27 - a tradição do chocolate-quente

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EU ME RECUSO a estar na fossa

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EU ME RECUSO a estar na fossa. Deitada no chão do meu quarto — porque, pelo visto, toda a minha dignidade foi mesmo embora —¸ eu sinto que perdi todo o controle da minha vida.

Juro que não era assim que imaginei o começo das minhas férias.

Minha playlist sáfica já acabou faz tempo, e por influência do destino que quer me ver no fundo do poço, a melodia de Total Eclipse of the Heart preenche o meu quarto inteiro, alimentada pelas luzes apagadas e pelas velas aromáticas acesas — que pus pra ver se melhorava o clima do ambiente, mas sem sucesso. O pior é que eu nem tenho forças para esticar o braço, buscar o celular em cima da cama e mudar a porra da música que me enche o saco.

Eu não quero olhar, falar ou pensar em Mina Leão, mas aprendi há muito tempo que nem tudo o que eu quero, eu posso. Por isso, assumo que sim, estou pensando em Mina Leão, e estou a ponto de abrir o seu Instagram pela trigésima quarta vez desde que as férias começaram, talvez até mandar uma mensagem. Um oi, sem muita importância. Ou quem sabe ir direto ao ponto e perguntar se ela e Bruno começaram a namorar pra valer.

Dessa vez, eu não estou confundindo as coisas. Porque eu lembro exatamente do que ela me disse, e tenho confiança em afirmar que Mina falou, com todas as letras, que não gostava do Bruno do jeito que eu penso. Não sei o que está acontecendo, se algo mudou entre eles ou sei lá, mas queria muito uma explicação. Não que eles me devam uma. É só que me recuso a estar na fossa por algo que eu nem tenho certeza.

A música termina, e a voz inconfundível da Whitney Houston soa de repente, parecendo gritar na minha cabeça. Ah, não.

— Ei, tá tudo bem aí?

Tales dá uma batidinha antes de abrir a porta, entrando com o Ferrugem no meu quarto escuro que está mais parecendo uma caverna. Não queria ser encontrada no chão, com velas ao meu redor e música triste tocando alto, mas não dá tempo nem de me levantar.

O meu padrasto me encara por uns cinco segundos de silêncio, como se perguntasse a si mesmo o que deve fazer nessa situação estranha. Ele deve estar desesperado. Mesmo com três filhos, duvido muito que ele já tenha precisado lidar com uma adolescente em crise que mais parece estar fazendo um ritual macabro ou sei lá.

— Eu tô bem — resmungo, soando mais falsa do que nunca. — Eu só... O chão tá bem gelado, sabe? Tá gostosinho.

Tales ri, sem jeito, se acomodando na ponta do meu colchão enquanto coça a nuca.

A gente não tem uma relação pai e filha de verdade, então é claro que estou desconfortável. Ego meu corpo devagar, buscando o celular e pausando a música antes que ele diga alguma coisa. Nunca tive uma figura paterna, tipo, nunca mesmo, e não sei como ele pode reagir nesse momento. Por Deus, se ele vier com um papo do tipo paternal, eu juro que...

Todas as Coisas que Eu Não Odeio em VocêOnde as histórias ganham vida. Descobre agora