8º Capítulo - Quebrando Antigas Regras

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O ar da sala pesou. A temperatura pareceu cair graus consideráveis. Novamente, de forma quase que inevitável, todos nós encaramos mamãe.

O silêncio era mórbido. Não éramos capazes de escutar nem mesmo a respiração uns dos outros. Nada foi dito por um bom tempo e, por isso, recomecei:

_ Mãe, pense comigo: se nos falta uma combatente da família, que saiamos em busca de outra! E, no caminho, procuremos novas pessoas que estejam dispostas a nos ajudar! Sei que a moça que encontrarmos para ser a guerreira principal não terá o sangue da família, e isso é novo diante de todas as gerações que já viveram neste lugar e lutavam por esta mesma causa, mas não é de hoje que o destino brinca conosco... E não podemos ficar de braços cruzados, aceitando de bom grado o fato de que tudo vai ruir!

Ninguém dizia sequer um pio e isso começava a me incomodar.

_ Poderemos começar recrutando apenas pela região, já que a situação atual exige retorno urgente, mas futuramente sairemos por todos os Estados Unidos e, quem sabe, pelo mundo! Podemos criar outras sedes em outros países e...

_ Nicolas... – chamou Clara de algum lugar que não fui capaz de identificar, trazendo-me de volta à realidade.

Ok, empolgação demais... Vamos focar apenas no agora.

_ Como saberá que achou a combatente? – perguntou de repente um dos membros, duvidando descaradamente que minha ideia daria certo.

_ Não consigo explicar, apenas sinto que saberei. – respondi friamente, tentando transmitir segurança para todas aquelas pessoas.

Era fácil me colocar no lugar delas... Assustado, sem direção, sem fé... Quando o medo invade nossa mente, nada mais parece fazer sentido, nada mais parece querer dar certo. É quase que inevitável deixar-se levar por isso! É quase que impossível resistir... Mas eu teria que resistir. Por mim e por eles. Pela Luz.

_ Então você também sairá nessa jornada? – fui capaz de escutar a voz de Nani soando baixinha, em algum lugar dentre as pessoas.

_ Se sairei nessa jornada? Bem, a ideia foi minha, então não farei como um covarde recrutando outros para saírem em meu lugar, enquanto fico aqui aguardando as coisas se resolverem. – expliquei com segurança, encarando os membros um por um nos olhos, para que entendessem que estava falando sério. Muito sério.

_ Irá sozinho? – questionou Dendras a meu lado, assustado.

_ Não, isso não. Mas não obrigarei ninguém a ir comigo. Farei uma lista de pessoas que gostaria que me acompanhassem e as convidarei, mas terão toda a liberdade de dizer "não" se quiserem. – respondi sorrindo.

Todos começaram a concordar com a cabeça, ponderando a ideia e, pouco a pouco, aceitando-a. Todos, menos mamãe.

Sua expressão era séria, tensa, preocupada, como se buscasse a melhor forma de voltar no tempo e calar minha boca, antes que qualquer missão louca fosse proposta.

_ Nicolas, - chamou ela, para conquistar não só a minha atenção, como também a dos demais. – se o Caos está recrutando e nós, inconsequentemente, começarmos a recrutar também, entraremos em um embate direto antes do tempo, não será preciso nem uma batalha! – encolhi os ombros. Estava disposto a encarar um embate direto antes do tempo se fosse preciso, contanto que não ficasse sentado de braços cruzados olhando para o céu, esperando o tempo passar, enquanto o Caos cresce e se fortalece e nós apenas enfraquecemos. Mas como dizer isso para mamãe sem parecer que quero enfrenta-la?

_ Mãe... – tentei começar, mas fui interrompido.

_ E além disso, - continuou ela, com um lamento. – recrutar pessoas é contra as antigas leis, porque fere o livre arbítrio do indivíduo de, por si só, buscar o Caos ou a Luz.

Nesse momento, todos os membros começaram a falar juntos, como se todos tivessem pensado em uma boa resposta para contradizer mamãe. Mais uma vez o grande salão ecoava vozes exaltadas e premonições terríveis dos que insistiam em manter a dura visão pessimista da situação.

Era como lidar com várias crianças em um mesmo cômodo no instante em que se pergunta do que querem brincar. "Não interessa que ninguém entenda, contanto que diga minha brilhante opinião" é o que todos pensam, encorajando a si mesmos a gritarem loucamente, lutando por uma voz de destaque na multidão.

_ SILÊNCIO! – gritei novamente, jurando a mim mesmo que aquela seria a última vez. Todos se acalmaram e voltaram a me olhar. – Mãe, numa época em que o mundo não estava assim, tão bagunçado, essa lei valia à pena, mas agora, que tudo é uma loucura e as almas estão perdidas, precisamos resgatar o bem antes que o mal as consuma.

Mais uma vez, nenhum pio foi proferido por um bom tempo. Mamãe ergueu as mãos e puxou o cabelo para trás, envolvendo-o em um coque que se desfez assim que seus dedos abandonaram os fios e percorreram seu rosto, como quando emergimos de uma piscina e queremos livrar nossa pele das gotas de água.

Mamãe estava travando uma luta interna consigo mesma, odiando a ideia de ter que quebrar antigas leis, mas odiando mais ainda a possibilidade de ser forçada a não fazer nada e apenas esperar pela inevitável batalha e muito provável derrota da Luz.

A verdade é que recrutar era a única saída. Não seríamos páreo para o Caos nem se levássemos os membros presentes na Luz nesse momento à exaustão de tanto treina-los. Precisávamos de mais pessoas e este era um fato que ninguém podia negar. Mas, além de pessoas, precisávamos ainda mais de esperança, sentimento que essa jornada com certeza nos traria.

_ Ah! Tudo bem. – soltou mamãe, quase que em um suspiro. – Alguém se opõe a essa ideia?

Ninguém disse nada. Minhas pernas começaram a tremer.

_ Então está bem, filho. – disse ela após longos segundos. – Eu autorizo essa jornada.

O Ciclo de Sangue - A Queda do Legado (livro 03)Onde histórias criam vida. Descubra agora