Histórias Para Gaivota Dormir

Autorstwa MarceloQuinaz

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Dez histórias de pessoas, interligadas ou não, unidas por um fato, a cidade em que vivem. Więcej

0 - Oi
1 - O Piano
2 - Lembrança é um prato que se come à tarde
3 - Crime sem castigo
4 - Aquarela
6 - N.J.L.
7 - Expectativa
8 - Promessas de ano novo
9 - Realidade
10 - Noite Feliz (ou nem tanto...)

5 - Correio Elegante do Século XXI

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Autorstwa MarceloQuinaz

Entro na loja de doces naquela tarde de quinta. A cor laranja do Sol refletindo na fofa bancada de doces da loja da dona Leia. Espero algum atendente sair da cozinha para me atender, mas minha cabeça não está muito ali. Finalmente tinha entrado de férias, aquele cronograma do primeiro ano estava me matando! Eu estudo em uma das escolas mais conceituadas da cidade, e isso é ótimo, mas demandava alguns esforços. Além de ter que acordar às seis para andar a cidade toda até o centro (onde a escola era localizada), o ritmo lá era bem puxado. Eu tinha me mudado para aquela escola há três anos, mas, aparentemente, no ensino médio, tudo dava um reboot e nós que nos virássemos para pegar o ritmo novamente.

Uma garota sai de dentro da portinha da cozinha, seus cabelos castanhos presos num coque dentro da touca transparente. Ela usava um avental branco com uma flor no centro (a logo da loja) e, quando ela se aproxima, percebo que, por trás de seus óculos, grandes olhos verdes me encaravam. Seu batom rosa claro combinava com o esmalte de suas unhas, tão claros que pareciam até naturais de seu corpo, já que o subtom da sua pele era um pouco mais puxado para um areado, um pouco mais bronzeado que meu bege esbranquiçado. Ela sorri para mim e pergunta:

— Boa tarde, senhorita, o que vai querer? — Ela dá um sorriso amarelo.

— Eu não te conheço, você é nova aqui? — Pergunto.

— Sim, comecei no começo do mês. Deu tão na cara que sou novata?

— Não —, rio. Ela sorri também. Um frio na barriga surge, de repente. — É só que eu venho aqui com certa frequência e nunca te vi. Por isso perguntei.

— Ah, sim. Também era uma cliente assídua antes de me tornar funcionária daqui —, ela diz, orgulhosa. — Estou surpresa que nunca te vi, já que você diz que sempre vem aqui.

— Vai ver a gente vem em horários diferentes —, sorrio.

— Pode ser, eu normalmente vinha de manhã. Enfim, o que você vai querer...

— ...Amanda.

— Amanda! Bonito nome.

— O seu também, Emília —, digo, sorrindo, apontando para seu crachá. Eu não me cansava de sorrir. — Eu vou querer um latte e um bombom de chocolate branco.

— Você gosta desse bombom? Eu nunca vejo ninguém que gosta!

— É meu favorito!

— Meu Deus, o meu também!

— Caramba, eu realmente nunca encontro ninguém que gosta dele, achava que era a única.

— Eu também —, ela diz, voltando da porta da cozinha, onde tinha deixado o papel com meu pedido. Ficamos falando sobre nossos favoritos do menu até meu pedido chegar. — Certo, Amanda, nosso papo tá bom, mas eu preciso trabalhar, infelizmente. Aqui está seu bombom e seu latte —, ela me entrega uma sacola de papel marrom com uns desenhos feitos à mão por ela e um copo de plástico de café. — Volte sempre —, sorri e volta para a cozinha.

Pego meu pedido e saio da loja. No caminho de volta para a casa, abro a sacola para pegar o bombom. Acabo encontrando uma surpresa agradável dentro dela. Um bilhetinho de Emília:

Oi, Amanda-que-gosta-de-bombom-de-chocolate-branco

Achei você muito legal e interessante, vamos conversar mais?

Aqui meu número, se quiser: 9981-0042

Pego meu celular e meu bombom enquanto caminho de volta para casa, sorrindo. Ao chegar em casa, mando uma mensagem. Fico uns bons minutos pensando no que dizer. Como parecer legal, mas sem parecer maluca? Qual a coisa certa a dizer? Como seria sua resposta? E se ela mudasse de ideia e não respondesse? Meu Deus, o que estava acontecendo comigo? Eu nunca tinha me sentido assim, insegura. Principalmente com uma garota. Eu faço amigas o tempo todo, ser interativa nunca foi um problema para mim, por que eu estava assim com ela? Ela não tinha nada de diferente das outras. Quer dizer, ela era bonita, parecia ser legal, quando eu fiquei perto dela, meu rosto se recusava a parar de sorrir e, quando ela sorria de volta, eu sentia um sentimento estranho. Um sentimento que eu só tinha sentido com garotos até agora... É só que eu nunca tinha me imaginado desse jeito com garotas... Claro, tem umas garotas que são tão bonitas que mexem com a gente, eu as beijaria sem problema nenhum, mas, isso acontece com todo mundo. Não? Eu tinha conhecido garotas em festas que me falavam que queriam me beijar e tal, mas elas diziam que eram hétero, só queriam testar coisas novas.

Abro meu computador e fico pensando um minuto. Como eu poderia pesquisar aquilo sem soar como uma burra? "O que fazer quando passei a vida inteira gostando de garotos e agora, aparentemente, estou gostando de uma garota?". Cristo isso parece tão idiota. Abro o Google e pesquiso: acho que sou lésbica, mas gosto de garotos também. Tantas respostas aparecem, deixam-me até confusa:

Heterossexualidade compulsiva: sintomas

Falso lesbianismo no cinema

Apaixonei-me por uma lésbica, e agora?

Queer Baiting e Pink Money na indústria musical

Artistas LGBTs para você conhecer

Tento assimilar tudo isso, tenho que ler tudo duas vezes para entender bem. Um em específico me chama a atenção: bissexualidade. Uma pessoa que se sente atraída por todos os gêneros. Não sabia que isso era possível. Conceito interessante. As outras coisas, as que realmente valem de algo não se encaixam no que eu sinto. Eu nunca tinha sentido que me apaixonava por garotos por sentir que seria melhor aceita por todo mundo. Meus pais sempre se mostraram totais apoiadores das questões acerca de sexualidades. E não é como se eu ligasse para a opinião dos outros. Ok, eu poderia ter me reprimido por conta das pessoas que eu sempre andei. Digamos que o grupo das patricinhas não é muito receptivo com esse tipo de coisa. Mas, ainda assim, eu não sentia que tinha namorado com os outros meninos como forma de me encobrir ou algo assim. Eu tinha sentido as mesmas borboletas com eles, a vontade de sorrir... Não que eu precise me rotular agora, é só que, se entender antes de querer começar qualquer coisa com alguém é importante, mas, eu nunca me baseei nas coisas importantes, de qualquer forma. Por isso, mando um "oi :)" para Emília.

Ela só respondeu à noite, quando saiu do trabalho. Mandou um "oi, tudo bem?" meio tímido. Eu também estava meio nervosa, por isso respondi que sim, perguntei se estava tudo bem com ela e só aí a conversa fluiu:

Você: Então, Emília-que-também-gosta-de-bombom-de-chocolate-branco

Você: O que mais você quer conversar?

Emília <3: Ah, quando a gente conhece uma garota tão bonita e legal quanto você, sabe...

Emília <3: Não se pode perder a oportunidade

Você: Aham, hahaha

Você: Me sinto da mesma maneira

Emília <3: Mas falar por aqui não é a mesma coisa :(

Você: Concordo

Emília <3: E qual a sua solução?

Você: Quer sair?

Você: Tipo, amanhã?

Emília <3: Putz, amanhã não posso

Emília <3: Tenho trabalho

Você: E sábado?

Emília <3: Sábado está perfeito!

Você: Certo, agora vou dormir para... não sei para que, estou de férias

Emília <3: Hahahaha, boa noite ;)

Você: Boa noite <3

Tomo um banho, coloco um pijama e caio na cama antes mesmo das nove da noite. Sem fome, estava feliz demais para isso. Também não estava exatamente cansada, só queria passar pelos próximos dias logo.

A sexta-feira demora a passar. Sabe quando você é pequeno e descobre que vai ao cinema daqui dois dias e, de repente, esses dois dias parecem ter se transformado em dois meses, de tanto tempo que parece demorar? Assim que eu estava me sentindo. As férias pareciam ter se transformado em inúteis já que, sem escola e sem amigos (pois estavam todos viajando), não tinha muito a se fazer. Tentei ler, mas estava muito ansiosa para isso. Assisti alguns filmes, mas eles acabavam muito rápido e as séries demoravam muito para acabar, mais do que eu precisava. Eu pensei em passar na loja de doces, mas pensei melhor e não passaria a impressão que eu gostaria. Só quando minha mãe e meu padrasto chegaram do trabalho à noite que eu realmente tive algo para fazer. Eles tinham trazido pizzas e queriam jogar jogos de tabuleiro. Eu realmente estava ansiosa demais para prestar atenção em jogos, mas resolvi jogar. Minha mãe percebeu que estava meio distante e me perguntou o que estava acontecendo:

— Mãe, você já sentiu algo por alguém que nunca achou que sentiria? — Falo, meio desconfiada.

— Sim, gostei do meu melhor amigo na oitava série. Ele tinha namorada... Por quê? — Ela responde, bem objetiva. Com minha mãe é assim.

— É que acho que estou gostando de uma garota —, digo, tímida.

— Amanda! Isso é muito descolado, eu sempre soube que faltava algo em você —, meu padrasto disse.

— O quê? — Perguntei.

— Ah, é que você adora músicas antigas, tem esse seu estilo diferente, mesmo andando com as patricinhas da escola. Sabia que faltava algo. Agora que você é lésbica faz muito mais sentido...

— Esse é o ponto —, digo e, automaticamente, me arrependo. Não sei se estava a fim de uma lição agora. Mas, agora que já comecei... — Eu não sei se sou lésbica. Eu gosto de meninos.

— Filha —, minha mãe diz, depois de lançar um olhar repreendedor para meu padrasto. — Sexualidade é algo muito vasto. Quando me formei em pedagogia, antes de me especializar no mundo dos sindicatos, eu estudei bastante sobre sexualidade no período da pré-adolescência e adolescência. Existem várias configurações, nomenclaturas, tipos e comunidades para se identificar. Porém, acho que você deveria experimentar para ver como vão ser as coisas com essa menina antes de querer se rotular. Aproveite o momento na mesma medida em que você for se conhecendo melhor.

— Acho que você tem razão. Obrigada, mãe e pai, isso foi estranho —, subo para o quarto, depois dos jogos, ainda com essas questões na cabeça. Acho que farei o que minha mãe disse.

Abro meus olhos naquele sábado me sentindo meio desanimada, daquele jeito em que se acorda no sábado ao meio-dia. Então me lembro de meus planos à tarde. Queria pular, cantar, gritar e dançar, mas tudo que faço é sair sorrindo pela casa, dando bom dia para qualquer ser ou objeto que aparece em minha frente. Tínhamos marcado o encontro para às três e meia, no parquinho do bairro, então, logo depois de almoçar, tomo um bom banho e passo as próximas duas horas me arrumando. Saio de casa às três em ponto, caminho até a praça, que é relativamente perto. Chegando lá, compro um sorvete de limão e tomo enquanto a espero. Ela chega às três e trinta e quatro, de bicicleta. Estava usando uma blusa de manga curta amarela. A ponta das mangas eram vermelhas. Também usava uma calça legging preta com um tênis preto e vermelho. Rio da combinação de cores. Ela me pergunta o que houve, digo que não é nada. Seu cabelo castanho caía sobre os ombros, uma parte para frente e para trás. Ela ainda usava os mesmos batom e esmalte rosas claro.

— Vamos passear um pouco? — Ela pergunta, tirando-me de meus pensamentos. Concordo e começamos a andar.

Andamos o parque todo duas vezes, conversando. Conto um pouco da minha vida pré-padrasto, com meu pai nojento e abusivo na capital. O episódio que fez com que ele e minha mãe se separassem (meu pai, bêbado, partiu para cima dela, achando que ela estava traindo-o), a mudança para cá, meu doce padrasto, quem eu considerava meu verdadeiro pai, mesmo ele sendo meio coruja, minha dificuldade com o horário novo do colégio e minhas amizades que não tinham nada a ver comigo, mas que eram legais ainda assim. Falo também sobre meu desejo de fazer advocacia, que provavelmente faria na capital.

Ela também conta sobre sua vida. Morou sempre aqui, com os pais, estudou sempre na mesma escola, não tinha muitos amigos mas gostava muito dos que tinha, amava seus pais, só sentia que seu pai não a entendia muito bem. Também diz que seu sonho é fazer gastronomia no exterior. Nós éramos diferentes, mas isso era animador e, nas nossas diferenças, conseguíamos nos entender.

Depois de andar pelo parque da segunda vez, Emília vira para mim e diz:

— Meu Deus, eu estou cansada. Minha boca também está seca —, ela estende a língua para fora, como um cachorro. Acho graça. Ela parecia mesmo ofegante. — Será que tem água por aqui?

— Acho que não —, digo. — Vamos fazer assim, vem até minha casa, aí você descansa um pouco antes de ir para a sua.

— Sua casa é muito longe? — Ela me lança um olhar desanimado.

— Não, é umas duas quadras daqui.

— Então, tá. Vamos —, ela sorri. — Quem chegar por último perde —, sobe em cima da bicicleta e sai.

— Ei! Isso é roubo! — Saio correndo atrás dela, rindo.

Eu acabo vencendo. Ela para uma quadra depois do parque, dando-se conta que não sabe onde é a minha casa. Passo correndo por ela e chego primeiro. Ao chegar na porta, sento no chão e coloco minha cabeça entre as pernas, tentando recuperar o fôlego. Emília chega alguns segundos depois, dizendo:

— Posso ter perdido, mas pelo menos tenho meus pulmões intactos. Pode abrir? Eu preciso ir ao banheiro. — Levanto, ainda ofegante, e destranco a porta.

Depois de Emília tomar a água e eu recuperar meu ar, mostro a casa para ela e então voltamos para a sala de estar. Pergunto se ela quer ver um filme, porém ela diz que está muito tarde para isso, que ela teria que ir embora antes de terminar. Então pergunto se ela quer ir embora. Ela me diz que está muito cedo para isso.

— O que sugere que façamos, então? — Pergunto, um pouco irritada.

— Pensei que nunca fosse perguntar! — Ela dá um sorriso malicioso. — Nós vamos jogar "Pergunta ou Desafio", uma versão de verdade ou desafio para que nos conheçamos melhor. Se não quiser responder a pergunta, tem que cumprir um desafio. Entendeu?

— Sim... — Digo, apreensiva.

— Ok, eu começo. Qual a pior coisa que você já pensou? — Ela diz, sentando-se no chão.

— Eita —, percebo que ela não estava brincando. — Bem, uma vez eu pensei em fugir de casa, quando eu ainda morava com meu pai. Eu tinha onze anos e as coisas em casa não estavam nada bem, então eu planejei fugir para a casa de uma amiga. No fim das contas eu acabei desistindo.

— Deve ter sido difícil essa fase, né? — Ela me olha, com pena.

— Você nem imagina... Ok, minha vez. Qual o maior segredo que você tem?

— Esse é fácil. Eu escondo dos meus pais que eu gosto de garotas. Também tive um caso com uma garota no ano passado.

— Sinto muito —, digo, com pena também. Então percebo como isso é horrível. Resolvo tomar uma atitude. — Espero que seja diferente daqui pra frente.

— Comigo? — Ela pergunta, entendendo minhas intenções.

— Eu topo tudo —, digo, e então percebo que possa não ter passado a impressão que eu queria.

— Mas já? — Ela ri. Fico corada.

— Você que sabe —, resolvo tomar coragem.

— Posso mandar um desafio?

— Pode... — Digo, apreensiva.

— Desafio você a me beijar.

Aproximo-me dela e começamos a nos beijar. Seu batom rosa claro tem gosto de morango doce e recém colhido. Suas mãos passam pela minha nuca e me fazem arrepiar. Ela era experiente no assunto e, acho que eu podia me considerar uma novata que pegava as coisas bem rápido. Só depois do primeiro, segundo, terceiro e quarto beijo que percebemos que estava tarde e que ela precisava voltar para casa. Acompanho-a até a porta de mãos dadas. Na saída ela diz:

— Tem um carro vindo nessa direção. Acho que são seus pais. Melhor eu ir.

— Relaxa, eles não se importam com quase nada. Até falei do nosso encontro para eles —, ela sorri, aliviada.

— Acho que sei o lugar ideal para nos encontrarmos a partir de agora. O lugar onde poderei ser eu mesma por pelo menos um tempo —, sorrio para ela, mas me sinto meio triste por dentro. Ela me dá um selinho, sobe na bicicleta e volta para casa. Observo-a fazer o caminho de volta para a casa. A Lua subindo no céu. Sua silhueta em frente a Lua daria uma boa pintura...

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