Como a liza estava muito mal, eu fiquei com medo de que algo de ruim acontecesse com ela, então resolvi apelar pro David.
—– Oi, grandão.
Sentei do lado dele no refeitório e notei pelo seu semblante que ele também não estava bem.
—– Seja lá o que for dizer que não seja nada sobre a liza — Se adiantou.
Respirei fundo e ele suspirou.
—– Precisa falar com ela.
Ele virou o rosto para o outro lado, indiferente.
—– David, é sério, ela está sofrendo muito por causa da sua rejeição, e sinceramente eu estou preocupada com a saúde dela, e eu não sei mais o que fazer, nem o que dizer — Desabafei, quase chorando.
Ele se levantou por impulso e me encarou aborrecido.
—– Ela não pensou nisso quando beijou aquele cara, ficou com ele...na moral, ela sempre quis ficar com ele e não comigo, e ela conseguiu não foi, só que eu não sou trouxa...
—– David, ela errou na questão do beijo, mas o resto foi tudo na base da ameaça, ela ficou com medo e...
Ele riu com ironia.
—– Você acha mesmo que conhece ela, não é? acha que um mês é dois anos? esse é o tempo que liza e eu estamos juntos, dois anos... e eu a conheço suficiente para saber que ela quis tudo isso, ela procurou agora tá se fazendo de vítima...
—– David, ela não está...
—– Porra, Ana, não fode — Ele esmurrou a parede, furioso, me fazendo arregalar os olhos, assustada.
Ele olhou em volta e percebeu que todos estavam olhando pra gente, inclusive o Fred que levantou da cadeira por impulso, provavelmente com receio que ele me fizesse algum mal.
Mas eu sabia que o David era incapaz de fazer mal a alguém. Ele pode ser forte e grande, mas tem o coração puro.
Ele só estava sob pressão, e não estava sabendo lidar muito bem com isso.
Uma lágrima rolou pelo meu rosto.
Eu realmente estava sentindo o peso daquilo nas costas, eu queria muito que eles voltassem.
Tudo que eu queria era ver o sorriso no rosto dos dois novamente.
Eu só não queria ver a liza sofrendo, queria que a sua dor parasse de alguma forma, mas não tem como controlar tudo.
Ele esfregou o punho machucado, em seguida fechou os olhos por um instante e respirou fundo, se sentando novamente.
—– Olha Ana, as coisas já estavam bem ferradas entre liza e eu, antes de você aparecer, a gente namora a um tempão e eu nunca fui a casa dela, eu nem sequer conheço o pai dela, ela convive com o meu todos os dias, eu até já marquei um jantar em família lá em casa e ela nunca foi, tudo que ela faz e me enrolar, simplesmente eu estou cansado disso, sabe?
Agarrei as suas mãos e encarei os seus olhos castanhos.
—– Então aproveita e abre o jogo, conta pra ela como você se sente, resolve tudo de uma vez
Ele ficou calado me olhando, depois as lágrimas invadiram seus olhos.
—– Não dá, a gente já era — Ele afastou a mão chateado.
—– Dá sim, não é bom ficar colecionando mágoas, vai por mim.
Senti a intimidade de acariciar o seu rosto e ele se entregou ao meu toque.
Em seguida segurou firme a minha mão e beijou os meus dedos, depois me encarou.
—– Tá, eu prometo que irei tentar, obrigado.
Um sorriso de esperança se formou em meus lábios.
Ele se levantou mais calmo, e em seguida me abraçou.
Bom, senti meus pés fora do chão, porque ele precisou me levantar pra fazer isso.
Mas no fim foi bom ter sido abraçada por ele.
Tinha receio dessa conversa acabar piorando tudo, mas eu estava torcendo para um final feliz.
Assim que ele saiu, eu fiquei ali rindo sozinha.
—– Keith, a conselheira amorosa.
Ouvi uma voz familiar, e quando levantei os olhos vi que era o Fred.
Ele está ouvindo a nossa conversa.
—– Oi — Falei ainda sorrindo, e ele pareceu se incomodar com isso.
Ele se sentou do meu lado e só sua presença fez o meu corpo arrepiar, abaixei a cabeça constrangida assim que seus olhos se encontraram com os meus.
—– Tenho que ir pra aula — Fiz menção de levantar, mas ele agarrou o meu braço, fazendo o meu corpo estremecer
—– Não, fica.
Por mais tentador que esse convite seja, eu não posso arriscar perder uma aula por conta disso.
Insatisfeito, ele se levantou e puxou o meu corpo contra o seu, e o meu coração disparou subitamente.
—– Fred, não faz isso.
—– Isso, o que? eu não estou fazendo nada — Suspirou, segurando o meu rosto e olhando nos meus olhos depois pra minha boca.
Me afastei assim que senti o calor incendiar o meu corpo.
—– Eu realmente preciso ir.
—– Se fosse o David, você não teria resistido, não é? — Ela falou nas minhas costas.
—– O que? — Me virei e o encarei indignada.
—– Eu vi você toda cheia de intimidade com ele
—– Eu estava consolando ele, é diferente.
—– Sei, consolando.
—– Olha, eu nem vou perder o meu tempo discutindo com você, porque tenho aula, o que eu adianto é que deveria tomar muito cuidado com as suas palavras.
Ele riu com sarcasmo.
—– Sobre o que vocês estavam conversando?
—– Não te interessa.
—– Só porque conseguiu resistir a um beijo meu, se sente no direito de me ofender — Ele falou sério.
—– Eu não te ofendi, você se ofendeu sozinho, e aliás você é um intrometido, querendo se meter onde não foi chamado, além de deduzir o que você não sabe — Falei irritada sentindo o meu corpo ficar agitado.
Ele me olhou de cima a baixo, mas dessa vez não sorriu, apenas me desafiou com o seu olhar intimidador coberto de fúria.
Como se declarasse uma guerra naquele momento.
Idiota.
Dei de ombros e fui em direção a minha sala, suspirando por ter escapado por pouco das suas provocações.
Deixei pra ir na casa da Liza outro dia, queria dar um espaço para que David e ela pudessem conversar melhor e se entenderem, sem nenhuma intervenção.
Quando eu estava indo em direção ao ônibus, notei alguns garotos perturbando o Simon, e aquilo fez brotar uma raiva dentro de mim.
—– Ei, deixe-o em paz — Gritei de longe para o grupo de garotos covardes.
Mas eles o empurraram no chão, e o agrediram com chutes e ponta pés.
Então eu corri na direção deles, mas eles foram mais rápidos e fugiram.
Eu me aproximei do Simon que estava caído no chão e senti muita pena dele.
Havia um pouco de sangue em seu rosto.
Ele começou a vasculhar o chão com o olhos fechados procurando alguma coisa, e eu percebi que ele estava procurando pelo seus óculos que estavam um pouco distantes dele.
Abaixei e apanhei o mesmo e o entreguei em sua mão, ele pegou com dificuldade em seguida colocou nos olhos rapidamente.
—– Quer ajuda para se levantar?
—– Não precisa — Disse, irado. Era a primeira vez que o vi assim.
Mas ele se atrapalhou todo na hora de se levantar, e eu o segurei antes dele tropeçar novamente.
—– Ana, me deixa, caralho — Ele falou se esquivando.
—– Não, eu vou com você.
Ele não reclamou mais depois disso, mas pelo seu comportamento deu pra vê que ele estava um pouco incomodado com a minha presença.
Acompanhei ele até o ônibus, e depois até a sua casa, não queria deixa -lo sozinho, não depois do que aconteceu. Afinal ele estava mancando, e estava machucado.
Quando a sua mãe abriu a porta, ela arregalou os olhos assustada.
—– Filho, o que aconteceu?
Ele não respondeu, apenas passou por ela, que o acompanhou com olhos sem entender nada e depois olhou pra mim esperando uma explicação.
—– Alguns garotos bateram nele.
—– Meu Deus! — Levou as mãos até a boca, chocada — Bando de covardes, olha, menina, se fosse por mim, Simon nem estaria estudando, sabe, mas ele é teimoso, vive querendo ultrapassar limites.
—– Eu entendo, mas se quiser posso ficar de olho nele.
—– Não, melhor não, Simon é muito orgulhoso, se ele souber que botei alguém pra vigiar ele, nunca vai me perdoar — Ela falou olhando pra trás e depois se virou pra mim — Ele quer fazer as coisas do jeito dele, mas eu agradeço a sua preocupação.
—– Por nada, senhora, eu gosto muito do Simon, e só quero o bem dele.
—– Fico muito feliz em saber — Ele sorriu.
A mãe do Simon me tratou super bem, até me convidou para entrar, mas eu recusei dizendo que precisava estar em casa mais cedo para ajudar minha mãe com o almoço.
Mas na verdade eu não queria invadir o espaço do Simon, ele precisava de um tempo sozinho para refletir sobre o que aconteceu hoje com ele, e esse também não é um bom momento para conhecer a sua casa.
Haverá outras oportunidades.