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Talvez fosse só o meu lado desconfiado e ligeiramente paranóico a falar,  mas eu podia jurar que mal Louis acabou de dizer aquela última frase, eu pude ouvir passos atrás de mim. No fundo, duvidava que fosse alguém, quer dizer, um ser dotado. Provavelmente era só uma pessoa normal. Mas não me virei.

Louis perguntava, ou gritava, do outro lado da linha se eu estava bem ou se algo tinha acontecido, e eu esperava para ver, o meu corpo tenso, gradualmente aumentando a força feita no telemóvel.

Os passos ouviram-se de forma lenta cada vez mais perto, até o corpo de um rapaz negro jovem, com a mochila às costas passar por mim a passo acelerado. Insultei-me mentalmente sabendo que o Louis provavelmente me ia torturar lentamente, por quase o ter morto de susto.

"Não foi nada." Suspirei para o telemóvel continuando a andar a passo normal afastando o equipamento do meu ouvido enquanto o Louis subia o volume para maltratar tudo e todos. Revirei os olhos à situação e à reação do rapaz, antes de cortar o seu monólogo com as perguntas que me pareciam mais necessárias. "Disseste que eles não nos faziam mal Louis, qual é o problema? Ele percebeu quem eu era como?!" Ia começar outra pergunta quando eles me calou. "Nós é que somos os vilões." Eu sussurrei/gritei esta última parte, parcialmente sarcástica, mas não estava a ser assim tão irónica como poderia parecer. 

"Eu estou a revirar os meus olhos para trás da minha cabeça só para que saibas, Violet." O seu tom era monótono. "Anda para minha casa, falamos cá. "

"Não! Louis, eu quero falar agora! Já! Neste momento! Não desligues!" Ouvi o tão conhecido sinal de fim de chamada, arrancando o telemóvel do meu ouvido e enfiando-o desajeitadamente no bolso, revoltada. "Filho da..." Gritei, tomando as atenções do rapaz que tinha passado por mim há pouco tempo, mas já levava uma vantagem considerável no percurso. "Johanna." completei debaixo da minha respiração.

A casa do Louis era mais perto do que a minha. Bem, não é bem uma casa... é mais um palácio. Literalmente. A casa pertencia inicialmente a um trisavô e apesar do seu ar morto e ruinoso, a casa incorpora uma beleza inexplicável. Desde as heras agarradas a cada um dos lados fortemente enraizadas na rocha das paredes às janelas góticas que cobriam proporcionalmente toda a área lateral. Era a imagem de um místico poderoso que espantava. A parte interior era mais luxuosa, porém. Já conhecia a mesma como a palma da minha mão, era aí que tinha passado muitos dos meus dias de adolescente.

Atravessei o caminho de pedra no meio do relvado da frente e bati à porta que foi prontamente aberta pelo Louis. Entrei abruptamente, enquanto bufava, obviamente descontente e aborrecida.

Ajeitei o meu cabelo com as mãos violentamente, ao mesmo tempo que encarava o ser de olhos azuis. "Já podemos falar?"




"Primeiramente, tens de te lembrar que é completamente natural, dotados da luz e da escuridão odiarem-se. Está no nosso ADN, fomos criados para sentir alguma hostilidade perante os outros para a nossa proteção."

"Isso eu já sei, Louis." Eu assenti, distraidamente. Olhei em volta da cave do meu melhor amigo, que era usada para tudo o que fosse relacionado com o nosso dom. As paredes de madeira escura estavam cobertas por prateleiras imensas a abarrotar de livros. Muitos deles eram de lendas e História, outros eram cópias do nosso livro de regras, quase um código de honra que todos os seres dotados eram obrigados a seguir, o Praeceptum, e os restantes eram ajudantes para as lições dos novos dotados. No centro estendia-se uma mesa comprida do mesmo tipo de material que o resto da divisão, onde jaziam uma quantidade de obras e páginas soltas absurda, que Johanna, a mãe do Louis, provavelmente teria estado a estudar. Eu estava encostada à mesa, com os olhos nas gravuras de um dos papéis, que mostrava um predador mitológico qualquer do passado, acompanhado de algumas transcrições em latim. Peguei na folha.
Causa debet praecedere effectum.
Reconhecia esta expressão. Era algo como: não há efeito sem causa, mas não tinha a completa certeza. Comecei a pensar sobre como o meu latim estava enferrujado.
Louis estava curvado sobre a mesa no lado contrário ao meu, procurando algo num livro grosso de capa bordeaux.

"Eu sei que sabes, Violet. Fui eu quem te ensinou. " Ele disse baixo, suspirando. "Bem, o que eu ainda não te disse foi como nós os reconhemos. Um pouco porque nunca foi necessário e, sinceramente, também queria adiar isto o mais possível. É um bocado estranho." Ele revelou, rindo. " Olha para mim quando falo contigo." Ouvi-o queixar-se, segundos depois, autoritariamente, apesar de arrastar a sua voz como um miúdo de cinco anos.

Finalmente, foquei-me nele pousando o que tinha nas mãos.

"Nós e os claros somos formações contrárias, dois pólos. Costuma-se dizer que os pólos se atraem, certo?" Acenei afirmativamente. "Bom, nós repelimo-nos. Fisicamente, isso é incorporado num choque estático. Cada vez que a pele de um claro toca na de um escuro, ambos sentem um choque. Isso serve para nos impedir de nos misturarmos com eles."

"Qual é o objetivo dessa separação?" Estava verdadeiramente interessada no assunto. Saber no que me estava a meter era importante, apesar de já treinar para a maior parte das necessidades de dotada.

"Ultimamente, isto serve para que nunca tenhamos que lidar com a possível realidade de um bebé híbrido. Ninguém tem a mínima ideia de como proceder nessa... situação."

"Nunca aconteceu?" Perguntei, franzindo a testa em confusão.

"Nunca, as forças de repulsão são demasiadas para isso, acho. Não só as físicas como as psíquicas. Sabes que dotados só podem ser frutos de uma relação entre dois dotados." Assenti. "E também que os bebés humano-dotados são sempre humanos que acabam por ser apenas psicologicamente afetados pelo pai ou mãe dotado que têm. Mas um filho híbrido... " Ele torceu a sua expressão. "Seria uma luta interna enorme. Provavelmente não sobriveveria. Há teorias sobre isso se quiseres ler..." Ele apontou  uma prateleira com a placa Hipotesis. "Mas não é esse o assunto."

O meu melhor amigo finalmente encontrou a parte do livro que procurava, pousando o livro na mesa, voltado para cima. Uma das páginas mostrava o desenho simples de uma circunferência pintada de beje escuro e a seguinte de um círculo na mesma cor.

E rapidamente eu percebi.

Puxei a manga da minha camisola para cima, revelando a mais notável das minhas marcas de nascença, um círculo perfeito de pele mais escura do que a restante. "A cirunferência é o sol, o círculo, a lua."

"Exato." Louis proferiu, revelando a marca na sua nuca.

"Wow."

"Eu sei. Isto ultrapassa até a nossa mais esforçada compreensão. E ainda mais a tua, que cresceste longe desta realidade, como uma humana. "

E tinha de dizer a verdade: Eu já tinha visto muita coisa estranha desde que conhecera os meus poderes, mas está era a de longe mais assustadora. Era como premeditação ou uma biologia demasiado avançada para mim. A minha cabeça estava em água, com a nova enxurrada de informação. Mas talvez, fossem só as irritantes dores de cabeça que tinha constantemente.

"Que tal eu levar-te a casa?" Louis perguntou, a sua cara suavizada em preocupação.

Sorri. A viagem foi calma. Nenhuma palavra trocada, apenas a minha cabeça encostada ao vidro, vendo as luzes dos carros passarem pelas gotas de chuva da noite, prevendo talvez toda a luz cegante que invadiria a minha vida.

Mas a minha mente estava cansada demais para metáforas ou analogias, portanto tudo parecia calmo, tão calmo que me perguntei se já não tinha adormecido, com a minha cabeça a bater contra a janela do carro, cada vez que passássemos uma cova na estrada.

E chegamos. "Vai descansar, Violet, e não te preocupes com eles, eu só queria ter a certeza que esse rapaz não te fazia nada de mal." Sorri para Louis em agradecimento e despedi-me, saíndo do carro a correr até conseguir abrir a porta do edifício e subir para o meu apartamento pelas escadas peganhentas.

Atirei a minha mochila para o sofá. Não quis saber de roupas ou de mais nada, o meu corpo caiu na cama, apenas observando o teto branco do meu quarto. Minutos depois juntou-se a mim a gata da vizinha. O seu pelo era preto e tinha uns olhos perfurantes azuis que me avaliaram um pouco antes da mesma se aconchegar no meu ombro e adormecer comigo.

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okay,  peço imensa desculpa pela demora, mas é que com a escola estive sem tempo ou cabeça para conseguir escrever

anyway, comentem o que acham ou se não perceberam alguma coisa para eu poder mudar e desculpem este capítulo ser tão secante, mas por vezes vai ser preciso

bye,
mythologicx

swan || z.m.Onde histórias criam vida. Descubra agora