Lembro como se fosse ontem do quão cheio ficava aquele salão quando mamãe convocava uma reunião daquelas proporções, na qual todos os membros da Luz marcavam presença e tagarelavam sem parar. Eram tantas cabeças, braços e pernas espalhados pelo cômodo que não havia uma vez sequer que não me perdesse na multidão e chorasse, clamando por socorro.
Bem, talvez tinha essa impressão porque era bem pequeno e, naquela época, o mundo parecia realmente um lugar de gigantes. Mesmo assim, hoje posso afirmar: nunca havia visto o salão principal tão vazio e sem cor.
A lua não brilhava tanto por entre as janelas enormes que ocupavam um bom espaço das paredes. A falação estava silenciada. Pouco mais de cinquenta pessoas aguardavam o comunicado arrasador que a líder faria. A noite estava agitada, mas silenciosa.
Era desolador...
Desolador porque eu sabia que quanto mais ficávamos fracos, mais o Caos crescia. Nosso fracasso era sinônimo imediato de uma derrota épica e uma consequente propagação do mal no mundo. Podia sentir isso...
Desolador porque eu queria fazer algo, mas não podia! Ou melhor, ainda não sabia o que fazer...
Mas descobriria.
_ Vai dar tudo certo, cara... – ouvi Dendras sussurrar, tocando meu ombro e forçando um sorriso amarelo.
Encarei-o por alguns segundos tentando encontrar a certeza daquelas palavras, mas nada enxerguei. Meu irmão temia tanto quanto eu, apenas evitava demonstrar... Ao menos um de nós precisava manter a sanidade.
Quanto mais o comunicado demorava para acontecer, mais raiva de Clara crescia à contragosto em meu interior. Seu egoísmo era inexplicável e inaceitável! Ela e essa mania ridícula de enxergar sempre apenas o próprio nariz. Não dava para entender ou no mínimo aguentar essa atitude! Aaaaaaargh, que ra...
_ Atenção! – exclamou mamãe, subitamente, sugando minha consciência do poço de ódio na qual estava me afogando. Todos focalizaram a líder. – Infelizmente, hoje não trago boas notícias.
Os murmurinhos começaram a aumentar, fazendo com que minha alma se agitasse mais ainda.
Minha mãe estava instável, era capaz de sentir, e a vontade de socorrê-la aumentava gradativamente.
Clara e Nani a haviam abandonado e agora escondiam-se em algum canto para não serem diretamente bombardeadas com a chuva de desespero que se assomaria assim que a líder desse a notícia.
Papai estava há poucos metros de sua esposa com olhar apreensivo, supondo que raio de más notícias eram estas que estavam prestes a vir à tona. Tio Marcel e tia Anna aparentemente eram os únicos ausentes no salão. Imagine a notícia sendo recebida por uma mulher que pode contar nos dedos o tempo que falta para das à luz? Deus que me livre! Teria o filho ali mesmo. Tio Marcel deve ter ficado para fazê-la companhia e...
_ A chegada de minha filha antes da data prevista para tal, embora me alegre, possui motivos preocupantes... – continuou mamãe, dando voltas e mais voltas no assunto, enrolando para soltar a bomba da melhor forma possível. Se é que teria como... – Todos se preocupam quanto a demora no nascimento da próxima combatente.
Os murmurinhos aumentaram.
Fechei os olhos. Droga, queria eu estar cuidando de tia Anna para fugir daquele momento...
_ Nos aflige e muito tal assunto, pois sabemos que o tempo está passando e...
De repente, do meio da multidão, uma voz explodiu:
_ EU NÃO POSSO ENGRAVIDAR!
Minha irmã não suportou as voltas de mamãe e resolveu puxar o gatilho ela mesma. Parabéns, Clara. Pensei. Situação piorada com sucesso.
De imediato, todos se calaram e encararam a líder, buscando a confirmação. Minha mãe, impotente, derrotada, assustada e visivelmente perdida limitou-se a baixar os olhos e fazer que sim com a cabeça, pesadamente.
No mesmo momento, todos resolveram falar.
_ Ai meu Deus, estamos condenados.
_ O que faremos?
_ NÃO VOU MAIS FICAR NESTE LUGAR!
_ Quero ir embora daqui.
As poucas crianças que estavam no cômodo começaram a chorar, assustadas com os gritos e empurrões dos adultos. Muitos não aguentaram acompanhar a agitação sentados: empurraram suas cadeiras bruscamente para trás e começaram a tagarelar. Alguns assentos se desequilibraram e caíram de encontro ao chão, provocando mais lágrimas e gritos de susto por parte das crianças.
Meu irmão se encolheu ao meu lado, sem saber o que fazer. Papai estava chocado demais para tomar qualquer providência. Mamãe soluçava, tentando com todas as forças segurar o choro.
E eu? Eu pressentia que isso ainda iria piorar.

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O Ciclo de Sangue - A Queda do Legado (livro 03)
FantasyNicolas é o segundo, último e inesperado filho de Lucy e Ícaro. Tem dezenove anos, foi criado na sede dos Luminescentes e, desde sempre, treina para ser um guardião. Entretanto, como seu irmão adotivo, Dendras, sempre diz, ele não é apenas um guardi...