Chizaine

434 132 405
                                    

"Todos temos direito a pelo menos um desejo por ano, quando sopramos as velas do nosso aniversário. Alguns ousam desejar de outros jeitos... Com cílios... Fontes... Estrelas cadentes.
E uma vez ou outra... Um dos desejos se realizam. E depois? É tão bom quanto esperávamos?
Ou deitamos no calor de nossa felicidade? Ou... Lembramos que temos uma lista de desejos esperando?
[...]
Não desejamos coisas fáceis. Desejamos coisas grandes... Coisas ambiciosas...
Fora do alcance. Desejamos porque queremos ajuda... E estamos assustados...
E sabemos que talvez pedimos demais... E ainda desejamos... Porque... as vezes...eles se realizam."

Dona chizaine era zeladora ( chefe dos vigilantes) no colégio que Cássia estudava no ensino médio . Desde aquela época que dona Chizaine já não era muito normal.

Tinha uma menina na escola que passava batom bem vermelho e beijava o espelho deixando a marca da sua boca, um dia dona Chizaine descobriu quem era a moça e foi na casa de banho na mesma hora e a marca já estava lá, ela simplesmente não falou nada, apenas mergulhou seu pano no vaso sanitário e limpou o batom e a moça assistiu aquilo e quase vomitou de tanto nojo e nunca mais apareceu mancha de batom no espelho.

Uma vez uma adolescente arranjou um namoradinho e ficavam a se agarrar sempre nos lugares que dona Chizaine estava limpar e ainda ria da cara dela. Um dia dona Chizaine deu um jeito, colocou duas camisinhas em sua mochila, quando a menina chegou à sua casa, sua mãe encontrou aquilo e contou para seu pai que lhe deu uma surra danada.

Cássia sempre observou dona Chizaine e achava que ela não era muito certa das ideias.
Quando alguém escutava música nos intervalos sem fone de ouvido, ela sempre ralhava e dizia que o ouvido dela não era pinico, para ter que escutar aquele tipo de música. Um dia um menino a desafiou, ela correu atrás dele e picou o fone de ouvido.

Dona Chizaine era tão alterada no humor, que até suas colegas tinham medo dela, a diretora da escola também procurava fazer vista grossa porque tinha receio dela.
Entrava ano e saía ano e lá estava dona Chizaine firme e forte e cada vez mais brava.

Os anos se passaram e Cássia foi para outra escola e não a viu mais até começar sua profissão de costureira.

Então, dona Chizaine se tornou sua cliente.
A cada roupa que Cássia confeccionava, ela descobria uma nova loucura em sua cliente.
Depois de muitos anos que dona Chizaine dominava o colégio mudou a diretora e ela foi transferida para outro local do outro lado da cidade.
Depois que dona Chizaine foi remanejada, ela mudou um pouco seus hábitos, mas a coisa que mais se observou é que sua casa virou uma floricultura, tinha flores nas janelas, nas paredes, no jardim, na horta, dentro de casa. Enfim tinha flores em todos os lugares, algumas espécies eram difíceis de serem encontradas, mas em sua casa as encontrava.

Na verdade os vizinhos observavam aquele novo comportamento de dona Chizaine, inclusive Cássia que achava aquilo muito exagerado. E então, descobriram que ela para ir ao trabalho passava por dentro do cemitério municipal e que quase todos os dias ela roubava flores dos túmulos, mas ela só pegava as flores que eram em mudas para poder plantar.

Também dona Chizaine fez amizade com os mendigos que moravam no cemitério e por uma quantia mínima em dinheiro se ofereceu para lavar as roupas deles e assim ela sempre carregava uma sacola com roupas e flores.

Dona Chizaine nunca sentiu medo e nunca se arrependeu por pegar aquelas flores, às vezes a família acabava de colocar a flor e ela já roubava e ninguém nunca via aquilo a não ser os mendigos.

Bem, que dona Chizaine é perturbada todos sabem, seus filhos todos já saíram de casa e seu marido morreu de desgosto.

Pelo menos uma vez por ano dona Chizaine faz algumas roupas com Cássia.

- Olá! Cássia, quanto tempo!

- Então, dona Chizaine a senhora sumiu!
Exclama Cássia mas sem sair do seu canto.

- Eu trouxe uns tecidos e um vestido de exemplo, pode fazer todos do mesmo modelo e tamanho.
Disse dona Chizaine.

- Mas porque não quer fazer modelos diferentes dona Chizaine?
Perguntou Cássia com dó da simplicidade da mulher.

- Não, Cássia está bem assim.
Respondeu dona Chizaine encurtando o assunto.

- E as novidades dona Chizaine?
Perguntou Cássia cheia de curiosidade.

- Eu mudei de endereço no emprego outra vez.
Disse dona Chizaine.

- E para onde a senhora foi desta vez?
Pergunta Cássia.

- Agora eu trabalho na Elisal, lavo roupa dos meus colegas e por vezes também saio com eles para o trabalho de campo.
Comenta dona Chizaine

- A senhora gosta de trabalhar lá?
Pergunta Cássia.

- Sim, eu acho muita coisa boa lá, quando o fiscal não está por perto eu mexo no lixo.
Disse dona Chizaine.

- Mas isso é proibido, não é?

- Mas ninguém vê ninguém sabe.
Comenta dona Chizaine.

Cássia muda de assunto e diz para ela vir experimentar a roupa dali uma semana e sente necessidade de rezar por ela, porque fica imaginando o que vai acontecer com sua casa agora, vai virar um deposito de lixo, pior que a história das flores.

Uma semana depois:

Dona Chizaine  veio experimentar seus vestidos, Cássia está curiosa com suas histórias.

- E o novo emprego dona Chizaine?

- Eu estou um pouco abatida, porque eu fui mexer no lixo, encontrei uma caixa, abri e então, tinha o corpo de uma mulher dentro da caixa.
Conta dona Chizaine com cara de espanto.

- E o que aconteceu?

- Eu dei um grito e então, todos perceberam que eu mexia no lixo.
Comenta dona Chizaine.

- E agora?

- Me encaminharam para uma psicóloga, por causa de todo meu histórico.
Responde dona Chizaine.

- Mas o que fizeram com o corpo?
Pergunta Cássia.

- Não fizeram nada, o corpo foi triturado junto com os lixos, por isso eu fiquei assim.
Disse dona Chizaine.

- Que horror!

- Eu nunca mais vou tocar naquele lixo!
Exclama dona Chizaine.

Cássia entrega os vestidos para dona Chizaine  experimentar, mas percebe que ela está pior, muito abatida e tremendo muito, sente uma agonia por vê-la naquele estado, uma pessoa que era tão forte como ela era.

Dona Chizaine experimenta seus vestidos e vai embora, Cássia fica cheia de dó e reza por ela por viver tão só, pelas manias estranhas, pela saúde e também pela fé.

Um mês depois:

Cássia estava muito preocupada com a demora de dona Chizaine, quando sua filha apareceu.

- Oi Cássia eu vim buscar as roupas da minha mãe.
Comenta Kamia.

- Mas o que aconteceu com sua mãe?
Pergunta Cássia.

- Ela foi internada num hospital psiquiátrico.
Disse a moça.

- Mas o estado de saúde dela piorou?

- Sim, ela estava a enlouquecer, estava ver a mulher que ela achou no lixo a caminhar em casa e a tocar nas flores e dizia que aquilo não pertencia a ela.
Explica Kamia.

- Meu Deus, que coisa sinistra!

- Ela chorava muito, ficava a tremer o tempo todo e dizia que a mulher estava desesperada ali nas flores.
Disse Kamia.

- Eu não sei o que te dizer Kamia, vou rezar muito pela sua mãe e por vocês.
Disse Cássia com muita tristeza.

Cássia acompanhou a moça até a porta e deu um longo abraço.

Num dia nós temos comida, no outro só tem a mesa!

MUTATIS MUTANDIS Onde as histórias ganham vida. Descobre agora