Dois irmãos contra o mundo

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Somos bem poucos hoje em dia. Embora existam muitas histórias sobre nós, a maioria das pessoas acredita que sejamos apenas "personagens de contos de fadas". A verdade é que somos reais... De fato, houve um tempo em que Dragões e Feiticeiras eram comuns, mas caímos no esquecimento, nos tornamos lendas. E, se parar pra pensar, foi melhor assim.

Quando eu era pequena, morria de inveja do meu irmão. Afinal, poder se transformar em um dragão parece muito mais interessante do que ficar com a cara enfiada em livros de feitiços, não é mesmo? Ao menos era o que eu pensava naquela época... Talvez, nos tempos dos nossos antepassados, ser um dragão pudesse realmente ser mais divertido. Eles eram livres para exibir suas escamas à luz do dia, esticar as asas e voar para onde quisessem, na hora que quisessem... Mas isso foi antes dos homens começarem a caçá-los. Foi antes das lendas sobre os supostos tesouros escondidos. Antes das mentiras sobre princesas raptadas. Antes de os dragões serem obrigados a esconder sua identidade.

Claro que para uma feiticeira as coisas também não são exatamente fáceis, mas não tenho do que me queixar. Tive o privilégio de ter nascido no local e época corretos. Por incrível que pareça, em pleno século vinte e um, o mundo está repleto de esoterismo. Superstições, videntes, biscoitos da sorte com números para apostar na loteria, e até gente cobrando por hora para conversar com o além. Se esse pessoal houvesse nascido há três ou quatro séculos, seriam todos queimados em praça pública. Eu, provavelmente, também seria. E sequer precisaria me expor usando magia para que isso acontecesse.

Se, por um lado, para mim é fácil camuflar minhas habilidades em meio a todo o charlatanismo e crendices da atualidade, para o meu irmão já não é tão simples. Enquanto eu cresci aprendendo como usar minha magia para invocar feitiços e criar poções, meu irmão caçula cresceu aprendendo a reprimir seus instintos e seu desejo por liberdade. Era mais fácil quando erámos crianças... Ele ainda era pequeno o bastante para se transformar dentro de casa e correr pelo quarto. Tudo era tão simples e divertido naquela época! O nosso quarto era o nosso mundo e nós tínhamos um ao outro para brincar o dia inteiro. Nossos pais, é claro, diziam para não usarmos nossos poderes quando saíamos para a rua, mas, ali dentro, nós éramos livres e podíamos ser nós mesmos. Podíamos fazer o que quiséssemos (exceto colocar fogo no tapete... Fiquei uma semana sem televisão por causa disso).

Sinto tanta saudade da nossa infância. E dos nossos pais... Eles sabiam que a nossa vida não seria fácil, mas, ainda assim, escolheram botar no mundo duas crianças tão diferentes das outras. Sempre moramos em cidades do interior, estudando em escolas pequenas e escolhendo as casas mais afastadas do centro. Chegamos a ter que nos mudar duas vezes porque meu irmão acabou se expondo na frente de alguém. Não era culpa dele, ainda que, às vezes, eu achasse mais fácil pensar que fosse... A verdade é que os meus poderes sempre foram tão difíceis de controlar quanto os dele, só não eram tão chamativos. Quando meu nervosismo em um dia de prova disparava acidentalmente os sprinklers da escola, ninguém me acusava de bruxaria... Por outro lado, nem sempre era possível convencer as pessoas de que o lagarto gigante que haviam avistado era, na verdade, um jacaré.

Felizmente, sempre que algo assim acontecia, todos preferiam desacreditar as testemunhas, dizendo que estavam bêbadas, loucas ou inventando histórias. No máximo, uma nova lenda sobre o chupa-cabras ou algum alienígena acabava surgindo na região. Nunca chegamos de fato a ter algum problema, mas, ainda assim, meus pais preferiam nos levar para longe, antes que a imprensa aparecesse fazendo perguntas. Foi somente depois de terminarmos o colégio que a minha família pode se mudar para a capital. Naquela época, já tínhamos aprendido a dominar nossas habilidades, então não havia mais o risco de nos expormos acidentalmente.

No começo, tudo foi maravilhoso. Como qualquer jovem "normal" da nossa idade, nós frequentamos a faculdade, fizemos amizades, fomos a festas e, aos poucos, começamos a nos sentir parte daquele mundo. Meu irmão conseguiu um estágio em estúdio de publicidade e, quase que como uma piada, o meu primeiro emprego foi em uma loja esotérica. Nenhum dos dois ganhava muito bem, mas não dependíamos daquele dinheiro para nos manter, já que ainda tínhamos os nossos pais naquela época... Mas, infelizmente, perdemos os dois em um acidente de carro no final daquele ano. E foi então que as coisas começaram a dar errado.

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