Geraneia 3/3

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Num instante e já estava a contornar o muro pelo lado oeste. Estava entre as pedras e o precipício. Estava tão próxima do muro que podia ouvir guardas conversando. Ao fundo, o uivar da alcateia atraiu a atenção de alguns deles e foram ver do que se tratava. Apesar do caminho estar livre, precisava andar com cautela pois não ventava naquela noite e os lobos eram a única garantia que tinha de conseguir contornar o forte sem me ouvirem. Ao chegar na extremidade do muro, escalo alguns degraus e percebo que a torre do lado norte estava vazia. Continuar ou não no plano de invadir pelo lado leste? Eis a questão. Sempre tive e ainda tenho problemas de atenção e de seguir rigorosamente um plano. Mas fazer o que? Encaro como um sinal dos deuses.

A torre era o ponto mais alto do forte e teria o tempo dos lobos terminarem de comer o porco para conseguir replanejar. A escalada foi fácil, apesar da altura. Pelas luzes das tochas pude contar dezoito homens. Proporção que só não é menos favorável do que a dos espartanos nas Termópilas. Subitamente escuto um andar bem abaixo de mim. Dezenove homens. Era o primeiro que enviaria para o Hades. Não poderia fazer escândalo, a morte teria que ser perfeita. Lentamente saquei minha adaga e agachada o esperei subir a escada para atacá-lo de costas. Quando sua cabeça apareceu pelo buraco o esperei subir não mais do que o tempo de um suspiro e então enterrei a lâmina em sua garganta tampando a boca com meu antebraço. Não houve tempo nem de levantar as mãos. Sua face era de terror. Após sentir seus músculos esvaecerem o joguei do alto do muro. Ninguém o acharia. O ruim desse tipo de morte é que muito sangue é derramado, chama muita atenção.

O próximo a ver Caronte (barqueiro que carrega as almas dos recém-mortos pelas águas do rio Aqueronte para as portas do submundo) estava sozinho na torre ao lado, no meio do muro norte.Os outros homens estavam entretidos com os lobos.Para este decidi uma morte aguda, com minhas flechas recém compradas. A distância era boa, por volta de vinte e cinco passos. O luar oferecia boas condições e num sopro a flecha atravessou o pescoço. Sem conseguir gritar, o infeliz começou a descer as escadas. Errei ao achar que tinha conseguido um tiro perfeito. Num pulo, corri agachada pelo corredor enquanto ele vinha em minha direção. Perfurei sua couraça com a lâmina de minha espada, que havia atravessado suas costas. Joguei-o para fora do muro.Até o momento só me restavam dezessete.

O terceiro estava na torre leste. Abaixada, corri para chegar ao local, mas tive a infelicidade de fazer barulho pisando no assoalho.

- Pélios, é você? Poderia pegar a água que deixei aí embaixo, por favor?Está quente hoje, não acha?

- Uhum. - Confirmei, tentando engrossar a voz.

Subi as escadas com a jarra d'água numa mão e uma δόρυ(dóru - lança) na outra esperando o rosto do homem aparecer como uma serpente na iminência do bote. Quando o homem se agachou, estourei seus olhos com a ponta da lança, assim como Zeus aniquila com seus raios. Infelizmente não poderia jogá-lo pelo muro, pois havia um guarda abaixo. O lado leste, cercado por uma floresta, possuía corredores com mais de um andar. Deixei o corpo ali mesmo num canto. O homem abaixo seria o último que estaria sozinho, os outros ou estavam ocupados tentando espantar os lobos ou estavam na cozinha, a alguns passos. Esperei o momento em que o infeliz passou por mim e então saltei com a espada pronta para atingi-lo nas costas. Mas tinha uma pedra no meio do caminho, tropecei e cai em cima dele. Assustado, o homem se levantou com seu escudo o protegendo.

- Mas o que é isso? - Perguntou espantado.

Não poderia deixá-lo gritar. Não era hora de chamar atenção. Uma luta num lugar estreito contra alguém com um escudo não é uma luta justa, não acha?Num piscar de olhos olhei para o lado e vi uma lamparina e instintivamente a peguei e joguei sobre sua cabeça e num instante ele estava em chamas. O malaka se virou para abrir a porta, em direção à cozinha. Mesmo em chamas o agarrei pelas costas e o arrastei até a sacada da torre. Consegui jogá-lo de cima, mas chamei atenção. Dois homens saíram da cozinha e começaram a caminhar na direção da torre.Deixei a lança do homem morto ao lado da porta e tão logo retesei meu arco. Mesmo pela penumbra era possível por uma fresta os dois andando com as pernas tortas.

Kassandra - Memórias de uma mercenáriaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora