6º Capítulo - O que faremos agora?

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Lembro como se fosse ontem do quão cheio ficava aquele salão quando mamãe convocava uma reunião daquelas proporções, na qual todos os membros da Luz marcavam presença e tagarelavam sem parar. Eram tantas cabeças, braços e pernas espalhados pelo cômodo que não havia uma vez sequer que não me perdesse na multidão e chorasse, clamando por socorro.

Bem, talvez tinha essa impressão porque era bem pequeno e, naquela época, o mundo parecia realmente um lugar de gigantes. Mesmo assim, hoje posso afirmar: nunca havia visto o salão principal tão vazio e sem cor.

A lua não brilhava tanto por entre as janelas enormes que ocupavam um bom espaço das paredes. A falação estava silenciada. Pouco mais de cinquenta pessoas aguardavam o comunicado arrasador que a líder faria. A noite estava agitada, mas silenciosa.

Era desolador...

Desolador porque eu sabia que quanto mais ficávamos fracos, mais o Caos crescia. Nosso fracasso era sinônimo imediato de uma derrota épica e uma consequente propagação do mal no mundo. Podia sentir isso...

Desolador porque eu queria fazer algo, mas não podia! Ou melhor, ainda não sabia o que fazer...

Mas descobriria.

_ Vai dar tudo certo, cara... – ouvi Dendras sussurrar, tocando meu ombro e forçando um sorriso amarelo.

Encarei-o por alguns segundos tentando encontrar a certeza daquelas palavras, mas nada enxerguei. Meu irmão temia tanto quanto eu, apenas evitava demonstrar... Ao menos um de nós precisava manter a sanidade.

Quanto mais o comunicado demorava para acontecer, mais raiva de Clara crescia à contragosto em meu interior. Seu egoísmo era inexplicável e inaceitável! Ela e essa mania ridícula de enxergar sempre apenas o próprio nariz. Não dava para entender ou no mínimo aguentar essa atitude! Aaaaaaargh, que ra...

_ Atenção! – exclamou mamãe, subitamente, sugando minha consciência do poço de ódio na qual estava me afogando. Todos focalizaram a líder. – Infelizmente, hoje não trago boas notícias.

Os murmurinhos começaram a aumentar, fazendo com que minha alma se agitasse mais ainda.

Minha mãe estava instável, era capaz de sentir, e a vontade de socorrê-la aumentava gradativamente.

Clara e Nani a haviam abandonado e agora escondiam-se em algum canto para não serem diretamente bombardeadas com a chuva de desespero que se assomaria assim que a líder desse a notícia.

Papai estava há poucos metros de sua esposa com olhar apreensivo, supondo que raio de más notícias eram estas que estavam prestes a vir à tona. Tio Marcel e tia Anna aparentemente eram os únicos ausentes no salão. Imagine a notícia sendo recebida por uma mulher que pode contar nos dedos o tempo que falta para das à luz? Deus que me livre! Teria o filho ali mesmo. Tio Marcel deve ter ficado para fazê-la companhia e...

_ A chegada de minha filha antes da data prevista para tal, embora me alegre, possui motivos preocupantes... – continuou mamãe, dando voltas e mais voltas no assunto, enrolando para soltar a bomba da melhor forma possível. Se é que teria como... – Todos se preocupam quanto a demora no nascimento da próxima combatente.

Os murmurinhos aumentaram.

Fechei os olhos. Droga, queria eu estar cuidando de tia Anna para fugir daquele momento...

_ Nos aflige e muito tal assunto, pois sabemos que o tempo está passando e...

De repente, do meio da multidão, uma voz explodiu:

_ EU NÃO POSSO ENGRAVIDAR!

Minha irmã não suportou as voltas de mamãe e resolveu puxar o gatilho ela mesma. Parabéns, Clara. Pensei. Situação piorada com sucesso.

De imediato, todos se calaram e encararam a líder, buscando a confirmação. Minha mãe, impotente, derrotada, assustada e visivelmente perdida limitou-se a baixar os olhos e fazer que sim com a cabeça, pesadamente.

No mesmo momento, todos resolveram falar.

_ Ai meu Deus, estamos condenados.

_ O que faremos?

_ NÃO VOU MAIS FICAR NESTE LUGAR!

_ Quero ir embora daqui.

As poucas crianças que estavam no cômodo começaram a chorar, assustadas com os gritos e empurrões dos adultos. Muitos não aguentaram acompanhar a agitação sentados: empurraram suas cadeiras bruscamente para trás e começaram a tagarelar. Alguns assentos se desequilibraram e caíram de encontro ao chão, provocando mais lágrimas e gritos de susto por parte das crianças.

Meu irmão se encolheu ao meu lado, sem saber o que fazer. Papai estava chocado demais para tomar qualquer providência. Mamãe soluçava, tentando com todas as forças segurar o choro.

E eu? Eu pressentia que isso ainda iria piorar.

O Ciclo de Sangue - A Queda do Legado (livro 03)Onde histórias criam vida. Descubra agora