Capítulo 13 - Sentir-se invisível

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Não se podia falar que a vida de Juca, na casa da família, era ruim ou triste, pois não era esse sentimento que tinha em relação a sua família. Depois do problema familiar que teve com a mãe e ela foi embora, ele conseguia manter a tranqüilidade necessária em casa, gostava do pai e da avó, então podia falar que era um rapaz feliz.

Juca tinha 28 anos, era um rapaz alto, magro, com o rosto liso, quase não tinha barba e tirava as penugens que tinha, o nariz era mediano, tinha uma grossa sobrancelha, os cabelos eram lisos e rebeldes, caídos na testa, seus olhos eram poucos expressivos e calmos, quem era mirado por ele sentia—se como se estivesse sendo analisado, e sua boca era grande e bem desenhada, mas ele quase não ria nem mostrava seus alinhados dentes.

Ele não podia dizer que tinha amigos, alias, não tinha mesmo. Mas uma parte disso era culpa dele mesmo, sentia preguiça de fazer as burocracias das amizades, achava que era perder tempo.

— Eu nunca vi esse menino com um amigo – falava a avó em um final de semana quando toda a família estava reunida. – Vai morrer solitária.

— E a senhora tem amigos, ué – retrucava o senhor Antonio. – Nunca vi a senhora com amigas.

— Pois viu errado. Se não fosse essa maldita cadeira de rodas eu estaria com minhas amigas fazendo alguma coisa, pois estão todas com saudade.

— Devem estar é tudo morta – ria o senhor Antonio com sua piada de mau gosto. – A última vez que a senhora brincou com elas foi há 70 anos.

A avó ficava resmungando e assim ficavam ela e o senhor Antonio todo o restante do dia. Mas Juca não se sentia atingido com isso também, sabia que não tinha amigos nem se preocupava com isso, afinal, foi quase que uma escolha dele tudo isso.

Ele não se sentia solitário. Às vezes queria era estar um pouco mais sozinho. Pensava em um dia ter sua própria casa e morar sozinho, mas não sabia ao certo porque ainda não saiu de casa. Podia alugar alguma coisa ali na cidade mesmo. Ganhava o suficiente na floricultura, seu pai, em relação a isso, era justo, ao menos com ele, o que não fazia com as vendedoras.

*****

Era um sábado de sol e calor. Juca abriu as cortinas do seu quarto. Quando olhou para a rua, viu que havia um caminhão de mudança na casa à frente. Ele voltou a fechar a cortina e ficou dentro do seu quarto por muito tempo. Na escuridão.

Ficou ali em frente à janela com as cortinas fechadas por muito tempo, por horas, na verdade. O poder de concentração de Juca era algo que impressionava. Colocou a cortina de lado novamente. O caminhão de mudança já havia ido embora, mas ele pode ver, pelas janelas da casa da frente, que a moça de cabelos curtos estava arrumando caixas de mudanças. Ficou ali olhando a moça por algum tempo, até que ela percebeu que era observada. Juca pode ver que a moça derrubou uma caixa, provavelmente tinha alguma coisa de vidro, pois quebrou. A moça deu um pulo de susto e se afastou da visão da janela. Ficou aparentemente nervosa com o olhar de Juca nela.

Ele tocou o vidro da sua janela. Não queria assustar a moça, sentiu—se culpado.

— Desculpa! – falou num sussurro. Juca sempre pensava que era invisível, ele queria ser invisível. Invisível para poder olhar as pessoas, observar sem ser julgado, queria ser invisível para que sua presença não causasse esse espanto que causou agora na moça de cabelos curtos. Ele queria ficar ali, a observar arrumar suas mudanças, e, se fosse invisível, ela não teria se assustado assim. Ele não queria ser invasivo, só queria apreciar a vida dos outros, como apreciava as flores nos vasos na floricultura sem ser julgado por elas. E passava horas ali olhando e apreciando a beleza de cada flor. Para as flores, ele era invisível.

Queria não assustar mais a moça de cabelos curtos que estava se mudando para a casa da frente.

Desceu para o térreo da casa. A avó e o pai estavam na sala. Ambos em silêncio vendo TV. Ao menos naquele momento não estavam trocando farpas um com o outro. Juca saiu de casa sem falar nada nem foi questionado pelo pai ou pela avó aonde iria. Menos mal assim.

Caminhou devagar e sem pressa até o comercio circular. Estava movimentado o centro, como sempre ficava nos finais de semana; famílias passeando com suas crianças, jovens namorando, idosos passeando e se exercitando na praça. O comercio de alternativo estava funcionado. Eram cafés, bares, sorveterias, todos cheios de clientes, e até mesmo nos sábados e domingos as barracas de flores funcionaram, poucas, mas estavam ali vendendo suas flores.

Juca sentou em um banco em frente ao um café, cercado de vasos de plantas e canteiros bem decorados. Ao menos ali, com a cidade com as ruas cheias, Juca se sentia mais invisível, como queria estar. Podia ficar horas li sentando quieto, sem ser incomodado, ou assustar as pessoas, como fez com a moça de cabelos curtos. Juca ainda estava se sentindo culpado por isso, queria poder pedir desculpa a ela, mas como faria? Não sabia ainda.

Ali, sentado, Juca fez o que às vezes faz a tarde dos finais de semana: ficou a observar todos que iam e vinha. A floricultura estava fechado, mas muita gente vendia flores na rua e muita gente comprava. Na banca de uma senhora, viu um casal que comprava uma rosa. Mais um casal apaixonado se presenteando. Do outro lado, viu uma senhora que comprava um vaso com uma planta de uma mulher em sua barranca especialista em plantas. A senhora sorria feliz com sua nova compra. Via gente entrando e saindo do café ao lado onde ele estava. Via gente entrando e saindo da sorveteria. Eram conhecidos dele, mas, Juca tinha certeza, que quase todos não o conheciam, assim era melhor mesmo.

Então, Juca olhou para o outro lado, para uma barraquinha pequena ao lado da igreja. Ali, viu uma mica morena que vendia doces em potes. Juca a conhecia muito bem. Alias, a conhecer muito bem era quase uma metáfora. Ele, Juca, a conhecia, mas não tinha certeza que a vendedora de doces o conhecia também. O coração de Juca acelerou, sua respiração ficou ofegante.

Juca tinha seu amor, platônico, na vendedora de doces.


Todas as Paixões de Juca AomiWhere stories live. Discover now