Capítulo 10

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Ficamos por alguns instantes apenas olhando um para o outro. Leo parecia espantado com o que eu acabara de falar e não conseguiu formular nem uma palavra. Eu, por outro lado, esperei para ver qual seria a reação dele e lutei contra o pânico que começava a querer me dominar. Não, eu seria forte dessa vez. Nossa relação só daria certo se eu fosse capaz de confidenciar a ele todo o meu passado e meus dramas. Se Leonardo não pudesse entender, então era melhor terminarmos agora para poupar que ambos sentíssemos mais dor.

Impossível. Se ele terminar comigo, eu não sei o que será de mim.

Vi quando o entendimento surgiu em seu rosto e seu olhar de espanto foi transformado em um de pura ira, que esperava que não fosse direcionado a mim.

- Por favor, Isadora. Me dê um motivo para que eu não pegue o primeiro avião para São Paulo e esfole o seu pai vivo.

- Porque se você fizer isso, você será preso e não tenho vontade de te dividir com os outros presos nas visitas conjugais.

Não sei como fui capaz de fazer piada num momento como esse, mas parecia que tinha funcionado. Vi o canto direito dos lábios de Leo virando para cima e agradeci aos céus por me ajudarem a me manter focada apenas nele. Se pensasse nas palavras que saíram da boca de meu pai minutos atrás, era provável que estivesse surtando.

- Me conta, Isa. Me conta como você pode ser filha de um cretino como aquele que apareceu na TV?

Olhei fixamente o rosto de Leonardo em busca de nojo ou repulsa, mas tudo o que fui capaz de ver foi amor e compreensão. Ele não estava me julgando pelas ações do meu pai. Ele apenas queria entender como éramos parentes quando não poderíamos ser mais diferentes.

- Leo, minha relação com os meus pais é basicamente inexistente. Quando te falei que nunca viria para cá com eles, não disse nada mais do que a verdade. Vou te contar tudo, mas preciso que você me ouça apenas. É ainda muito doloroso pensar neles, então quero dizer tudo de uma só vez. Tudo bem?

- Linda, me conte apenas o que você se sentir confortável em contar. Por favor, não sinta que você tem o dever de explicar nada para mim. Você só fala o que quiser falar.

- Eu quero tudo, Leo. Eu quero ser capaz de te contar tudo para que esse peso que venho carregando há tanto tempo possa diminuir um pouco. Quero que você seja a pessoa a me ajudar a superá-lo.

- O que você quiser. Tudo o que você quiser.

Tentei organizar meus pensamentos enquanto olhava para os olhos de Leo. Nunca disse a ele, mas seus olhos exerciam um poder sobre mim que era difícil de entender. Seu olhar me hipnotizava e me fazia confiar nele como em nenhum outro. Eu via algo ali que não conseguia definir o que era, apenas sabia que havia algo que me prendia.

- Desde que eu era criança, percebi que meus pais me tratavam diferente dos pais das outras crianças da rua. Eles nunca saíam comigo e tampouco tinham tempo para brincar. Acho que comecei a perceber mesmo as diferenças no dia em que ele me disse que não tinha tempo para mim. Foi o dia que te contei que minha Nona bateu nele. Desde então, raramente o via em casa. Minha mãe nunca ficava perto de mim ou cuidava quando eu ficava doente. Sempre dependi da minha avó. Eu poderia ter me tornado uma pessoa amarga e infeliz se não fosse por ela. Devo tudo o que sou hoje exclusivamente a ela e ao meu avô. Fui descobrir depois que meus pais me tratavam assim porque queriam ter um filho e não conseguiram. Durante o parto, minha mãe teve complicações que a incapacitaram de ter mais filhos, o que enfureceu ainda mais o meu pai.

Lágrimas começavam a se formar em meus olhos, mas não tentei segurá-las. Não tinha por que impedi-las de cair. Leo não disse nada, apenas me olhava com compreensão e segurava minha mão entre as suas, passando seu polegar sobre a pele. De vez em quando, ele a levava até sua boca e beijava suavemente, voltando a segurá-la em seu colo.

[DEGUSTAÇÃO] Um olhar como o seuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora