Capítulo IV

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IV

 

"Pois luz e espírito não eram a essência da alma de Amélia?

Quando essa alma a vestia com uma túnica resplandecente,

que
 mulher se lhe podia comparar em lindeza?

Então não era somente formosa,

flutuava em um éter de beleza deslumbrante."

 

“O que eu admirava nela, não era seu talhe elegante e seu 
rosto gracioso:

era unicamente a emanação de sua alma pura, o seu casto e ingênuo sorriso.”

 

José de Alencar, A Pata da Gazela

 

 

Findava o ano de 1864 quando Amélia retornou definitivamente para casa. Ela achou que não acabava, mas terminou. Como tudo nessa vida, as fases sempre terminam. E terminou a fase em que ela teve de frequentar o internato.

Doeu muito quando ela entendeu porque o motivo do movimento estranho no lar naquele ano distante de 1860.

O ano de 64, contudo, fora o que vira Fabrício pela última vez antes da maldita guerra da tríplice aliança. Que vira seu rosto tão belo, perfeito, jovial ao extremo, intacto, lhe fitar amoroso. Doíam as decisões tomadas, alheando-a em tudo. Entretanto, ela não deixou ninguém perceber. Se não por Ana, sua amiga querida, da qual, como já sabemos, era praticamente impossível esconder qualquer coisa.

Os pais achavam que ela se tornaria mais fina e educada. Saberia dançar e se comportar com ainda mais elegância que eles mesmos podiam ensinar, por mais que se esmerassem. Afinal, havia sempre novidades no mundo. Havia sempre novos usos. E eles já se sentiam idosos demais. Crisóstomo tinha certeza que tanto dinheiro que lhe custariam as mensalidades poderia, é óbvio, comprar uma educação perfeita para sua filhinha amada.

A carruagem se aproximava da residência de sua avó Paulina. Queria vê-la antes de todos. Com a velha senhora havia uma intimidade boa, daquelas que nos sentimos a vontade para sentirmo-nos frágeis com naturalidade e expor nossos desejos por mimos e queixumes.

Ou de apenas deixar-se estar na presença de alguém que sabemos nos amar incondicionalmente.

D. Paulina Bernardes já a esperava no portão. E Amélia, ao vê-la sob o sol alaranjado da tarde, abriu o maior e mais lindo sorriso do mundo, o jovem coração acelerado de saudade e ternura.

A velha já tinha deixado há muito a marca dos 80, data que Amélia se lembrava de ter sido muito festejada por seus pais, com leitoas e muito, muito vinho. E era admirável a disposição daquela senhora de tão nobre porte em comparação a tantas que se iam já cansadas, exauridas da vida, sendo duas, até três décadas mais jovens que ela.

“Quero ser como minha avó Paulina!” — Amélia dizia a si mesma, pensando em velhice.

A avó Paulina, assim como todos os outros membros das famílias Bernardes e Mascarenhas e os amigos dessas acompanharam ano após ano as mudanças que o tempo continuou operando em Amélia. Foi num crescente de como se os olhos pudessem, em pausas esparsas, irem se arregalando de admiração.

Quando os hormônios enfim descansaram, o fígado, os rins operaram profícuos como de costume e a alimentação diferente do colégio surtiu o efeito, a pele de Amélia se purificou. Até seu pai admirou-se. Quando via o rosto da filha num passado que, para alegria dela, não voltaria, tinha por certo que seria daquelas da pele delicada que depois da inescapável fase da puberdade, ganham crateras no rosto.

Graciosa [Em Andamento♡]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora