A Dama do Luar: Bruxas Vitori...

Bởi BC_Siqueira

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HISTÓRIA COMPLETA NA AMAZON 🌙 Genevieve Johnson guarda um segredo. Escondida sob o véu da noite, protegida p... Xem Thêm

Nota da Autora
🌒 PROMESSA 🌘
🌒 PRÓLOGO 🌘
🌒 CAPÍTULO 2 🌘
🌒 CAPÍTULO 3 🌘
🌒 CAPÍTULO 4 🌘
🌒 CAPÍTULO 5 🌘
🌒 CAPÍTULO 6 🌘
🌒 Nota da Autora 🌘
🌒 Bruxas Vitorianas na Amazon 🌘

🌒 CAPÍTULO 1 🌘

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Bởi BC_Siqueira

Liverpool, 1863

Ethan Hamilton resmungava ao adentrar o pub que costumava frequentar, próximo ao porto. Deus, jamais em toda vida encontrou-se tão encurralado quanto naquele instante.

A única coisa que um homem podia orgulhar-se de se obter, era sua liberdade. Era um direito assegurado pela lei, não era? E ele estava prestes a perder a sua tão estimada liberdade; teria algemas restringindo-lhe os pulsos, ou um anel dourado em seu dedo, para ele não havia nenhuma distinção.

Afundou os dedos nos cabelos castanhos, como se pudesse resolver seus problemas ao bagunçar os fios. Nada! Nenhuma ideia lhe vinha! Isso era absurdo, uma vez que seu maior trunfo era a habilidade de encontrar soluções onde os demais não enxergavam saída, entretanto, nessa situação em específico, não identificava uma mísera janela ou porta aberta por onde poderia saltar, somente via as barras de ferro de sua futura prisão.

- Hey! - O amigo acenou para ele, de uma mesa próxima à janela.

Ethan, sem escolhas, se arrastou até Will, tomando o assento diante dele, fazendo com que algumas gotas de cerveja caíssem do caneco quando balançou a mesa ao sentar.

William Carter ostentava sua melhor pose despreocupada de quem jamais teria que despender reflexões sobre empregos ou sobre casamentos que não o agradassem. Will, que obtinha toda a sorte de ter nascido em uma família detentora de uma soma considerável de bens, e que além de tudo respeitavam suas decisões, foi de certa forma, protegido de alguns aspectos mais duros da vida.

- O que há, homem? Está tão atordoado que mal me viu aqui. - Franziu as sobrancelhas, analisando-o.

- A viúva deu-me um ultimato.

- Ora essa, pelo que eu soube ela estava prestes a torná-lo seu herdeiro legítimo. - Sorveu um pouco da bebida, recostando-se relaxado na cadeira, em uma postura completamente oposta a de Ethan, que estava tão tenso quanto uma corda esticada.

Sim, era verdade. A viúva não possuía filhos e era proprietária de uma grande porção de terras e negócios, os quais Ethan administrava. Em quase dez anos, tornou Whitewood Grove uma das propriedades mais rentáveis de Liverpool; e obteve a aprovação de sua empregadora, Sarah Whitewood, para tanto.

A viúva era conhecida por possuir um humor que oscilava entre o amargo e o ácido, mas as maneiras elegantes e o charme de Ethan foram suficientes para conquistá-la. Ainda assim, Sarah demonstrava um singular apresso em torturá-lo; em um primeiro momento, o fez crer que todos os seus esforços seriam recompensados, para no outro, colocar uma condição absurda para se obter o prêmio.

- Caí nos ardis dela. - Bufou. - Prometeu deixar Whitewood Grove para mim, sabe como amo a propriedade. E agora...

- Agora o quê? - Will instigou, fitando-o com os olhos azuis brilhando de divertimento.

- Quer que eu me case!

- Mesmo?

- Infelizmente sim.

- Bem, ela possui certa razão em fazê-lo - ponderou.

- Não venha me dizer que concorda.

- Sabe que correm diversas especulações sobre você tê-la seduzido.

Uma propriedade tão grande estar nas mãos de um empregado tão jovem, despertava inveja e a língua dos invejosos.

- Isso não é verdade e especulações pouco me incomodam.

- Decerto devem incomodá-la. - Deu de ombros.

Will estava certo, além disso, quando Sarah colocava algo naquela cabeça dura, dificilmente a ideia a abandonava. Sabia que a viúva queria que Ethan pedisse sua sobrinha em casamento, mas ele jamais fora apaixonado por Beatrice, longe disso. Chegaram a trocar alguns beijos em um ponto do passado, e desde então a moça fixou-se a ele. Não a culpava, de qualquer forma, a culpa era dele próprio por ter sido tão idiota.

Sempre buscou deixar claras as suas intenções, que não passavam de um fulgor momentâneo, mas não foi o suficiente para fazer Beatrice desistir de tentar prendê-lo em um compromisso. Como se arrependia da noite em que deixou-se levar pelo uísque e o clima agradável do baile, para apoderar-se dos lábios de Beatrice; se pudesse regressar no tempo, impediria a si mesmo de sucumbir aos desejos, não era mais um rapazote para não controlar seus impulsos.

- Seja honesto, é tão ruim assim a ideia de se casar? - Will questionou.

- Sabe o quanto prezo pela minha liberdade.

- Então terá que escolher entre ser livre e possuir Whitewood Grove.

- Veja só quem fala... pelo que me recordo, você é tão convicto de sua condição de solteiro quanto eu.

- De fato. - Um sorriso esperto se delineou por seus lábios. - Admito ter mais esclarecimento lidando com os seus dilemas do que com os meus.

- Podemos ver que sua hipocrisia é algo extraordinário que necessita de estudos mais aprofundados.

Permitiram-se dividir algumas risadas.

- Deve haver um número generoso de damas de desejam serem chamadas de Sra. Hamilton. Beatrice, por exemplo... - Will fingiu inocência ao citar o nome, mas a fala não passava de uma clara provocação.

- Brinque o quanto puder, saiba que não esquecerei. Quando precisar de ajuda futuramente, o tratarei com a mesma cortesia.

- O casamento já começou a deixá-lo sensível, meu caro. Cuidado, pode ser irreversível. - Cobriu o sorriso com o caneco.

Ethan ignorou o comentário e sinalizou para que alguém viesse atendê-lo, contudo, o estabelecimento estava cheio, e nenhum funcionário parecia disponível.

Conheceu Will em um carteado em Londres, na época em que nutria genuíno apresso às jogatinas. Ethan não era de família nobre, tampouco era de origem miserável, considerava-se comum, invisível à sociedade. O pai, através de seus serviços contábeis, conseguiu juntar dinheiro suficiente para proporcionar ao seu filho único bons estudos, mas após a morte de sua mãe, Ethan sentia-se perdido. Vagueava frequentemente pelas noites, entre jogos, bebidas e mulheres; até que o pai, um homem severo, recusou-se a amparar tal estilo de vida.

Foi então que Will, notando o raciocínio rápido de Ethan, ofertou a possibilidade de trabalho em Liverpool. Não tinha nada a perder e sequer pensou antes de aceitar a proposta. Mas, ao conhecer a propriedade e vê-la prosperar, passou a criar laços afetivos com ela, jamais experimentou semelhante fenômeno antes, nem mesmo nas cartas e nos amores de somente uma noite.

- Granville? - William chamou, fazendo Ethan regressar das divagações. - É bom vê-lo. - Elevou o caneco em um brinde.

Ethan virou-se na cadeira, observando o homem que havia se aproximado do balcão do pub, e que no momento, levantou a mão em um aceno simples, visivelmente constrangido, cumprimentando Will, que se mantinha contraditoriamente tranquilo, enquanto todos ali presentes exibiam diversos graus de desconforto. As conversas animadas cessaram em um curto espaço de abrir e fechar de olhos.

O Conde de Granville terminou a bebida em um trago, deveria ser algo forte, pois ele contraiu ainda mais as expressões após engolir. Suas vestes eram completamente pretas, assim como seus cabelos, e ressaltavam a palidez de sua pele. Deixou o copo vazio no balcão, acertou as contas e saiu feito um espectro, mais demônio do que homem, sob os olhares curiosos. Em conjunto, todos soltaram a respiração, ao passo que pequenos burburinhos surgiam, um zumbido baixo como uma colmeia.

A garçonete realizou um sinal da cruz, olhando para a porta e estremeceu ao colocar um caneco de cerveja diante de Ethan, ele se recordou de que ainda não havia feito seu pedido, mas não ousou corrigi-la, uma vez que compreendia o estado de nervos alterado da jovem. A presença atormentada do Conde de Granville tinha a habilidade de macular qualquer atmosfera.

- Envergonhou seu amigo - Ethan censurou. - Ele não parecia querer ser reconhecido.

- Samuel?

- Se é tão íntimo do conde para tratá-lo pelo nome de batismo.

- Tive intenção de convidá-lo para a mesa, mas é claro que ele não aceitaria.

- Deveria ser mais cauteloso ao se aproximar dele, conhece os rumores.

Ethan preocupava-se, o amigo possuía um coração demasiadamente generoso, que o levava a crer que os demais também conservavam tal virtude.

- E rumores são exatamente o que são: rumores.

- Alguns são fundamentados em uma reserva de verdade.

- Samuel é recluso, deprimido e apenas isso, por esses motivos vou visitá-lo às vezes.

- Não confie tanto em alguém que carrega a alcunha de assassino.

William riu e bebeu, confiante.

- Jamais me enganei sobre o caráter de qualquer pessoa. Acertei sobre você, não foi?

- Muito bem. - Ethan achou melhor desistir de alertá-lo. - Por que será que ele veio até o porto? Sequer me recordo da última vez que o vi sob a luz do dia. - Estreitou os olhos ao divagar.

- Eu o aconselhei a participar do leilão.

- Que leilão?

- O leilão de esposas. Soube que a Princesa Delphine aportaria pela manhã, trazendo algumas mulheres. - Seu rosto se contraiu em uma careta de desgosto, frente a prática que ambos consideravam pouco louvável.

Capitão Marchall tinha uma fama que precedia a de simples transportador de mercadorias, o homem costumava vender esposas. Certamente aquele tipo de negócio não estava de acordo com a lei, mas considerando-se que desquites representavam dores de cabeça ao parlamento, os leilões eram submetidos a "vistas grossas". Assim, Marchall encontrou uma brecha entre aqueles que queriam livrar-se de suas esposas e aqueles que queriam comprá-las, e ainda lucrava com isso.

- Não deve ser fácil para ele encontrar uma dama disposta a desposá-lo - refletiu sobre o conde.

- Nem todos dispõem da sorte de terem uma mulher como Beatrice aos seus pés. - Piscou.

Ethan fez questão de ignorar a provocação; preferindo voltar o olhar para movimentação exterior, através da janela, enquanto o amigo continuava bebendo despreocupadamente. Alguns cavalheiros se aproximavam do palanque de madeira, onde provavelmente ocorreria o leilão. O estômago de Ethan revirou, um sabor ácido tomou seu paladar, pobres mulheres infortunadas...

Sentiu um certo impulso, como se fosse uma coceira, na verdade, um empurrão. Piscou, confuso, tentando reprimir as sensações. Não havia explicação para a necessidade que o obrigou a ficar de pé, tampouco para a que o motivou a ir para fora.

***

Os dentes se Genevieve batiam com força e o barulho ecoava diretamente em sua cabeça. Estava encolhida no canto, em um dos porões do navio que foi jogada. As lágrimas nem caíam mais, após chorar incessantemente desde que foi obrigada a embarcar, elas finalmente pareciam ter acabado.

Havia somente o vazio, um buraco oco ocupando seu peito, espalhando gelo liquido por suas veias. O que seria dela? Não possuía mais família ou qualquer penny no bolso; chegou a desejar a forca que tanto temia.

Genevieve não conseguira contar quantas exatamente, mas havia outras dezenas de mulheres ocupando espaço naquele porão, a maioria mais velhas, e com semblantes tão feridos quanto o dela própria. Não se sentiu confortável em se aproximar de nenhuma delas, preferindo se isolar. Sua mente ansiava por silêncio, Genevieve estava aos pedaços, quebrada de tal forma que ela duvidava um dia voltaria a ser a mesma de antes. Desejou se recolher o mais profundamente que conseguisse, impedindo que a hostilidade de tudo o que vivenciava a atingisse.

Ouviu os marujos dizendo diversas coisas, como uma beleza feito a de Genevieve chamaria a atenção dos homens, que pagariam somas generosas para tê-la para si. Até mesmo ali, no Princesa Delphine, Genevieve presenciou barganhas do tipo sendo feitas, onde algumas mulheres ofereciam o próprio corpo em troca de pão amanhecido ou água putrefata.
Céus, o que faria quando aportassem?
E o pior, como Vincent pôde ser tão cruel?

Dias atrás, o irmão a arrastou pelos cabelos, atravessando toda a plantação. Os joelhos dela doíam ao serem flagelados, embora ainda estivessem em um estado melhor do que os seus pés.

Ele a atirou no centro da sala, como se a irmã não passasse de um objeto qualquer. Genevieve tropeçou e caiu. A governanta tentou intervir e ampará-la, mas Vincent ordenou que a amável Sra. Smith se afastasse.

- Bruxa, pensou que eu não sabia que se esgueirava pelos cantos? - Vincent ofegou, sua voz vacilava perante o nervosismo. - Confesso que criei diversas suposições, mas jamais pude imaginar isso. - Balançou a cabeça. Seus olhos eram vermelhos, injetados em cólera. - Era você este tempo todo, amaldiçoando nossa colheita - rosnou entredentes.

Ele arrancou o próprio cinto, havia fúria em seu olhar, mais do que isso, um ódio ensandecido que transfigurava a suas expressões nas de um demônio. A acertou com o cinto, o couro estalou contra a pele sensível, deixando uma visível impressão vermelha na superfície pálida.

- Vincent, pare - implorou. - Deixe-me explicar.

O couro a atingiu novamente, Genevieve esforçou-se para se proteger com os braços, mas a fivela era dura e Vincent estava furioso, empregando mais força em cada golpe. Ele levantou a mão uma, duas e três vezes.

- Sei o que meus olhos viram!

- Pare!

- Pagará por esse sofrimento que fez todos nós passarmos! - Pontuou cada palavra com um estalar do cinto contra a pele da irmã.

O choro de Genevieve mesclava-se com o da governanta.

- Eu queria ajudar!

- Pois ajudará queimando no inferno - vociferou.

- Por favor, não me mande para a forca.

- Forca? - Parou, com o braço no alto, considerado a nova opção.

Ele largou o cinto sobre o carpete e se aproximou, erguendo-a bruscamente pelos braços, juntando os pulsos de Genevieve para que ficasse bem próxima a si.

- A corda e o cadafalso parecem o destino correto para você.

- Vi-Vincent... - Um soluço a atravessou, provocando um aperto doloroso em seu peito.

- Eu adoraria assistir seu pescoço se quebrar, ouvir o som do osso partindo - sussurrou com o rosto quase colado ao dela, os dentes estavam arreganhados, ameaçando trincar, tamanha a força com que o irmão retesava a mandíbula. - Ou melhor, eu adoraria vê-la queimar, como a maldita bruxa que é.

Genevieve gritou e puxou os braços, buscando se afastar, porém, o movimento somente a machucou.

- Mas eu jamais a mandaria para forca - ele revelou, apertando-lhe os pulsos até que estalassem.

O coração dela teve um momento de alívio, nem tudo estava perdido...

- Não posso correr o risco de sofrer represálias por seus pecados. Mas não a quero mais em minha casa, próxima a mim. Eu tenho repulsa a você. - Aproximou o rosto do dela novamente.

Eram tão parecidos, dividiam os mesmos cabelos negros e a mesma cor de olhos. Dividiam os traços suaves e harmoniosos herdados da mãe, entretanto eram tão diferentes no interior e isto jamais foi tão evidente.

Ela voltou a chorar, desta vez, silenciosamente, gotas de orvalho deslizando sobre mármore.

- Partirá no primeiro navio que passar por aqui, e pouco me importo onde vá parar. Se necessário, pagarei para seja completamente esquecida no canto mais remoto desta terra.

- Você é tudo o que eu tenho! - Saiu em um ganido.

- Já está decidido - decretou. - Para os demais, Genevieve estará passando uma temporada com uma tia distante. Entendido? - Desviou o olhar para a governanta, que só concordou com a cabeça. - Depois farei questão de que morra de tuberculose.

- Ainda sou sua irmã.

- Não possuo nenhuma irmã. - Soltou-a, empurrando-a novamente de encontro ao chão. - Essa noite será a última que passará aqui e prometo que não será nada agradável.

A promessa foi cumprida.
Vincent se rejubilou com cada grito arrancado de Genevieve, repetiu diversas vezes que ela pagaria a dívida de uma forma ou de outra, se não seria pelo dinheiro, seria pela dor; de acordo com o irmão, a punição era uma forma de expurgar os pecados da bruxa. Meses de perdas foram descontados na pele dela, a ponto de no dia seguinte, ela mal conseguir andar e necessitar ser levada até a carruagem da família, no colo de um funcionário.

Ao nascer do sol, foi entregue ao Capitão Marchall, o homem recebeu uma grande quantia para que não abrisse a boca. Vincent ainda foi enfático sobre a irmã ter cometido um erro muito grave, que não merecia nenhuma piedade ou bons tratos. Suas palavras exatas foram "Quero que ela sofra".

E ela estava sofrendo, mais a cada dia miserável que a levava para um rumo desconhecido. Genevieve piscou para afastar as lágrimas que ameaçavam cair com a lembrança e esfregou os braços que ainda continham vestígios do castigo. Exausta, pendeu a cabeça para frente, embalada pelo balanço das ondas. Encostou-se na parte interna do casco e abraçou os joelhos. Não ousava sequer apoiar o rosto nas mãos, estavam imundas, tudo ali era imundo.

As mulheres que dividiam o porão, usavam baldes como latrinas, e o cheiro de fezes, urina e vômito disputava com o de óleo de baleia. O ar era impregnado com aquele odor rançoso e Genevieve pouco se alimentou, não se atrevia a consumir a sopa rala e carunchada servida eventualmente; a única coisa que se permitia ingerir, era o caneco de água turva e pouco convidativa.

Não era sem motivos que a febre assolava o navio; gritos e delírios tornaram-se algo comum. Por fim, o enfermo que sucumbia a doença, era arrastado para fora e largado ao mar, evitando disseminar um possível contágio por qualquer que fosse a moléstia que tivesse condenado o infeliz a perecer.

Ela se atentou a fraca luminosidade proveniente da lua, que passava pela escotilha aberta. Deixou-se ser alimentada pela luz prateada, sentindo-a tocar a sua pele e infiltrar-se pelos poros. Tirou uma mecha negra ensebada dos olhos e os elevou para a lua. Uma sensação ondulante de calma apoderou-se de seu coração, assim ela soube que de alguma forma, estava sendo cuidada.

Uma canção suave, de voz feminina a embalou, uma misteriosa cantiga de ninar que a recordava de sua mãe cantando para ela quando era criança, mesmo que os versos fossem tão diferentes.

"Doce criança do céu enluaradado,
de alma prateada vivaz
Brilhe e encontre seu destino ocultado,
brilhe e encontre o mar
Lembre-se e permita sua alma despertar
Lembre-se e permita sua alma despertar"

As palavras se repetiam e se perdiam, envolvendo Genevieve até que todos os pensamentos obscuros fossem obliterado por aquela luz, esmaecendo nas bordas de um sonho que a tragou.

- Vamos! - Um marujo a cutucou com a ponta da bota.

Genevieve piscou, atordoada. Pela primeira vez teve uma noite de sono completa há tempos. Havia certa movimentação aquela manhã, ela notou que todas as mulheres estavam saindo pela escada que descia da escotilha. Orientadas pelo Capitão Marchall, seguiram em fila, para longe do navio, e enquanto caminhavam pelo porto, um desconhecido se aproximou demais dela, tentando tocá-la.

- Que beleza. - Sorriu, malicioso.

- Afaste-se, este será um leilão respeitável, somente com as melhores esposas. - Capitão Marchall protestou.

Esposas?

***

Ethan levantou em um rompante, arrastando os pés da cadeira no assoalho, e deixou o estabelecimento sem sequer ter concluído sua cerveja. Pouco depois, notou a presença de Will ao seu lado.

- Não entendo porque quer assistir ao leilão, são todos iguais.

- Estou curioso. - O dispensou com um aceno.

Curioso não parecia a definição correta, a realidade era que Ethan sentia que precisava estar ali e tal fato era difícil de explicar.

Se havia algo que Ethan sabia era que o tempo corria lento, principalmente para ele, que não era contemplado por grandes mudanças em sua rotina, os grãos de areia na ampulheta escorriam constantes e previsíveis, mas algo mudava, como uma página virada prestes a iniciar uma nova história, o sussurro de promessa era perceptível no ar.

- Deixe isso para lá, sabe que leilões desse tipo são deploráveis. - Havia pesar na voz de Will e Ethan o compartilhava.

Ambos não acreditavam em arranjos dessa natureza, no entanto, Ethan seguia caminhando pelo aglomerado de homens ansiosos.

- Não me orgulho de ter apresentado essa possibilidade a Samuel, se quer saber - prosseguiu Will, desviando-se de um senhor de bigodes fartos. - Mas parecia ser o único meio de ele... Ah, esqueça.

Ethan virou-se para trás, observando as expressões envergonhadas do amigo. Notou que Will carregava certa culpa por incentivar tal prática, por isso as explicações, mas Ethan não o julgava, qualquer que fosse o motivo, sabia que William Carter somente agia com boas intenções.

- Não me deve justificativas - finalizou, tranquilo.

- Obrigado, eu acho.

Aproximou-se do palanque de madeira ao qual as damas eram exibidas aos seus futuros maridos; se acotovelou por entre a clientela fervilhante, buscando obter uma visão mais privilegiada. Os olhos de Ethan correram pela fila, analisando as mulheres que aguardavam a sentença. O estômago do administrador se contraiu inevitavelmente, diante do cenário desalentador.

Algumas delas já tinham seus amantes aguardando-as, ansiosos, prestes a comprá-las e essas não pareciam tão assustadas, pelo contrário, traziam uma atmosfera de calma inabalável, deveria ser a sensação de felicidade por estarem prestes a se livrarem de um matrimônio infeliz, para terem a oportunidade de vivenciarem o verdadeiro amor. Pelo que Ethan superficialmente sabia sobre esses leilões, quase todos os arranjos já eram pré-concebidos.

Não parecia ser o caso de uma pequenina dama, de estatura mais baixa dentre todas daquela fila, trêmula e com olhar tão desesperado que conseguiu partir o coração cético de Ethan em milhões de fragmentos afiados, que o dilaceravam de dentro para fora. Os cabelos negros estavam desgrenhados, havia sujeira em cada mínima parcela de pele exposta. A bainha do vestido que uma vez fora azul-claro, estava preta e rasgada, e, sob tanta sujidade, era possível identificar inegável beleza.

Como uma criatura daquelas foi parar em tal situação?

Nos braços da mulher, havia algumas contusões de um tom esverdeado e amarelado, indicando estarem prestes a curarem. Se condoeu por ela; não era possível que ela tivesse cometido uma falta tão grave a ponto de estar prestes a ser vendida como uma égua.

Não era de seu feitio ser piedoso, o título combinava mais com William Carter do que consigo, não que Ethan fosse um sujeito ruim, era apenas... egoísta, diria; talvez um pouco insensível. Não costumava ser alguém que perdia noites de sono imerso em reflexões acerca da fome dos necessitados, ainda mais estando consciente que teria que levantar da cama cedo para trabalhar no outro dia, porém pensaria naquela mulher e não sabia dizer o porquê.

Havia meios de ajudá-la, Deus ele sabia que podia. Não, não seria tão impulsivo assim, ou seria? Seus batimentos aceleraram e um calor curioso brotou no centro de seu peito e se espalhou devagar pelos membros, deixando um formigar letárgico na ponta dos dedos. Quanto mais a encarava, maior a pressão se tornava, mas ele não tinha a mínima ideia de como libertar o sufoco interno.

No bolso interno do casaco, as notas dobradas pesavam, havia dinheiro o suficiente para retirar a dama daquela situação. A ideia martelou em sua cabeça, tomando os outros pensamentos, inclusive os sensatos.

- Deveria procurar uma noiva em outro local. - Will opinou. - Há outras opções.

- Se o conde pode encontrar uma esposa aqui, por que eu não poderia? - provocou.

- Não conte isso a ninguém. - Se alarmou, advertindo-o. - São assuntos que dizem respeito somente a Samuel, e suas circunstâncias são completamente diferentes. - Inflou os pulmões e depois soltou o ar. - Deveria casar-se com Beatrice.

- Pois prefiro me casar com aquela mulher ali em cima do que desposar Beatrice. - Indicou a moça com um aceno de cabeça.

- Está brincando comigo?

- De forma alguma. - Um sorriso se espalhou nos lábios de Ethan. - É perfeito, dessa forma ensinarei uma lição a Sarah e ainda cumprirei os requisitos dela.

Sim, podia funcionar, e além dos motivos citados, havia a possibilidade de ajudar uma inocente desamparada, nunca se era tarde para começar a realizar boas ações. Todas as peças em sua mente se encaixaram com um sonoro click.

- Apenas na sua cabeça isso significa "ensinar uma lição a Sarah".

- Já está decidido.

- Pense com mais calma. Não entendo porque está fazendo isso, não é possível que esteja tão desesperado para herdar Whitewood Grove.

Não era desespero, tudo se resumia a uma questão de princípios. Ethan considerava-se merecedor da propriedade e um casamento não o impediria de consegui-la.

- Qual mulher aceitaria casar-se com a condição de permitir que o marido seja livre para fazer o que bem entender? - ponderou.

- Nenhuma que conheço, mas não crê que sua atitude esteja sendo um tanto extrema?

- Veremos as consequências depois.

- Ah, Ethan - lamentou, sabendo que a causa já era perdida. - Você é um tolo mais extravagante do que pensava, para se prestar a essa insensatez.

Ethan puxou Will para mais perto, assistindo os lances e quando o capitão se aproximou da dama de cabelos pretos, houve uma visível comoção entre os clientes que presenciavam o leilão.

- Veja, tenho aqui uma autêntica joia vinda das Américas. Não é todos os dias que os senhores têm a possibilidade de encontrar mercadoria tão preciosa.

O capitão a puxou pelo pulso, obrigando-a a dar passos adiante, para exibi-la na beirada do palanque. Alguns homens riam enquanto tentavam espiar sob a suas saias, e ela prendeu o tecido rente ao corpo, completamente ultrajada.

Uma urgência crescente o sufocava, impedindo-o de respirar e elevando seus sentidos ao nível instintivo, calando a racionalidade; a cada puxão na saia rasgada e a cada sinal tristeza naqueles olhos cinzentos, Ethan sentia-se prestes a romper. A necessidade de tirá-la dali encobriu todos os motivos anteriores que enumerou para Will para comprá-la.

- Quanto estão dispostos a pagar por essa flor rara? - O capitão apertou as bochechas dela, erguendo seu rosto, para ficar mais visível aos possíveis compradores. Ainda assim, ela manteve os olhos baixos, recusando-se a ver o que se desenrolava diante de si.

Os valores dos lances subiam rápido, vozes se avolumavam e sobrepunham umas as outras.

- Espero que tenha desistido de seu propósito insensato, porém, se não desistiu, sugiro que dê um lance, ou perderá sua esposa - Will comentou, à contragosto.

- Obrigado - murmurou.

Ethan aproveitou uma recente estabilização das ofertas para fazer-se ouvir em meio a multidão, cobrindo os saldos anteriores com uma respeitável margem de folga. Os olhos da moça o procuraram, seguindo sua voz, e o encontraram. A respiração de Ethan estagnou por uma fração de segundos que guardaram a eternidade; como era possível aquelas íris possuírem o tom exato de uma tempestade?

Jurou ouvir trovões quando seus olhares colidiram.

Foi nesse exato momento que a ampulheta estilhaçou, alterando para sempre o passado e o futuro de Ethan, libertando as areias do tempo. E como alguém que vê uma ampulheta cair e sente os cortes do vidro quebrado em sua pele, ele sabia que algo determinante estava acontecendo.

- Parabéns, senhor, esta é sua - Capitão Marchall declarou, dando um pequeno empurrão no ombro da jovem.

Ela arquejou, percebendo que foi vendida, piscou uma porção de vezes e seus ombros caíram, sua postura toda esmoreceu; dava para notar um novo tremor percorrendo-a. Estava apavorada e Ethan sentiu extrema necessidade de tranquilizá-la.

Ela deu passos curtos, descendo a escada lateral de madeira corroída pelo sal e a maresia. Ethan se desvencilhou da multidão, indo de encontro à jovem. Atrás dela, o leilão prosseguia, Marchall já apresentava uma nova esposa.

- Vamos sair daqui o mais rápido possível - sussurrou, com a maior gentileza que foi capaz de imprimir nas palavras.

A dama não o respondeu, estava de cabeça baixa, sem rumo. Ela encolheu os dedos dos pés descalços e sujos e Ethan teve urgência em retirá-la dali, em minimizar os desconfortos que ela estivesse sentindo e o frio que certamente penetrava o vestido bucólico e as solas desprotegidas. Buscando orientá-la sobre qual caminho tomar, colocou a mão sobre a parte baixa de suas costas.

- Não toque em mim. - Ela se esquivou, sua voz era suave, poderia ser julgada como frágil; porém soou incisiva.

- Perdoe-me. - Ergueu ambas as mãos em rendição. - Possui algum pertence que queira levar consigo?

- Nã... - A resposta foi interrompida.

- Aonde vai? Pague antes de levar a mercadoria. - Os dedos grossos de um dos marujos surgiu, puxando-a de encontro ao peito.

Ela enrijeceu.

- Sempre honrei todos os meus compromissos, agora solte-a - bradou.

Assim o marujo o fez, não ousando desafiá-lo.

- Por favor, aguarde aqui com William enquanto faço os devidos acertos. - Ethan solicitou a ela, que somente assentiu com um curto aceno.

O administrador retrocedeu ao pub, onde os outros compradores esperavam para finalizarem os trâmites contratuais.

Enquanto aguardava, com os ânimos se abrandando, Ethan pensava no que fez. Um pouco mais cedo, estava se lamentando por ter que se casar e no instante seguinte, comprou uma esposa.

Sua mente estava agitada, não havia espaço para arrependimentos, então prosseguiria com a ideia inicial de desempenhar uma farsa para com Sarah, visando a herança da propriedade e alçar mais confiança aos olhos da viúva, que associava sua vida de solteiro, com ares de irresponsabilidade. Aos vinte e nove anos, Ethan já deveria estar muito bem casado, de acordo com ela.

Após pagarem, os compradores tinham direito a um recibo, que lhes resguardava o título de marido da dama leiloada, contudo, apesar de os recibos serem reconhecidos socialmente, os casamentos não eram legais. Ethan ouvia os cavalheiros discutindo sobre esses detalhes, que antes ele ignorava completamente, e só lhe restava torcer para isso ser o suficiente para manter a mentira com a viúva.

A vez de Ethan logo chegou, ele se aproximou da mesa com as documentações espalhadas. Um homem de traços tão rudes quanto os do capitão, estava organizando os papéis; ele fez um gesto com a mão, chamando-o.

- Qual o senhor comprou, mesmo? - Coçou o queixo barbado, despreocupadamente.

- Não sei o nome dela, é pequena, jovem, tem cabelos pretos... - explicou.

- Americana?

- Sim.

- Hum. - Molhou o indicador na língua e o correu nas folhas, até encontrar o que estava procurando. - Aqui. - Virou o documento de frente para Ethan.

O nome Genevieve Rose Rivers estava grifado na folha, ao lado do senhor Timothy Silver Rivers. Ethan assinou no local indicado, pagou o que devia, usando o dinheiro que anteriormente seria para quitar mercadorias adquiridas por sua empregadora no porto, valor esse que pretendia repor nesse mesmo dia, usando uma pequena parcela de suas economias, e teve o recibo, que lhe garantia a posse de Srta. Genevieve.

- É um homem de sorte. - O outro falou, antes que Ethan lhe desse as costas. - Comprou uma premiada, ela não tem documentos que comprovem sua união com Rivers, então pode realizar um segundo casamento com ela se desejar, sem necessitar de um desquite antes.

- O que houve com a documentação do casamento anterior?

O homem deu de ombros.

- Pode ter se perdido no mar, eu não sei. Aceite o seu golpe de sorte e mostre gratidão por Marchall não ter aumentado o preço dela.

Ethan ofereceu um aceno cordial ao homem, depois apertou o recibo em sua palma, afastando-se aos poucos daquela comoção. Sarah não era uma pessoa fácil de enganar, então Ethan se aproveitaria da possibilidade de ter um casamento e realmente o realizaria, um evento que não deixaria margens para dúvidas sobre a veracidade de seus sentimentos para com a dama que "roubou seu coração".

Gradualmente o plano se desenhava em sua mente e ele teria que se preparar para uma conversa com a sua futura esposa, ou melhor, uma proposta.

Eu estava com uma vontade incontestável de trazer essa história logo pro wattpad, espero que tenham gostado desse primeiro capítulo 🌙

Não deixem de votar e comentar, amo saber o que estão pensando.

Há uma pequena prova do Conde de Granville, mas ele domina completamente a história da LaariGomes_, Will também aparecerá bastante por lá.

Hoje temos capítulos duplos, então o próximo já está disponível ✨

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