém aqui. — Gaguejei me sentindo cada vez mais nervosa.
— Então somos duas. — Ela soltou uma risada fraca antes de retirar seus óculos.
Rebbie ainda parecia com a menina que vi naquela fotografia com James, mas agora ela parecia ainda mais magra, com um olhar triste e distante. Me sinto tensa, mas ela não parece se importar com a minha presença tanto quanto eu estou me importando com a dela
— Eu sou...
— Deena Jones, eu sei. — Me interrompeu sem se importar, entrelaçando as mãos em seu colo.
— Como você sabe? — Me aproximei cautelosamente até me sentar na poltrona ao seu lado.
— É uma...
— Por favor, não me diga que é uma longa história, eu estou cansada de ouvir isso de todos. — Agora foi a minha vez de interrompe-la. — Rebbie, certo? — Ela assentiu. Suspirei. — Há uns meses atrás eu encontrei uma fotografia sua com James no escritório dele no Chicago 1945. Algo me diz que vocês eram bem próximos e só você pode me confirmar isso...
Rebbie me encarou um pouco surpresa, mas logo tratou de desviar seu olhar para um algum ponto no chão.
— Você realmente quer saber? — Voltou a me encarar.
Assenti.
— Sim! — Respondi com toda a confiança ainda existente em meu corpo.
Sem mais mentiras. Eu preciso saber.
— Nós éramos casados. — Ela soltou de uma vez.
Arregalei meus olhos sentindo o sangue sair do meu corpo. Minha primeira reação foi levar as mãos trêmulas até os lábios, tentando controlar o choque, mas sem sucesso.
— C-como? — Foi a única coisa que consegui dizer.
Ela fechou os olhos por alguns segundos, suspirando, antes de enfim abri-los novamente. Pegou os óculos e os colocou novamente.
— Começamos a nos relacionar ainda na adolescência, tínhamos apenas quatorze anos e éramos inseparáveis. Meu pai o tinha como filho e o genro dos sonhos. Nos casamos aos dezessete... — Sua voz começou a embargar e então ela deu pausa para respirar.
— E-eu não acredito isso. — Me levantei nervosa. — Isso não pode ser real. — Passei minhas mãos nervosamente pelo rosto.
— Deena...
— Não! — Aumentei meu tom de voz. Levantei meu dedo indicador pedindo para que ela parasse. — Não quero mais ouvir!
— Você corre perigo. — Rebbie disse calma.
— Eu não quero saber! Eu não quero ouvir! Chega! Isso é demais pra mim! — Com o pouco de força ainda existente em meu corpo, andei de um lado para o outro com as pernas trêmulas.
Meu estômago queima. Sinto que a qualquer momento irei vomitar em seus pés.
— Chega! — Ela disse firme. Parei meus passos, assustada. — Pare de fugir da realidade, me deixe te ajudar.
— P-por que? — Meus lábios tremeram. Não posso chorar agora. — Eu estou tão cansada, Rebbie. Talvez, se me matarem, eu finalmente terei o meu descanso, a minha felicidade que durante todos esses anos me foi roubada.
Desabafei liberando um soluço. Os olhos de Rebbie se enchem de lágrimas assim que proferi a última frase. Uma frase tão simples, mas tão recheada de sentimentos e dor. Muita dor.
Arrastei meus dedos pelas bochechas, limpando rapidamente minhas lágrimas. Esse não é o momento de chorar.
O olhar de Rebbie sobre mim, diferente dos demais, não é um olhar de pena, é um olhar maternal. Me sinto sozinha, envergonhada, nua e indefesa, assim como um bebê que acabara de nascer.
Os olhos escuros de Rebbie, mesmo através dos óculos de grau, tentam se comunicar comigo em uma forma de tentar expressar "Vai ficar tudo bem, eu estou aqui."
O ranger da porta atrás de mim fez meu corpo se enrijecer. Prendo a respiração e fechei meus olhos fortemente por alguns segundos antes de abri-los. Rebbie manteve seus olhos presos à mim com sua expressão calma.
Passos se tornaram cada vez mais próximos e o cheiro amadeirado atravessou minhas narinas. Meu corpo travou em pânico. O que Michael irá dizer? O que ele irá pensar ao me ver com sua irmã? O que Rebbie dirá?
— Deena? — Sua voz ecoou um pouco longe. Suave como uma canção.— Amor, volte para a cama.
Seus passos se aproximavam cada vez mais. Olhei para todas as grandes janelas de vidro tentando buscar formas de fugir, mas como?
Vejo a nevasca cair cada vez mais forte no lado de fora, o que me faz crer que provavelmente as janelas estejam soterradas em meio a neve.
Voltei a olhar para Rebbie tentando buscar alguma ajuda. Ela é a minha única salvação, mas a irmã de Michael nada disse, apenas assentiu lentamente com a cabeça antes de voltar a sua posição inicial.
— Deena... — Ouvi a voz de Michael ao meu lado.
Ele me achou.
Me virei calmamente, assistindo Michael caminhar até a mim em passos lentos. Um sorriso de canto está instalado em seus lábios. Mesmo com o rosto amassado de sono, ele parecia feliz ao me ver.
— O que está fazendo aqui, amor? Perdeu o sono, foi?
O corpo magro de Michael finalmente parou à minha frente. Seus dedos percorreram o meu do pescoço até minhas bochechas, acariciando-as.
O encarei completamente atônita. O homem a minha frente franziu a sobrancelha em tremenda confusão antes de, então, deslizar o seu olhar para o nosso lado.
— Jesus! — Ele exclamou, assustado, me soltando rapidamente. — O que você está fazendo aqui?
Rebbie levantou o livro em a mão direita.
— O que você faz aqui — Os olhos dela me encaram rapidamente. — Com ela?
— Rebbie... — Michael me encarou envergonhado antes de virar-se para a irmã novamente.
Rebbie balançou a cabeça em negação e depositou o livro de volta à mesa. Com cuidado, ela agarrou a bengala de madeira escura, que durante todos esse tempo esteve apoiada na poltrona e se levantou, vindo em nossa direção.
A cada passo lento de Rebbie, Michael se enrijecia. Seus dedos se apertaram em punho e seu maxilar travou. Em todos esses meses, eu nunca vi Michael tenso assim. Nem mesmo quando esteve de frente com James.
— Me desculpe. — Michael abaixou a cabeça. — Apenas me desculpe. Por tudo.
O que?
Rebbie engoliu o seco também abaixando sua cabeça. Um suspiro longo e sofrido fugiu de sua boca antes de levantar a cabeça novamente. Seus dedos finos percorreram os ombros largos do irmão seguindo sua nuca, onde afagou os cachos em um ato de carinho.
— Mike. — Sua voz doce fez com que Michael levantasse a cabeça. — Não peça desculpas.
Assisti tudo curiosa e ainda um pouco assustada. Rebbie mais uma vez prendeu seu olhar ao meu e então os levou calmamente de volta para o irmão.
— Eu tenho medo de errar como errei com você. — Michael respondeu trêmulo.
— Ela é sua chance de redenção. É a sua chance de se livrar dos fantasmas passados. — Sua voz baixa, porém firme.
Michael virou seu rosto em minha direção. Vi seus olhos brilharem feito as chamas de uma lareira aconchegante em um dia frio. Senti meu corpo se aquecer e meu coração errar algumas batidas.
— Cuide dela. Ela precisa de você. — Rebbie acariciou seu ombro.
— Eu preciso dela. — Ele sussurrou quase por um fio.