Capítulo 3

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Frio, mau cheiro e falta de ar. Se não se lembrasse perfeitamente as horas que passou se arrastando pelos dutos de ventilação, acharia que estava em um caixão. Embora cheirar tão mal quanto um cadáver fosse uma rotina na vida de Ânya, isso era algo que ela nunca iria se acostumar. Ser uma Recicladora de Lixo Nível Dezessete tinha muitas vantagens, mas passar a maior parte do dia fedendo não era uma delas.

Entretanto, não havia nada que pudesse fazer a respeito no momento, além de seguir adiante em sua empreitada. As paredes metálicas do duto lhe congelavam os ossos e a garota se amaldiçoava pela milésima vez por não estar usando seu macacão de embrex. Ao menos o tecido com tecnologia NYX era desenvolvido para proteger o corpo humano de fatores externos como frio e calor.

Só mais um pouco. Se não tivesse errado a última curva a direita como suspeitava, não devia faltar muito para respirar ar puro. Ou melhor, tão puro quanto podia ser ar reciclado. Só precisava continuar se arrastando por mais alguns metros e...

E o mundo sumiu debaixo de si quando uma das placas do duto se soltou e ela despencou para o desconhecido.

Felizmente o desconhecido era bem familiar e o amontoado de lixo amorteceu a sua queda. Contudo, ficou ciente que levaria consigo um lembrete para prestar mais atenção no caminho quando sentiu algo afiado rasgando a carne de seu braço esquerdo.

Por reflexo, tentou prender a respiração para sufocar o grito de dor, mas como já estava sem ar devido ao impacto da queda, pontinhos pretos surgiram em sua visão.

Respirar. Calma e profundamente. Era isso o que tinha que fazer.

Após alguns minutos finalmente conseguiu se sentar e um sorriso brotou dos lábios da garota ao constatar que sua mochila estava ao alcance de suas mãos. O braço esquerdo doeu quando o esticou, mas cuidaria do ferimento depois. Sua única preocupação era verificar se nenhuma de suas valiosas quinquilharias tinha se quebrado.

Rapidamente constatou que tudo estava intacto e desceu da pilha de lixo alegremente, afinal não teria prejuízos.

Tudo ao seu redor estava em silêncio e sorriu mais ainda. A vantagem de ser a única funcionária em um setor repudiado por todos era que podia ficar horas ausente e ninguém notaria contanto que entregasse o trabalho esperado no fim do mês.

O sonido do alarme indicando o fim do expediente ressoou e Ânya correu para tomar seu banho antes de ir para casa.

Depois de desligar todas as máquinas, Ânya deixou o seu setor e se uniu aos demais trabalhadores nos corredores do centro de reciclagem com um sorriso satisfeito no rosto.

- Ânya, minha querida, só mesmo você para sair do pior setor de trabalho com um sorriso alegre desse!

- Olá, Sra. Nancy, como foi o trabalho hoje no Nível Três?

- Exaustivo como sempre! -uma pausa e Ânya sabia o que viria a seguir. - Quanto a amanhã, eu entenderei se não...

- Não se preocupe! Irei tomar conta das crianças para que a senhora possa ir visitar a sua irmã! Estarei lá às onze.

- Muito obrigada, minha querida! Você é um anjo!

Apenas alguns passos depois, outra voz chamou o nome da garota:

- Ânya, amanhã...

- Eu não esqueci, Sr. Dom! Irei fazer faxina no seu apartamento amanhã às sete. -respondeu dando um tchauzinho.

Outros passos e...

- Jovem Ânya, aquela geringonça de fazer comida estragou de novo! Será que poderia...

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