No sábado pela manhã os três foram para a oração da manhã, e a tarde o pai de Michael chegou, jantaram todos na casa de Michael naquela noite, e Katherine foi dormir com a mãe, e passaria o domingo com ela e o avô, e quando Michael acordou, só havia um bilhete de Patrick dizendo que passaria o dia na sede da Polícia Federal.
Suspirou frustrado, e se jogou no sofá. Quando não tinha o que fazer, e ficava sozinho daquele jeito, em uma manhã de domingo, era que ele ficava mais revoltado com esse negócio de escola bíblica a noite, havia votado contra esse arranjo, mas a maioria venceu, e a escola bíblica da igreja era nas terças-feiras a noite.
Uma notificação de mensagem. Era de Artur, ele franziu o cenho.
Você pode vir aqui fora? Preciso falar com você em particular.
Pode entrar, estou sozinho! - Respondeu.
Cadê a Katie? - Perguntou
Entra logo moço. - Mandou a mensagem e foi abrir a porta.
Artur entrou porta adentro. Sem cumprimentar Michael.
- Cadê Katie? Foi para a fazenda de novo? - Perguntou preocupado.
- Não ela está com a mãe e o avô-drasto.
- Oi! Pensei que seu pai, não pudesse sair do país! - Disse confuso.
- Eu também. Já tomou café? - Perguntou se dirigindo à cozinha de repente deu fome.
- Não! - Disse seguindo-o. - E o Patrick?
- Vai passar o dia na PF, fazendo sabe Deus o quê! Não sei porque não vão logo lá e não prendem logo aquele cara.
- Também não sei. - Resmungou Artur. - O Patrick fez café antes de sair?
- Não sei! Estou entrando aqui agora. - Disse constrangido, de repente sentiu-se estranho com seu melhor amigo, não sabia o que ele queria, mas pela raiva contida imagava do que se tratava, e se Perguntou, se ainda seriam amigos depois dessa conversa.
Artur colocou água para ferver, ele não gostava de café de cafeteira, e saindo de seu torpor, Michael pôs a mesa. Dona Neuza deixava tudo para eles passarem bem o fim de semana, ele fez misto quente para os dois, e Artur terminou com o café e sentou de frente para o amigo.
- O que houve para você acordar tão cedo em um domingo, e me mandar mensagem para eu te encontrar lá fora? - Perguntou Michael se servindo de café.
- Na verdade eu nem dormi. Mas vamos comer primeiro, agora eu estou com fome. - Disse pegando um misto quente.
Michael olhou atentamente o amigo, percebeu as olheiras, e o ar cansado, e encolheu-se na cadeira e se esforçou para comer um pedaço de bolo. Colocou leite no café, e desistiu do bolo, tomou apenas o café com leite.
- Você está interessado na Claudia. - Afirmou Artur sem rodeios. Michael colocou a caneca na mesa e olhou sério para o amigo. - Eu tinha tanta esperança de que você fosse engasgar com esse café com leite. - Lamentou triste.
- E você não tem noção do quanto eu queria ter me engasgado, eu lamento profundamente. - Disse triste.
- Eu deveria ter percebido, aquele primeiro dia, depois da reunião você deixou de estar com a Katie, para ajudá-la. - Disse pesaroso.
- Nada haver! Você sabe que eu teria ficado pra ajudar qualquer pessoa, que precisasse. - Disse ofendido.
- Sim! Mas você não precisava ficar lá o tempo todo, como você ficou. - Disse sacudindo a cabeça. - Quando eu te pedi para me ajudar a conquista-la, eu vi algo estranho no seu olhar, mas pensei que era impressão minha. - Disse amargurado.
- O que exatamente você quer de mim Artur? - Perguntou seco.
- A verdade! - Respondeu friamente cruzando os braços.
- Bem, eu não estou no seu caminho. Eu a evito o máximo que eu posso, aliás eu diria que estou sendo até grosseiro com ela. - Disse ressentido.
- E você está sofrendo com isso. - Afirmou triste.
- Eu sinto muito, por não ter tido a coragem de te dizer a verdade, eu não tinha a intenção de engana-lo, mas eu não sabia o que fazer, não sabia como te falar, me perdoe, por magoa-lo desse jeito. Você não precisa se preocupar, em algum momento vai passar.
- E se não passar? E se eu começar a namorar ela? Isso claro se ela estiver interessada em mim, mas digamos que sim e que fiquemos juntos, e aí como vai ser? - Perguntou furioso.
- Ah, qual é? Claro que vai passar, já vimos esse filme antes! Lembra do Everaldo e do Edu? E eu vivi isso com o meu pai! Esqueceu? - Ele riu triste. - Vai ficar tudo bem! Eu não vou jamais interferir na sua relação com ela, se você ainda puder confiar em mim!
Artur suspirou, olhando fixamente para Michael.
- Mas tenho outra situação. E se ela também estiver interessada em você? E se eu estiver atrapalhando a vida de vocês dois!
- Imagine! - Exclamou Michael apertando a têmpora com o indicador. - Eu deveria ter escondido melhor o que eu sinto. Vou me esforçar mais, não vou te causar mais problemas.
- Você acha que não escondeu bem os seus sentimentos? - Perguntou rindo alto, deixando Michael confuso. - Se não fosse a Raquel ouvir uma conversa sua com o Edu, eu jamais saberia.
-Aquela fofoqueira fez o quê? - Perguntou irado.
- Calma cara! Não vai querer cortar a língua da fofoqueira, digo, da coitada! Esse tipo de atitude é minha não sua. Pelo amor de Deus, não vamos inverter os papéis, eu preciso do meu grilo falante.
- Ela não tinha o direito de fazer isso, eu compreendo que ela estivesse preocupada com você, mas ela deveria ter falado comigo primeiro.
- Não acho que ela estivesse preocupada comigo, ela nem gosta mais de mim, eu acho que ela ainda está chateada por não ter ficado com o cargo de coordenadora pedagógica. - Disse pegando outro misto quente, que àquela altura já estava gelado.
Michael ficou olhando o amigo, tão esperto para algumas coisas, mas tão lento para os suspiros que as mulheres lançavam por onde ele passava, a sorte de Raquel, era que ele não era fofoqueiro igual a ela. Então ele apenas sorriu, e se serviu de mais café.
- Não creio que seja isso, o mais provável é que ela deve ter achado uma tremenda sacanagem da minha parte, afinal você é o meu melhor amigo.
- Mais que melhores amigos, somos irmãos. - Disse Artur. - E talvez se eu não fosse tão idiota, eu tivesse percebido que você estava interessado nela.
- E o que você faria, se tivesse percebido que eu também a queria? - Perguntou sério.
- Eu não sei! Mas sei o que devemos fazer agora. - Disse pensativo. - Não esconda o que você sente. - Michael olhou-o surpreso. - E pare de tratá-la com grosseria, seja gentil, como você sempre foi, e eu serei o bom amigo que ela quer que eu seja. E vamos ver o que acontece, vamos deixar ela decidir o que ela quer da vida dela.
Os dois se olharam sérios. Michael não estava apenas surpreso com a atitude de Artur, ele estava admirado, orgulhoso até! Sabia que Artur levaria a melhor, nem iria entrar nessa de competir com o amigo. Artur era melhor que ele em muitas coisas, além de bonito e galanteador, ele não tinha as marcas e as cicatrizes que Michael carregava, por um momento ele desejou ser leve e tranquilo como o amigo, sem os fantasmas que o atormentavam.
- Não se preocupe com isso, eu já me conformei que 'amor não é pra mim'. - Disse triste.
- Deixa de ser chato! Me deixe saborear meu momento de amigo solidário e empático. - Disse sério e Michael gargalhou.
- Ok! Como quiser amigo empático! - Disse ainda rindo. E Artur pegou um pedaço de bolo de cenoura. - Obrigado, por me ouvir e me entender. - Disse feliz, pois sentia que um peso havia saído de suas costas.
- Na verdade quando a Raquel me disse que você estava apaixonado pela Claudia, eu fiquei louco da vida, eu queria vir aqui ainda ontem tomar satisfação com você, mas a Val me fez refletir melhor, e me fez ver, que tem coisas bem mais importantes, que os nossos sentimentos por ela.
- Você sabe que existe uma grande chance de ela não estar interessada em nenhum de nós dois, não sabe? - Perguntou Michael sério. Artur fechou a cara.
- Eu me pergunto, como eu posso ser amigo da criatura mais pessimista que já pisou em solo brasileiro! É claro que ela vai ficar com um de nós, somos os melhores partidos dessa cidade. - Michael não aguentou e riu às gargalhadas, Artur riu também. - E você sabe que eu sou um partidão muito melhor que você, a única vantagem que você tem sobre mim, é a sua nacionalidade, e seus misteriosos olhos negros.
- Sim eu sei disso, e não vou esquecer. - Respondeu Michael ainda rindo. - "Obrigado Senhor, por cuidar dessa situação pra mim. Por não tirar meu melhor amigo, e continue Senhor, a cuidar dos nossos sentimentos." - Pensou feliz.
🌹🌹🌹
Claudia continuava sentada na cama com a bíblia na mão, sem no entanto abri-la. Pela quinta vez Marcelo bateu na porta do quarto, desde as sete da manhã que ele batia em sua porta, ela já dissera que queria ficar mais um pouco deitada, mas ele não desistia.
- Claudia! - Chamou ele. - Por favor é meu último dia aqui e sério, que você quer ficar trancada dentro do quarto o dia inteiro? - Perguntou.
Ela havia esquecido completamente que ele viajaria na manhã seguinte, pulou da cama e abriu a porta.
- Desculpe-me! Esqueci. - Disse abraçando-o. - Foi mal!
- Você está bem? Está febril! O que houve? - Perguntou alarmado.
- Não sei! Não tenho me sentindo bem ultimamente. - Disse voltando para a cama, ele olhou a bíblia em cima da cama, mas não falou nada.
- Está sentindo alguma dor? Quer ir ao médico? - Perguntou preocupado.
- Não! Eu só quero ficar aqui quietinha. Vai passar logo. - Ela deitou encolhida na cama. - Sabe como eu sou, não preciso de muita coisa para ter febre.
- Acha que é psicossomática? - Perguntou sentando ao lado dela.
- Acho que sim! Eu só preciso por minhas emoções em ordem. - Disse com desdém
- E desde quando está se sentindo mal?
- Desde domingo. - Disse cautelosa.
- O quê? E eu posso saber por que cargas d'agua, você não me falou? - Perguntou irritado.
- Eu sei qual é o problema, só preciso descobrir a causa! - Respondeu suavemente.
- Falou com seus pais essa semana?
- Falei está tudo bem com a gente! Estou caçando coragem para falar com a nana.
- Então que tal convidarmos ela pra almoçar com a gente? - Perguntou sorrindo, ela gostou da ideia.
- Não posso ficar fugindo dela a vida toda, não é mesmo? Mas hoje seremos apenas nós dois. Falarei com ela amanhã. - Disse sorrindo.
- Claudia está acontecendo mais alguma coisa? - Perguntou atento.
Ela pensou em tudo o que estava acontecendo e que não poderia compartilhar com ele pela própria segurança dele, respirou fundo.
- Estou preocupada com algumas coisas na escola, mas o que está me preocupando mesmo é o Artur.
- Por quê? Ele te faltou com o respeito?
- Não! Ele continua um cavalheiro. O problema, é que eu acho que ele está interessado em mim de verdade! - Marcelo arfou, isso estava bem claro só ela que não queria ver.
- E você gostaria que vocês fossem apenas bons amigos. - Afirmou, isso também estava claro.
- Sim. Você disse para eu ser sincera com ele, e eu fui, mas acho que não fui clara o suficiente. - Disse pesarosa.
- Ou talvez ele esteja apenas tentando te conquistar. - Disse cauteloso.
- Eu imagino que sim, e eu fico chateada, exatamente por isso, ele tem sido um cavalheiro, é maravilhoso comigo, e eu só fico pensando em um cara que nem ao menos olha pra mim, e o pior de tudo é que ele é comprometido. Com certeza tem algo de muito errado comigo! - Disse chorosa.
- Eu não acho que tenha algo de errado com você. No entanto, talvez fosse bom você voltar para a terapia. É a primeira vez que você se abre para a possibilidade de se envolver com alguém, você está fazendo novas amizades, e isso é ótimo estou muito orgulhoso de você, mas não sabemos como aquele horror pode refletir em seus relacionamentos futuros, não volte a se fechar novamente por medo! - Pediu suavemente.
- Talvez eu devesse dar uma chance para o Artur! - Disse em dúvida, e ele a encarou surpreso.
- Você é quem sabe, mas você consegui imaginar o Artur te tocando intimamente? - Perguntou cauteloso.
Ela abaixou a cabeça envergonhada, afinal não era bem o Artur que ocupava seus pensamentos de maneira inapropriada.
- Minha querida, as relações atualmente são muito superficiais, se você namorar o Artur e ele quiser fazer amor com você; você está pronta? Seja para fazer amor com ele ou contar a verdade a ele?
- Ora! Eu não posso simplesmente esperar até o casamento por exemplo? - Perguntou inquieta.
- Claro que sim! Mas você precisa fazer essa escolha porque você acredita nela, e não porque você está fugindo de ter intimidade com alguém. - Disse gentilmente.
- Você está se guardando para a sua esposa, por que eu não poderia, só por que eu já fui violada? Caso você tenha se esquecido, não pediram minha permissão. - Ela disse magoada e ele a fitou ofendido.
- Você entendeu muito bem o que eu disse, detesto quando você se faz de sonsa. - Disse irritado. - E fique você sabendo que as igrejas estão cheias de homens e mulheres que não esperam o casamento, 'eu escolhi esperar', e tenho meus motivos pra isso. E obviamente você também pode escolher esperar, aliás eu te aconselharia a 'esperar', mais porque você quer esperar, porque você quer que a pessoa escolhida seja única e permanente, e não porque você está em pânico de ser tocada. Qualquer escolha que você fizer, você precisa buscar a cura primeira.
- Marcelo já passou pela sua cabeça, se apaixonar por uma mulher que não seja virgem, que já foi de mais de um homem? - Perguntou intrigada.
- Sim, com certeza! A mulher que Deus colocar no meu caminho será uma mulher especial, independente do passado dela, as pessoas não são o que fez no passado, elas são as escolhas que elas fazem diariamente, e eu sei que Deus guardará o meu coração e os meus pensamentos, e eu serei imensamente feliz com a mulher que Ele escolher pra mim.
- Então se uma mulher igual a mim aparecesse na sua vida você a amaria, e faria dela a sua esposa? - Perguntou triste, ele pegou na mão dela.
- O dia em que eu amar uma mulher, não me importará se ela é virgem, se ela foi de um homem só ou de inúmeros homens, se ela sofreu algum abuso; eu oro por esta mulher desde quando eu tinha treze anos e me batizei, quando ela vier eu estarei preparando para recebê-la, porque Deus está me preparando, e eu sei que está preparando a ela também. - Disse com um sorriso radiante. E ela se lembrou do clima de intimidade entre ele e a Luciana.
- Eu penso nisso entende? Quem vai querer ter intimidade comigo? Quando vê as cicatrizes que eu tenho! Eu deveria ter removido todas elas, bem que a Lauren disse que eu iria me arrepender de não removê-las.
- O homem que Deus está preparando para você, não vai se importar com nada do que te aconteceu, a não ser é claro para te ajudar a superar! Qualquer um que te olhar com julgamento ou te fizer sentir diminuída pelo que aconteceu, não é merecedor de você! - Disse emocionado.
- Não sei não! Não sei não! - Repetiu ela. - Não acho que existam muitos homens como você por aí. Para uma criatura igual a mim, um homem igual a você com certeza, seria um presente de Deus. - Disse com as lágrimas molhando o rosto.
- Eu tenho certeza, que Deus tem um presente pra você muito melhor que eu. - Disse a abraçando.
- Você vai continuar orando por mim, não vai? - Perguntou suspirando.
- Sempre! Eu sempre orarei por você!
- Mesmo depois de casar? - Perguntou pensando em Luciana, mas e se ela estivesse enganada sobre o que estava acontecendo entre os dois?
- Mesmo depois de casado, eu tenho fé, de que a minha esposa te amará tanto quanto eu te amo. - Disse sorrindo no pescoço dela.
E ela continuou a chorar, pensando nas cicatrizes que não foram removidas; o pai havia feito questão de remover apenas as que ficariam à vista e poderiam lhe causar transtornos, e ela não fez questão de remover nenhuma, mas será que um dia um homem a amaria, apesar de tantas cicatrizes visíveis e invisíveis? Será que Marcelo tinha razão e ela poderia apenas ter fé, e Deus cuidaria de tudo, e ainda daria a ele muito especial, mesmo ela sendo defeituosa?
- Por que eles fizeram aquilo comigo? O que foi que eu fiz para que eles me odiassem tanto? - Perguntou entre soluços.
- Eu não sei meu amor! Mas sabe, eu tenho muito orgulho de você, e sei que você ficará bem, porque você está deixando Deus cuidar de você, e Ele cuidará de cada cicatriz sua seja no corpo ou na alma.
Eles continuaram abraçados, o telefone dela vibrou. Ela pegou o celular e suspirou.
- O Artur! - Comentou nervosa.
- Atenda-o, e continue a ser franca com ele. - Disse levantando.
- Oi Artur! - Atendeu.
- Você está bem?
- Sim estou, apenas com uma reação alérgica! - Respondeu lembrando que chorara.
- Vamos ao cinema hoje? - Perguntou tímido.
- Sinto muito Artur! Mas o Marcelo vai embora amanhã, e eu quero ficar com ele hoje.
- Tudo bem! A gente se vê amanhã na escola. - Disse triste.
- Artur, você se importa de se encontrar com a gente a noite na praça do bosque? - Perguntou sem pensar.
- Posso sim. Que horas?
- Por volta das dezenove horas, pode ser? - Perguntou tímida.
- Sim! Eu te ligo quando eu chegar lá.
- Ok! Obrigada Artur, por ser um bom amigo pra mim. - Agradeceu verdadeiramente.
- De nada! É sempre um prazer, ser um bom amigo! - Disse irônico, mas ela ignorou o tom, despediu-se e desligou.
Marcelo estava encostado na porta.
- Você sabe que o magoou com essa história de bom amigo, não sabe? - Perguntou sorrindo
- Só estou mantendo as coisas bem às claras. - Disse procurando um número na agenda do celular, e ligou. A pessoa atendeu no quarto toque.
- Bom dia minha princesa! - Cumprimentou a boa senhora, e o coração de Claudia acelerou.
- "Minha avó". - Pensou emocionada.
- Bom dia Nana, a senhora poderia almoçar comigo amanhã? - Perguntou nervosa.
Continua...