Capítulo XXII - Vaidade

85 6 6
                                    

E acordei, despertei não do meu sono profundo, mas de um profundo e intenso sonho que quase me levou. Na verdade, nem sei se for um sonho. O real está se misturando com o imaginário numa dança de corpos que ainda me deixa tonta pelo ritmo contagiante.

            - Já acordou minha querida? – e a primeira pessoa que viu foi Pandora, sentada na beira da cama com a mesma roupa de ontem. Tentou se mexer, mas todo o seu corpo doía – não minha filha, fique quieta descansando. Tente não se mover, quer alguma coisa?

            - Pandora, eu quero ir embora. – disse resistindo à dor que seus ouvidos lhe causavam de fora para dentro por ter escutado todas as confissões – já ouvi tudo que tinha para ouvir.

            - Não, você ainda não ouviu a história toda.

            - Então termine de derrubar o muro porque os buracos que foram feitos nele já o deixaram fraco.

            - Perpetua e Perséfone são suas irmãs. – estava anestesiada e isso não a abalou tanto. Só conseguiu com que ela pensasse um pouco, a diferença de idade era clara, um ano entre as duas filhas da sua tia e Francisquinha tinha a mesma idade de Perséfone então o pai dela tinha conhecido Pandora antes de ter um filho com a Maria Cecília e quando estava com ela ainda teve outra filha com Pandora. Isso estava fazendo com que ela ficasse tonta e não conseguisse entender o que realmente aconteceu.

            - Eu estou ficando louca, meu pai ele conheceu a minha mãe antes ou depois da minha tia? – perguntou sem rodeios porque sabia que Pandora era uma caixa de segredos daquela família.

            - Seu pai nunca lhe contou como conheceu sua mãe? Não era bem uma roça, era só um punhado de terra em meio as grandes fazendas que se estendiam por uma região que eu não me recordo. Ele me contou que na sua mocidade viu uma menina completamente nua correndo com as outras crianças e ficou apaixonado. Não era uma mulher formada, mas o jeito estava lhe deixando perdido de amor. Depois ele viajou para o Rio para ficar com a avó e quando voltou encontrou com a sua mãe, se casou e depois de três anos teve você. Nesse espaço de tempo, o casamento e o seu nascimento ele conheceu Petúnia e tudo aconteceu. – passou a mão nos cabelos – Eu era um tipo de ouvinte que não queria ouvir, as noticias chegavam a mim sem nem ao menos ser perguntada se queria ou não saber.

            - Então porque ele me deixou com minha tia e não com você?

            - Ele sabia que eu conhecia essa história de cor e salteado e não iria arriscar que eu a contasse, então mandou você para a primeira pessoa mais confiável: sua tia – sua tia, essas duas palavras não soam como antigamente, estão com um peso mais leve. Eu a considerava como uma mãe por ter estado ao meu lado e na verdade ela era a minha madrasta.

- Eu não posso mais ficar aqui, não me sinto confortável, nada aqui é meu. Quando eu respiro o ar pesa nos meus pulmões, como se eu estivesse pecando.

- Me diga um lugar que você pode ficar. - disse num tom desafiador achando que teria dado um xeque-mate, mas se movel com um peão.

- Não sei, eu ainda não pensei nisso. - Francisquinha estava a deixando sentir um pouco do gosto da vitória.

- Voltar para a casa da sua madrasta... - cortou a mulher com a frase que ela mais temia.

- Não, talvez a casa daquela mulher no Rio.

Foi como matar um coelho sem nem uma cajadada. Só conhecia o Rio por relatos e fotos, seria interessante morar lá. Sentir novos ares, apreciar uma nova paisagem.

- A sua avó?

- Sim

- A sua avó é uma das mais ricas de lá e também uma das mais avarentas. - disse tentando me convencer a não ir.

FrancisquinhaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora