Capítulo 1 - The Girl with the Machine Gun

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"Pela janela do quarto
Pela janela do carro
Pela tela, pela janela
Quem é ela, quem é ela?
Eu vejo tudo enquadrado
Remoto controle"

Adriana Calcanhotto - Esquadros

Meus dedos apertam com força a corda do arco, o corpo rígido em antecipação. O tempo parece parar diante do alvo vermelho, a flecha retesada pronta para ser lançada. Uma crosta de suor se forma pela testa enquanto os minutos passam. Solto uma respiração que não julgava segurar, um hábito de muitos anos que custo a abandonar, e atiro. 

A flecha acerta o alvo.

— Não entendo como cê consegue passar tanto tempo aí, Cecília — grita uma vozinha familiar, tirando-me do estupor — A quadra já vai fechar!

Limpo o suor da testa com a costa da mão.

— Você tava aqui o tempo todo, Edgar? Não sabe nem disfarçar a própria respiração! — grito de volta para o garoto de feições miúdas — Sai daí, moleque.

— Mas...

— Nada de "mas", você nem deveria estar aqui, pra começo de conversa!

Ignoro seus protestos e puxo-o da arquibancada pela gola da camiseta xadrez. Apesar de seus onze anos, Edgar é franzino para a idade que tem. Espero até sairmos do ginásio para que o menino comece sua choradeira.

—  Não é justo, mana! Se você nem me deixa usar o seu arco um tiquinho que seja, poderia pelo menos deixar eu te ver treinar! — protesta o garoto, depois que o solto.

Solto um riso maldoso.

— Vai sonhando que eu vou deixar você mexer com o meu arco e as flechas. Isso aqui não é brincadeira, são armas de verdade — digo a última frase usando o tom mais sério que posso, mesmo sabendo que será infrutífero. 

Dito e feito. Edgar me lança um beicinho logo em seguida.

— Ah, para com essa criancice! Não é você que diz que já é um homenzinho? Comporte-se como um. Fora isso, pensei que estivesse feliz com aquele conjunto da Nerf que a mamãe te deu de natal.

O garoto faz uma careta.

— Era arco e flecha de menina! De menina!

Dou de ombros.

— Qual é o problema? Melhor ser uma Katniss Everdeen que uma daquelas Barbies princesas. Na boa, os brinquedos para meninas eram mais chatos no meu tempo!

— Até parece que faz tanto tempo assim — Meu irmão ri, mas logo solta um muxoxo — O arco é rosa, Ceci!

— Repito: e daí? Pelo menos você não sofreu bullying das garotinhas populares por brincar com carrinhos da Hotwheels como eu. Quando todo mundo queria uma Barbie bailarina ou o diabo que fosse — rio de mim mesma. Como isso parece bobo agora. — Os tempos são outros, querido.

— Tá, tá, já entendi. Cadê a mamãe?

— Seu tonto, esqueceu que ela sai do trabalho e vai direto pra casa depois das cinco? Vai ter que pegar carona comigo — respondo, procurando por minha bicicleta no pequeno estacionamento. — Cê não pensou nisso antes de vir aqui se esconder, pensou?

São cinco e meia da tarde, um horário em que, esta altura, apenas os alunos das turmas específicas estão em aula. Os treinos de tiro com arco e flecha após o turno da manhã deveriam durar até as quatro e meia, mas não houve um dia sequer, nestes anos todos, em que eu não fosse a última a sair da quadra de esportes.

A Garota que Nunca ExistiuOnde as histórias ganham vida. Descobre agora