Rainha do Maranhão - São Luís (MA)

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Dizem que não existe problema social sem solução. Apenas problemas sociais lucrativos. A escravidão, por exemplo, foi uma grande chaga na história do Brasil. Na contramão de todo o planeta, fomos o último país do ocidente a oficialmente abolir a escravatura em 1888.

A razão para essa demora era relativamente simples, ainda que cínica e reprovável. O trabalho escravo financiou algumas das maiores fortunas brasileiras. Para os poderosos da época, não era comercialmente interessante reconhecer os direitos dos negros. A ganância e frieza destes homens e mulheres fez com que a economia do Brasil fincasse seus alicerces na crueldade e na injustiça desde muito cedo.

Mas não foram apenas as fortunas das famílias tradicionais brasileiras que se forjaram no sangue do trabalho escravo. Também a nossa cultura foi impregnada pelas barbáries cometidas pelos senhores escravistas. Atos horríveis que marcaram a vida de milhões de pessoas. E, em alguns casos, continuam a reverberar depois de tantos séculos. Não apenas nos descendentes de escravos e senhores, mas também no além túmulo.

Ana Joaquina Jansen Pereira, foi uma mulher de grande poder econômico e de forte influência social em São Luís do Maranhão do século IXX. Nascida pobre em 1797, na capital maranhense, sua condição social começou a mudar quando trocou de estado civil. Ana casou-se e ficou viúva duas vezes, acumulando uma grande fortuna através do patrimônio dos falecidos maridos. Seu tino comercial também potencializou-lhe a prosperidade. Dona de muitos imóveis, Donana Jansen, a Rainha do Maranhão, como gostava de ser chamada, era conhecida e temida por toda sociedade maranhense.

Firmou-se como vendedora de água, escravos e por não aceitar a concorrência de tecnologias mais avançadas. Proprietária das maiores produtoras de cana de açúcar e algodão do Império, além de numerosos escravos, Donana Jansen era habilidosa na política. Sabia como ninguém costurar acordos de bastidores e foi uma das maiores patrocinadoras das batalhas da Balaiada e de Duque de Caxias.

Conta-se que um dos inimigos de Donana, comendador Meireles, rico comerciante, mandou fabricar centenas de belos penicos de louça na Inglaterra, com a cara de Ana estampada no fundo e os vendeu quase de graça. Donana não deixou barato e mandou seus escravos comprarem dois, três ou mais penicos de cada vez, até que o estoque se esgotasse. Depois, mandou que despejassem todo o estoque adquirido na porta da loja do Comendador, devidamente preenchidos com vezes e urina.

Também lendária era sua atitude perversa com os escravos. Jansen gostava de submete-los aos mais bárbaros castigos, torturando-os até a morte. Um exemplo de sua crueldade ficou conhecido como "O Tapete de Donana".

Para não sujar os sapatos franceses nas caminhadas pelo sítio, Ana fazia os escravos se deitarem, formando uma espécie de tapete humano. Ela então caminhava pisando sobre os corpos, evitando que os calçados elegantes tocassem o chão barrento.

Caso algum dos escravos se movesse e a fizesse perder o equilíbrio ou, pior ainda, manchasse o salto de seu sapato com sangue, seria prontamente removido do tapete e executado, na frente dos demais escravos.

Em uma ocasião, os escravos tentaram uma fuga em massa. Mas, antes que pudessem colocar seu plano em prática, Matias, um escravo promovido a capataz, denunciou o complô da senzala à Donana.

Indignada, Jansen desenvolveu uma técnica para punir os líderes da rebelião e garantir que o exemplo não fosse seguido por outros escravos. Mandou amarrar os revoltosos de ponta-cabeça dentro do poço e os esqueceu lá. Durante várias noites, os habitantes dos domínios de Donana acordaram com os gritos de suplício dos torturados ecoando de dentro do poço.

Arrependido e compadecido com o sofrimento dos escravos amarrados no poço, Matias aproveitou a escuridão da madrugada e cortou as cordas que prendiam aquelas pobres almas. A morte misericordiosa oferecida por Matias não foi vista com bons olhos pela Senhora Jansen. No dia seguinte, Donana mandou que Matias fosse decaptado.

Donana morreu no ano de 1869. Pelo comportamento em vida, o povo do Maranhão acredita que Ana Jansen teve um castigo em morte: foi condenada a vagar eternamente pelas ruas da cidade.

Em noites de sexta-feira de lua cheia, o fantasma da Rainha do Maranhão passeia de carruagem pelas ladeiras estreitas da Praia Grande, onde morava.

Anunciada pelos ecos dos gritos de socorro dos torturados presos no poço, Donana surge em seu coche puxado por mulas sem cabeça que jorram labaredas de fogo.

O condutor é um escravo decapitado. Muitos acreditam se tratar do capataz, o delator Matias. A carruagem assombrada atravessa o centro histórico de São Luiz sob os rangidos das correntes que arrasta pelos paralelepípedos. Ouvem-se também os gemidos dos escravos que morreram ao serem submetidos ao Tapete de Donana.

Os moradores mais antigos da cidade aconselham: os desavisados que, por azar, se encontrarem com o fantasma da Ana Jansen, devem a rezar uma oração pela alma da senhora. Isso fará a carruagem fantasma parar. Ao abrir da porta, Donana descerá para agradecer a oração e presenteará o vivente com uma vela acessa, antes de desaparecer em pleno ar. Ao raiar do dia, a vela de Donana se transformará em osso humano. 

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