ROYALS • Sirius Black

By twinskeletonx

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[FINALIZADA] Após uma mudança na carreira de seus pais, Barbra Borage é transferida para a Escola de Magia e... More

── Introdução
Capítulo 1: Bruxos ingleses
Capítulo 2: Artifícios
Capítulo 3: Rivalidade
Capítulo 4: Ato de lealdade
Capítulo 5: Fogo cruzado
Capítulo 6: Indulgência ou revés
Capítulo 7: Remetente anônimo
Capítulo 8: Entre sussurros
Capítulo 9: Aparecium
Capítulo 10: Criaturas
Capítulo 11: Incolor
Capítulo 12: Summum bonum
Capítulo 13: Mapa Rastreador
Capítulo 14: Vigilância constante
Capítulo 15: A Mui Antiga e Nobre Casa dos Black
Capítulo 16: 29ª Sagrada
Capítulo 17: Luta ou fuga
Capítulo 18: Mnemosine
Capítulo 19: Polaris
Capítulo 20: Era das Trevas
Capítulo 21: Cinza
Capítulo 22: Causas ocultas
Capítulo 23: O momento seguinte
Capítulo 24: Divergências
── Especial 40k! ♡
Capítulo 25: Legado
Capítulo 26: Canis major
Capítulo 27: Destemor e prudência
Capítulo 28: Reputação
Capítulo 29: Livre arbítrio
Capítulo 31: Em três idiomas
Capítulo 32: Contagem regressiva

Capítulo 30: Finite Incantatem

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By twinskeletonx

Minha cabeça está leve e meu olhar desfocado passeia pelo porão em busca da minha varinha. Sinto-me distante, fora do alcance.

Regulus está paralisado ao fim da escada. Vejo Monstro tentando persuadia-lo a subir, puxando-o pelo tecido do punho da capa. Ele olha para mim, mas não reconheço a expressão estampada em seu rosto.

Escuto alguém chamar meu nome. Eu acho que é meu nome, pelo menos. Viro-me em direção ao som, e Sirius – Sirius? – está ao meu lado, ainda com as mãos e pés presos nas cordas do feitiço Incarcerous. Percebi que eu também estou presa, e comecei a remexer meus pulsos, tentando soltá-los primeiro.

"Barbra", Sirius chamou de novo. Há algo que preciso fazer, não tenho tempo para isso. Preciso me soltar. Preciso...

As cordas se desfizeram de repente ao redor de meus pulsos e tornozelos, e as de Sirius também. Percebi que Bellatrix segurava a varinha na nossa direção.

Bellatrix. Só preciso cumprir a ordem de Bellatrix e poderei passar o resto da vida naquele estado sem pensamentos complicados, sem decisões difíceis. Só existir.

Cadê a droga da minha varinha?

Fiquei de joelhos para levantar, mas um toque gélido no meu ombro faz eu parar. Meu olhar sobe da mão em meu ombro até o rosto de Sirius. A fala dele é desconexa, vaga, eu não consigo compreender. Devagar, sinto meu corpo pendendo para trás, e logo estou sentada nos meus calcanhares. Sirius, hesitante, começa a deslizar a mão que está em meu ombro para meu braço, cotovelo, antebraço, pulso, palma. Ele entrelaça seus dedos nos meus, que permanecem abertos sem corresponder o toque.

"Oi", ele sussurrou. "Vamos sair daqui."

Destrua-o.

Algo estalou dentro de mim. Puxei minha mão agressivamente, e assim que Sirius fez menção de reagir, a mesma mão que outrora ele segurava desferiu um soco no alto de sua bochecha esquerda.

E outro.

Os nós dos meus dedos estavam brancos; tamanha era a força que usava para manter o punho fechado. Alguma parte de mim implorou para que eu parasse. Por mais que eu tentei fazer essa parte retomar o controle, a voz de Bellatrix era mais alta dentro da minha cabeça.

Vire-se!

Bellatrix jogou uma varinha para mim ao que virei a cabeça para ela. Peguei a varinha no ar – minha varinha, consegui sentir minha magia correndo pela madeira, moldada em minha mão como se fosse uma extensão do meu corpo – e imediatamente me levantei, mirando o peito de Sirius.

Ele arregalou os olhos, o esquerdo formando uma mancha avermelhada ao redor. Com as mãos ao alto, espreitando o rosto por trás delas, ele começou a levantar-se devagar.

"Escute minha voz, foque apenas na minha voz", ele disse. "Barbra, você ainda está no controle, só precisa se concentrar."

Não, o que eu preciso é de paz.

"Cru"

Ele foi rápido. Segurou meus pulsos com uma única mão e usou a outra para arrancar a varinha de mim e jogá-la do outro lado da sala.

Ouvi um som parecido com um rosnado sair da minha garganta. Acertei outro soco no seu estômago, ele sequer tentou me impedir. Sirius recuou para se lamentar, e eu aproveitei para jogá-lo no chão pelos ombros.

Antes que eu pudesse perceber o que estava acontecendo, me vi em cima dele, uma perna minha de cada lado de seu corpo. Ambas minhas mãos estavam ao redor de seu pescoço, pressionando com uma força que eu não sabia que eu possuía.

"Borage!"

Então, em uma batida do coração, minha visão ficou branca como se um raio tivesse caído no porão. Recordações confusas, distantes, de uma vida que não parecia minha agora. Recordações de olhos acinzentados, travessuras com o time adversário de Quadribol e beijos apressados em armários de vassouras.

O que eu estou fazendo?

Por Merlin, o que eu estou fazendo?

Minha mão tremeu ao redor do pescoço de Sirius. A névoa que cobria meus pensamentos começou a se dispersar, mas os músculos da minha mão permaneciam firmes. Sirius levou uma mão sobre as minhas, fraco, seu rosto começando a perder a cor.

"Barbra..."

Eu quero soltar, desesperadamente eu quero soltar, mas meu corpo não me obedece por completo. Comecei a tremer violentamente. A mão de Sirius afrouxou ao redor das minhas até desfalecer em seu peito.

Pouco a pouco, a realidade me atingiu. Sinto o desespero tomar conta de mim; o luto antecipado. Minha mão soltou-se da garganta de Sirius finalmente.

Eu nunca achei que fosse capaz de machucar alguém desse jeito, mas ver Sirius com um olho inchado, o pescoço roxo, e uma sobrancelha aberta escorrendo sangue pelo rosto, me provaram o contrário. Ou talvez fosse culpa do ódio mortal por Sirius que Bellatrix projetou em mim através da Maldição Imperius. Ou talvez Sirius simplesmente deixou que eu o machucasse, não querendo reagir, porque ele definitivamente tem a vantagem de ser mais forte do que eu.

Por que ele não me impediu?

Houve um barulho repetido de pés pisando com força no chão seguido de protestos e reclamações, e eu registrei mais ou menos que aquele era o som de Monstro puxando Regulus à força escadas acima. Joguei-me ao lado de Sirius, à nossa frente estavam Rodolphus e Bellatrix conversando e se divertindo com a cena, revezando o olhar entre eles e entre nós.

Bellatrix girou a varinha preguiçosamente entre os dedos. "Já acabou? Sem graça, tinha começado a ficar bom. Imperio!"

Lá estava ela de novo, aquela felicidade inexplicável e relaxante. Mas dessa vez não me deixei levar, vagamente consciente de que Bellatrix logo me mandaria machucar Sirius de novo. Não, obrigada, minha própria voz ecoou dentro da minha mente vazia, e a próxima coisa que senti foi uma dor imensurável enquanto travava meus músculos para recusar as ordens da Lestrange.

"Tsk", ela estalou a língua, virando-se para Rodolphus. "Odeio quando eles aprendem a resistir."

A dor foi embora em um suspiro. Eu não consigo dizer nada, muito menos ouvir o que eles estão sussurrando um para o outro. A única vez que eu me senti tão desconectada dos meus próprios sentidos antes foi naquela aula de Feitiços, quando o Encanto de Confusão de Sirius atingiu o meu Feitiço de Escudo e provocou um estrondoso ruído infernal, que me deixou desnorteada e com os ouvidos zunindo, como se eu estivesse observando a realidade ao meu redor sem, de fato, fazer parte dela.

"Sirius..." eu o chamei, levando uma mão para seu ombro. Tentei o sacudir, mas estava tremendo demais e sem forças, minhas mãos não me obedeciam mesmo eu estando no controle dessa vez. E ele não abria os olhos. "Sirius! Sirius!"

Mal senti as mãos de Rodolphus se fecharem em volta dos meus braços. Fui arrastada para o outro lado da sala, ainda chamando por Sirius. Minha visão estava turva e o rímel que passei hoje de manhã escorria por minhas bochechas.

"Si–"

Minha voz foi cortada na garganta com um feitiço não-verbal vindo de Rodolphus. Ele nem sequer olhou pra mim, apenas me largou no chão e voltou para o lado da esposa.

"Enevarte", Bellatrix comandou. Assisti atenta a cena: um, dois, três segundos agoniantes, então Sirius finalmente soltou uma respiração estrangulada e abriu os olhos.

O alívio foi tão grande que quase desmaiei.

"Gostou da demonstração?" perguntou Bellatrix. "Da próxima vez, não vou pegar tão leve. Como foi pensar que ia morrer pelas mãos da sua namoradinha?"

Sirius não disse nada, mas ele ergueu a cabeça, cheio de orgulho, com o maxilar travado. Seus olhos não procuraram os meus.

"Vamos tentar de novo", disse ela. "Acredite, tenho muito tempo livre para torturar o casalzinho apaixonado, mas se eu fosse você eu diria logo o que veio fazer aqui. Vai poupar tempo – e dor. Tem algo pra me dizer?"

Sirius respirou profundamente, fechou os olhos, como se estivesse se preparando para aquele momento a vida toda, e quando abriu as pálpebras, as palavras saíram recolhidas num sussurro teimoso.

"Seu maldito sangue puro vale menos do que bosta de trasgo."

Bellatrix deu-lhe uma joelhada na cabeça, que fez ele ir contra a parede.

"Vai com calma!" Rodolphus disse em tom de aviso, segurando uma Bellatrix em estado de cólera pelos cotovelos.

"Traidor nojento! Como você ousa, sujeira da Casa Black–"

Rodolphus deu uma última olhada em minha direção antes de desaparatar dali com a esposa à berros que amaldiçoavam até a décima geração de Sirius.

Abruptamente, éramos apenas nós dois de novo. O silêncio corrompia a sala e eu não sabia o que dizer. Eu queria talvez falar para ele não dormir. Eu sempre ouvi dizer não se deve dormir depois de uma pancada na cabeça. Nem sei se isso é verdade mesmo ou se é só uma daquelas coisas que minha mãe me disse quando eu era criança, e que eu continuei acreditando pra sempre. De qualquer modo, queria dizer-lhe para não dormir, porque é a única coisa que poderia dizer para ajudá-lo agora.

Mas nem isso sou capaz de fazer, minha voz foi calada por um feitiço de Rodolphus e aposto que não vou a recuperar em breve.

Se nós tivéssemos ido pelo caminho da Casa dos Gritos, nunca teríamos esbarrado em Regulus e eu ainda teria a Essência de Murtisco. Eu poderia ajudar Sirius, ajudar de verdade.

Mas ele fechou os olhos.

Não sei se está sonolento ou se apenas não quer olhar para mim.

E não sei se quero saber.

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Tenho a sensação de que diversas horas se passaram, eu não saberia dizer quantas. Permanecemos em silêncio, exceto pelo meu choro abafado e pela roupa de Sirius arrastando no chão quando ele decidia mudar de posição.

Não sei quando Rodolphus prendeu minhas mãos, estava tão fora de mim que não percebi. Acho que ele prendeu Sirius também. Saber que nós dois estamos com as finas cordas prateadas do Feitiço Incarcerous nos segurando faz pouco para me acalmar. Nesse momento, estamos vulneráveis contra qualquer ataque.

No breu do porão, não percebi o chegar da alvorada, contudo, a única vela que permanecera acesa no candelabro já tinha queimado quase toda sua cera quando Bellatrix entrou na sala de novo.

A atmosfera mudou de imediato, o ar pesou e a chama da vela começou a tremeluzir, me deixando com dor de cabeça. Enquanto eu me esforçava para sentar direito, por impulso puxei ar para reclamar, mas som nenhum saiu pela minha boca.

Bellatrix olhou para Sirius com um desdenhoso sorriso torto no rosto antes de se direcionar para um grande armário aos fundos do porão, iluminado o caminho com Lumos. Pude escutar o barulho de objetos sendo revirados dentro do armário – papéis, porcelana, livros, coisas de vidro. Pedaços usados, rabiscados, amassados de pergaminho caem no chão e ela não se dá ao trabalhar de os juntar. Ela procura por algum tempo, bufando frustrada, então finalmente tira uma pequena bolsa de veludo vermelha e arredondada do armário e a pendura com cuidado no ombro. 

Quando ela se voltou a nós, estava com uma expressão quase entediada, porém a mão permanecia firme na alça da bolsa.

"Última chance. Se eu fosse um de vocês, desembucharia logo o porquê de terem vindo aqui", disse ela.

Bellatrix levanta a varinha para mim. Por um milésimo de segundo, uma emoção diferente passa por seu rosto, uma emoção que não consegui ler, então ela abaixa o braço e volta a aproximar-se de Sirius.

Mas a expressão que passou por seu semblante fica marcada na minha mente. Estava ela em conflito? Sobre o que? Quem deveria ser questionado primeiro? Se deveria me machucar? O quanto poderia me machucar? Se meus pais...

Não poderia ser isso. Poderia? Meus pais são Comensais da Morte. Os melhores obliviadores que já tiveram. Então Bellatrix... 

Ela não vai ousar tocar em mim. 

Sob a luminosidade fraca, observei todos os cantos do porão. Sirius, Bellatrix, teias de aranhas acumuladas pelos anos, cera de vela cobrindo o chão, pergaminhos caídos em torno do armário, uma mesa empoeirada. E olhei sob meu ombro: a luz trêmula do finalzinho da vela no candelabro, a carapaça de um besouro reluzindo ao descer a parede e... minha varinha!

Dobrei meu braço em um ângulo estranho, esticando-me sobre o chão de madeira vagarosamente para não fazer barulho. Uma vibração perpassa as pontas de meus dedos quando a distância entre eles e a varinha diminuiu, do mesmo jeito que imãs tremem ao se atraírem.

"O que você veio fazer aqui?" Bellatrix perguntou, fazendo uma longa pausa entre as sílabas da palavra vocês.

Não me virei para assistir a cena, mas posso jurar que ouvi um sorriso irônico na voz de Sirius enquanto ele falava: "Estava com saudade de você, priminha. Lembra que nós brincávamos juntos quando erámos crianças? Antes, é claro, de você virar uma louca desvairada."

A digital do meu dedo indicador alcançou a varinha. Tranquei a respiração. Falta tão pouco...

"Crucio!"

Os gritos de Sirius irromperam em meus ouvidos e em meu coração; meu corpo inteiro reagiu, fui jogada pra trás bruscamente pelo susto e surpresa, meus olhos arregalados, e minha mão procurou a coisa mais próxima para se segurar. O cabo da varinha, tão familiar, encaixou-se perfeitamente na palma da minha mão. Puxei-a para perto, segurei-a rente às minhas costas como se minha vida dependesse disso. Então retornei a posição original que Rodolphus havia me deixado há tantas horas.

Sabendo que minha voz seria abafada pelos gritos, tentei pronunciar um feitiço.

"I-ite In-an-a-em."

Patético, pensei, e nada aconteceu. Meus lábios se mantiveram selados.

Os gritos cessaram, mas não por muito tempo. Bellatrix pressionou e pressionou Sirius, e sempre que ele não respondia, ou pior: respondia de maneira sarcástica, a Maldição Cruciatus era lançada novamente. E novamente. E novamente. 

Meus olhos ardem. Quando sairmos daqui – se sairmos daqui – eu sou capaz de dar toda a herança do meu bisavó para que um obliviador apague de minha memória os gritos de Sirius.

Os comentários sarcásticos foram diminuindo, e quando Sirius conseguia sequer gritar por mais um segundo, Bellatrix se entediou e desistiu. Mas prometeu que voltaria em alguns minutos, então desaparatou, deixando Sirius jogado no chão em uma posição estranha, um resquício de se contorcer sob a Cruciatus.

Eu olhava e olhava pra ele, sentindo-me inútil. "I-ite! In-an-a-em!" tentei falar novamente, sem sucesso.

Pensa, Barbra, pensa.

É muito difícil pensar com Sirius jogado no chão bem na minha frente, de olhos fechados, parecendo morto. Sinto meus olhos arderem de novo – não, não, tenho que me concentrar em outra coisa. Cerro os olhos com força, lágrimas caindo como consequência, e vasculho minha mente. 

Faço o máximo pra empurrar os pensamentos catastróficos para um cantinho escondido da minha cabeça. Sirius parou de gritar. Sirius está morto. Tento ignorá-los, me repreendo quando não consigo. 

Uma memória vem à tona.

Para a conjuração de feitiços difíceis ou não-verbais, a máxima sabedoria está na disciplina mental daqueles que acreditam em sua magia interna.

Merda, eu nunca consegui destrinchar o significado disso. Querido fantasma de Rowena Ravenclaw, se estiver me ouvindo agora, uma ajudinha seria bem-vinda. 

Já que não posso falar, a única alternativa é tentar aprender sozinha como conjurar um feitiço não-verbal. Uma ponta de esperança surge em meu peito: lembro-me do professor Flitwick falando sobre disciplina mental ser apenas uma forma poética de dizer concentração nesses livros antigos.

Tentei esvaziar meus pensamentos, mas falhei colossalmente. Cada vez que tentava me concentrar, lembrava do corpo de Sirius jogado na minha frente. Respiro fundo várias vezes, me convencendo de que Sirius vai ficar bem à medida em que um de seus gritos assombrava minha memória.

É inútil insistir. Direciono meu olhar apreensivo para ele – mais pálido do que nunca, os cabelos pretos compridos grudados na testa pelo suor – e espero, com o coração ameaçando quebrar em mil pedaços, o momento em que ele se mexa, murmure algo, faça qualquer coisa. Penso sobre disciplina mental e magia interna, tento decifrar o enigma enquanto o observo, mordendo a pele interna do meu lábio inferior até sangrar.

No momento em que Sirius respira fundo, uma onda de alívio recai sobre mim. Ele está dormindo. 

Tive que repetir mentalmente várias vezes porque quase não consegui acreditar: ele está dormindo, só dormindo. Apertei meu punho ao redor da minha varinha, redirecionando toda minha energia a um pensamento: Finite Incantatem.

Nada acontece.

Por longos e dolorosos minutos, continuei pensando na frase Finite Incantatem de novo e de novo e de novo, prestando atenção em cada barulhinho mínimo que vinha do outro canto da sala – os roncos leves e murmúrios de dor e pesadelos que provavam que Sirius estava vivo – e devagar consegui me concentrar cada vez mais.

Finite Incantatem. Já soava como um mantra. Finite IncantatemFinite IncantatemFinite

"A taça está protegida! E não é da sua conta!" Bellatrix gritou do andar de cima. Uma voz masculina, Rodolphus, disse algo em resposta. Não consegui mais distinguir a conversa deles, até que a porta do porão se abriu e a voz estridente de Bellatrix ecoou mais uma vez: "Ele confia em mim. Se quisesse que você soubesse, teria pedido a você, não a mim."

Rodolphus resmungou algo e ouvi o barulho que indicava que ele havia desaparatado, seguido dos passos de Bellatrix descendo as escadas. Joguei-me no chão pra fingir que havia pego no sono também. Foi o único plano que pareceu sensato no momento. Minhas mãos permaneciam amarradas em minhas costas, a varinha escondida nas dobras da minha camisa do uniforme. Tentei parecer o menos suspeita possível, deitada com as mãos nas costas e de barriga pra cima, como criança tentando esconder dos pais que levou um sapo de chocolate pra cama antes de dormir. 

O chão está gelado e é difícil ficar imóvel. Sinto o olhar de Bellatrix queimando sobre mim. Sinto que ela está me rondando, seus sapatos jogam poeira no meu rosto quando passam próximos demais da minha cabeça. E ela parou por um momento. 

De repente, duas mãos ossudas de dedos longos seguraram-me logo acima dos cotovelos. A próxima coisa que sinto é minha cabeça batendo contra a parede. 

"Ainda finge que está dormindo", Bellatrix diz irritada. Eu solto um gemido de dor, lançando um olhar com ódio na direção da Lestrange. Ela me forçou a sentar contra a parede, bem ao lado do candelabro. Então colocou com cuidado a bolsa de veludo vermelho, que só agora percebi que ela ainda carregava, sobre a mesa empoeirada no meio do porão. "Não ache que esqueci de você, Borage. Assim que acabar com Sirius, chegará sua vez de falar."

Meu estômago despencou. Não, eu não posso ouvir Sirius gritando de novo. Bellatrix foi devagar até Sirius– Finite Incantatem. Finite Incantatem. Finite Incantatem.

Houve um ruído, um que já ouvi milhares de vezes antes. Posso estar enganada, mas acho que minha varinha soltou uma nuvenzinha de luz. Acontece sempre que falho ao tentar aprender um feitiço novo.

Disciplina mental e magia interna. Aposto que não é tão difícil lançar um feitiço não-verbal depois que se aprende adequadamente. 

Tenho a vaga noção de que Bellatrix está falando algo para Sirius, e isso quase me desconcentra. Ainda com os olhos fechados, tento imaginar o que quero de aconteça: visualizo as cordas se desfazendo de meus braços e pernas. Novamente, escuto o estalo vindo de minha varinha, muito sutil.

Talvez eu tenha interpretado o Incantatorum de maneira equívoca. Acreditar na magia interna... Eu foquei na parte errada do texto o tempo todo. O importante, agora eu acho, não é descobrir o que é a magia interna, mas sim confiar que sou capaz de invocá-la, seja lá o que for. Confiança.

Eu puxo o ar com vigor para dentro dos meus pulmões. Visualizo as cordas se rompendo, me vejo livre, com Sirius, voltando para Hogwarts. Finite Incantatem

Um músculo se mexeu na minha garganta. Não ouso testar, mas acredito que recuperei minha voz.

Finite Incantatem.

As cordas se desfazem ao redor dos meus braços e pernas livres. Meus olhos se abrem de repente, arregalados. Não consegui acreditar que lancei meu primeiro feitiço não-verbal. Preciso agradecer a Flitwick por ter me dado aquele livro para traduzir.

"Eu sempre achei que a Maldição da Morte é muito... rápida", Bellatrix está de costas para mim, mas eu pude jurar que ela deu um sorriso sádico ao dizer isso. "Não é todo mundo que merece uma morte indolor. Tenho esse sonho, as vezes, em que transformo traidores de sangue em insetos e os esmago."

Bellatrix estava com a varinha empunhada. Sua boca de abriu e ela arfou, preparando-se para falar, foi como ver em câmera lenta, porque nesse meio tempo eu já havia me posto entre ela e Sirius.

"Reducio!"

"Protego maxima!"

Segurei a respiração. Não vai dar tempo, o escudo não vai se formar a tempo. Encolhi os ombros, escondendo-me entre as mechas de cabelo que caíram na frente do meu rosto como se isso fosse me proteger; não há mais nada a ser feito, quase conseguia sentir a sombra da morte pairando tenebrosamente sobre mim. Mas o que ouvi seguinte me fez ter certeza que eu estava viva, porque aquilo só podia ser o inconfundível estrondo de um feitiço colidindo contra um escudo mágico. Meus olhos se abriram a tempo de ver  o sorriso idiota sair do rosto da Lestrange, e antes que ela pudesse se perguntar como eu me livrei do Incarcerous, uma onda de choque se seguiu ao que o candelabro caiu no meio do combate, a chama tímida que restava no toquinho de vela triplicou de tamanho em poucos segundos, engolindo um pedaço amassado de pergaminho ao chão. 

Bellatrix parecia tão desnorteada quanto eu, o abalo sonoro provocado pelo encontro do seu feitiço contra meu ainda reverberava em nossos ouvidos. O ar dançava e tremia ao meu redor, mas o Feitiço de Escudo permaneceu firme e forte, envolto em mim e em Sirius.

"Não!" Bellatrix gritou. O fogo fizera um caminho no chão que levava até a mesa onde ela deixou a bolsa vermelha e, seja lá o que Bellatrix guardava naquela bolsa, era importante suficiente para distraí-la de nós. 

"Sirius?" chamei-o por cima do ombro, percebendo que entrementes ele havia se posto de pé atrás de mim. Desfiz o escudo para usar o Finite Incantatem nele também. "Você está bem?"

"Estou desarmado", ele disse, o rosto contorcido numa expressão de dor ao se apoiar com as costas na parede, uma mão segurando a cabeça onde levara uma pancada de Bellatrix mais cedo. "Desde quando você sabe conjurar feitiços mudos?"

"Suas prioridades são interessantes", chacoalhei a cabeça, sentindo-me um pouco mais leve ao perceber que ele não parecia irritado comigo. Eu não sabia se devia tentar controlar o fogo ou lidar com Bellatrix. A oportunidade perfeita para fazer a segunda opção era agora que a Lestrange estava distraída, numa corrida com o fogo para ver quem conseguiria chegar a bolsa primeiro. Ergui a cabeça com confiança, pronta para duelar mesmo que seja do meu jeito desastrado. "Expelliarmus!"

A varinha de Bellatrix escorregou por entre seus dedos, entretanto não foi muito longe, aterrissando há menos de dois metros de onde ela estava postada, em pose de duelo, mas agora desarmada. Consumida de raiva e incredulidade, ela se virou para nós com o peito estufado, formando uma barreira na frente da mesa na qual a bolsa estava, uma cerca de fogo entre nós. Não vai demorar para que ela recupere sua varinha, eu sei que não posso usar o escudo mais uma vez, é muito previsível. Coloca essa cabeça pra funcionar, Barbra, qual foi o feitiço que Sirius usou para me vencer no duelo da aula de Feitiços?

A resposta veio de forma intrigante. Sirius cambaleou até mim, uma mão apoiada com força no meu ombro – imagino que ela está com uma perna machucada –, e a outra ocupou-se de tomar a varinha de minhas mãos com um movimento ágil que nem o olhar treinado de Bellatrix poderia ter calculado. 

"Petrificus Totalus",  a voz de Sirius soou baixa, num comando que não foi recusado mesmo que a varinha que não o pertencia.

Bellatrix urrou de raiva quando a luz lilás do feitiço foi em sua direção. Ela pegou a bolsa e mergulhou entre as pernas da mesa em busca de sua varinha, sendo atingida nessa posição. Paralisada com os olhos arregalados, agachada, o braço esticado há centímetros de sua única possível defesa, a bolsa vermelha espremida entre o braço e a barriga.

Às pressas, Sirius apagou o fogo com um Feitiço de Extinção e depois usou Accio para achar sua varinha, que veio flutuando escada abaixo até nós. Meus olhos estavam colados em Bellatrix, como se a qualquer momento ela pudesse quebrar o Feitiço do Corpo Preso. 

Algo cutucou meu braço. Era minha varinha, Sirius devolvendo-a pra mim. "Nem acredito que isso deu certo. Vamos antes que Rodolphus apareça." 

Ele foi mancando o mais rápido que conseguia até a escada. Eu dei o primeiro passo apressado para ir atrás dele, mas algo me dizia que estávamos deixando alguma coisa pra trás.

"Vamos logo!" Sirius exclamou, meio rouco, quando chegou ao terceiro degrau e percebeu que eu não o seguia. "Vem, Barbra, o que você 'tá esperando?"

Virei-me para a Bellatrix petrificada. Por que ela segurava aquela bolsa com tanta devoção? Poderia facilmente ter derrotado a mim e a Sirius num duelo, que chance teríamos contra uma Comensal da Morte que não pensa duas vezes antes de usar as Maldições Imperdoáveis? Mas ela nem tentou. 

"Vamos, Borage!" Sirius continuou insistindo, um quê de irritação no seu timbre agora. 

À passos largos, fui até a Lestrange. A examinei por um momento, com receio de que ela pudesse sair do estado petrificado e avançar em mim, então puxei a bolsa de seu firme aperto pétreo. 

Logo, estava nos calcanhares de Sirius, tropeçando ao subir as escadas, sem querer olhar pra trás. Quando o alcancei, ofereci meu ombro como suporte e tentamos manter um ritmo de corrida. Meu corpo ainda treme. Saímos do porão, e entramos diretamente na sala de estar, agora bem mais bagunçada do que estava quando chegamos.

A porta do porão bateu atrás de nós, provocando um estrondo que fez a alma pular pra fora do meu corpo. Conseguia ouvir a adrenalina pulsando em minhas orelhas. "O que fazemos agora?" perguntei entre arfadas.

"Procuramos a Chave do Portal", respondeu Sirius, uma de suas mãos apertando um ponto em cima de sua costela. Ele está péssimo, o olho que eu feri agora tinha uma roda preta ao redor. Eu devo estar péssima também, mas ao menos não tenho sangue seco nas minhas roupas. 

"Precisamos achar a capa de James também", falei, desviando o olhar para evitar de o encarar demais.

Sirius puxou um tecido preto amarrotado de um dos bolsos internos da sua capa da Grifinória. "Eu guardei antes da minha doce e querida prima nos levar para a câmara de tortura."

Regulus não contou sobre a capa. Dei um sorriso controlado, não é o momento agora, mas não pude deixar esse feito passar despercebido. 

"Alguma ideia do que precisamos procurar? A Chave do Portal pode ser qualquer coisa."

De repente, tive uma sensação forte de déjà vu. Eu já estive nessa situação antes, mas a lembrança é remota. Como se tivesse sido uma história que alguém me contou, algo que eu imaginei ou li sobre... ou sonhei.

"Esse sonho foi uma predição?" indaguei, olhando intrigada para minha colega de quarto.

Celeste arregalou os olhos. "Não necessariamente. Sonho com várias coisas diferentes numa mesma noite. Quase nunca esses sonhos são predições."

"O que eu disse antes de acordar?"

"Você disse..." 

"Procure um nuque", eu disse assim que sai do transe. "É a Chave do Portal. Foi Rodolphus que nos transportou para cá, lembra? Ele colocou a mão discretamente no bolso e de repente nós estávamos aqui, teve que ser um objeto pequeno; eu não tenho tempo para explicar, mas confie em mim: o nuque deve estar no bolso da capa dele ainda, e é a Chave do Portal."

"Eu sei que Rodolphus parece tão inútil quanto aquela poção de água com açúcar que Madame Pomfrey dá pros alunos quando sabe que estamos fingindo estar doentes, mas dê um pouco de crédito a ele", Sirius disse, o cenho franzido. Pelo menos ele consegue manter um pouco do bom humor habitual. "Aposto que ele colocou a chave em algum outro lugar para ninguém pegar sem querer."

Sirius começou se aproximou do porta-guarda-chuvas e espiou dentro, depois foi explorar a estante de livros. Olhei aos arredores procurando algum sinal da capa de Rodolphus, tentando me lembrar se ele a tirou quando chegamos. A lembrança dele sentado na minha frente na mesa enquanto comíamos me dizia que ele ainda a trajava durante o jantar de ontem. Porém há vários casacos, bolsas e mochilas jogadas no sofá; a sala inteira está bagunçada, vários pertences caídos no chão. O que caralhos aconteceu aqui?

"Dá a mão", Sirius pediu, esticando sua mão para mim.

"Vamos achar mais rápido se nos separarmos."

Levantei a almofada do sofá mais próximo e passei a mão nas dobras do estofamento, mas Sirius me parou, segurando meu braço.

"Oi, Corvina, sabia que você não pensa direito quando está com medo?" Sirius sorriu, extremamente cafajeste, lembrando-me de sua atitude na primeira vez que pegamos detenção juntos.

Não dá pra acreditar que nossos maiores problemas no início do ano eram fogos de artificio e detenções. Ter jogado o corpo de Sirius contra a parede da estufa número quatro no primeiro dia de aula parece tão insignificante agora que eu o vi contorcendo-se e gritando de dor sob a tortura Cruciatus.

Se apenas um de nós tocar na chave, o outro fica pra trás, conclui, finalmente entendendo o que ele quis dizer. Sirius soltou meu braço devagar e entrelaçou nossos dedos. Nos mantemos próximos, segurando firmemente a mão um do outro. Ele procurava entre os objetos jogados ao chão e eu continuei focada nas coisas que estavam no sofá, nossos braços em um ângulo estranho por eu estar em pé e ele agachado, eu tentando equilibrar a bolsa de Bellatrix no meu ombro e ele claramente com dor nas costelas, porque lamentava cada vez que mexia o torso.

Peguei uma capa preta que parecia ser de Rodolphus, e só por teimosia e desencargo de consciência resolvi vasculhar os bolsos. Caramba, fazer isso com uma mão só é complicado. Apalpei os bolsos internos e externos, a joguei no chão ao não encontrar o que procurava. Peguei outra capa e fiz o mesmo, depois procurei em uma bolsa, e no grande vaso de planta que ficava próximo ao sofá. Encontrei um pergaminho amassado, um frasco de poção vazio, uma pena de coruja, algumas embalagens de doces, e mais ou menos uma dúzia de nuques e outras moedas. Nenhuma Chave do Portal.

Sirius me puxou para próximo da lareira. No batente, havia uma caixinha de madeira. Ele a abriu, revelando, sem exageros, uma centena de moedas, a maioria nuques e sicles. Trocamos olhares breves, então ele segurou mais firme minha mão e começou a tatear as moedas de bronze, empurrando para o lado as que não funcionaram.

"Não deve estar aí", eu disse, observando outra vez a bagunça da sala. Sério, nem parece a mesma casa na qual fomos recebidos para o jantar. "Você 'tava certo, ele deve ter escondido para ninguém usar acidentalmente."

O baralho das moedas parou. A mão de Sirius enrijeceu na minha. "Temos companhia."

"O que...?" a pergunta ficou no ar, pois quando me virei, a elfo Grunty estava escondida nas sombras do corredor que leva ao porão. Seus olhos amarelos e esbugalhados brilhavam e, ao perceber que nós a vimos, ela soltou um guincho e desapareceu.

"Merda, ela vai chamar Rodolphus. Ou encontrar Bellatrix", um tom de desespero de apossou da voz de Sirius; ele me puxou bruscamente para um dos canto da sala e abriu com força a gaveta de uma antiga mesa de boticário. "Tem certeza de que é um nuque? Não pode ser um galeão ou um sicle? Ou qualquer outra coisa?"

"É um nuque. Tenho certeza," reafirmei, debatendo se deveria contar agora sobre a previsão de Celeste ou deixar para dep–

Um puxão por trás do meu umbigo me pegou de surpresa; apertei a mão de Sirius com tanta força que não duvido que tenha quebrado algum osso, e foi a única coisa que tive tempo de fazer antes de ser puxada para dentro do portal.



.

N/A: Oi pessoal. Eu queria ter postado esse capítulo em setembro, até tinha escrito uma nota final sobre o Setembro Amarelo, mas não consegui postar durante setembro nem outubro e infelizmente nem novembro, dezembro, janeiro... Me inscrevi num concurso e precisei estudar 40 artigos e 20 livros para fazer a prova, então isso tomou todo o meu tempo. Sim, eu consegui estudar tudo. Sim, eu quase enlouqueci no processo. Sim, eu to bem agora, não se preocupem. Deu tudo certo! Eu passei na prova, fiz a entrevista, fui aprovada, e vou começar no meu emprego novo em Março.

Desejo um ótimo 2022 pra todo mundo! Estou de férias agora então meu plano é postar pelo menos mais um capítulo em fevereiro. Acho que temos só mais uns dois ou três capítulos, então será hora de se despedir de Barbra e Sirius. 

Vejo vocês o mais breve possível! Eu não vou abandonar Royals, e obrigada aos que não desistiram de mim <3

(Se acharem algum erro grotesco de português, podem me avisar por favor. Geralmente reviso o capítulo três vezes antes de postar, mas dessa vez só revisei uma vez.)

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